“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou irá odiar um e amar o outro, ou irá se dedicar a um e desprezar o outro. Vocês não podem servir a Deus e às riquezas” (Mateus 6,24).

Poucas frases do Evangelho colocam, como essa, o ser-humano diante de uma escolha tão precisa e radical: ou Deus ou as riquezas, o dinheiro. Mas qual dinheiro? Não certamente o dinheiro que é a justa paga do próprio trabalho e que serve para adquirir o necessário para uma vida decente e com dignidade humana. Esse dinheiro significa o pão cotidiano que Cristo mesmo nos ensinou a pedir ao Pai celeste. Não se trata, portanto, do dinheiro que serve à vida, mas do dinheiro que a escraviza, que de meio se torna fim e de servo se torna patrão. O dinheiro que acumula absorvendo o dos outros, que cresce a preço de sangue e da miséria alheia, o dinheiro que é extorquido. Aquele do qual Amós dizia que serve para comprar os indigentes e o pobre por um par de sandálias (Am 8,6).

É o dinheiro de iniquidade, isto é, o dinheiro inimigo de Deus que, possuindo quantidade suficiente não o usa para si e para sua família, o nega ou dificulta seu uso para as necessidades da casa, e isto por prazer de colocá-lo à parte, de fazê-lo render, de tentar operações arriscadas ou, pior, para gastá-lo na jogatina ou para trair a própria família.

Este dinheiro, elevado como finalidade da vida, senhor em lugar de Deus, é o grande ídolo, “a divindade de metal fundido”, como diz a Bíblia (cf Lv 19,4), que tem numerosos adoradores também entre os cristãos de hoje. A Bíblia (cf Lv 20,4) fala de um ídolo monstruoso chamado Moloque que era adorado na Palestina antes da chegada dos hebreus e ao qual se prestava culto, imolando crianças que eram queimadas diante dele. 

O Moloque de hoje, a riqueza tão almejada, tem três “filhos”: hedonismo (prazer pelo entretenimento), o ceticismo (onde cada um tem sua “verdade”) e a superficialidade (uma geração que mal lê e vive sem discernir sua realidade). A ele também se imolam, também hoje, vítimas inocentes. Assim, testemunhamos muitos adultos e crianças que sofrem no mundo pela fome, pelas doenças, pelas guerras, pela exploração são vítimas deste deus cruel que age atrás dos bastidores, como um vampiro que se enche com o sangue sugado na escuridão. Na nossa crise atual, quanta responsabilidade recai sobre os administradores públicos e privados que agiram como aquele feitor infiel do qual fala o Evangelho e sobre aqueles que ganharam lucros exagerados e injustos, fruto muitas vezes da corrupção em prejuízo de cidadãos analfabetos e confiantes. Frutos de um culto idolátrico são também os raptos e os sequestros cotidianos.

Qual o retrato da sociedade contemporânea a partir desse prisma, dessa perspectiva?

Não há sentimento mais triste do que aquele que nasce do rápido escoamento da nossa existência. Sentimos irem-se irreparavelmente as horas, os dias, os anos. Tomamos consciência desse movimento que nos leva rapidamente para a morte. Aqueles que desperdiçam seu tempo em ocupações insignificantes, que não deixam obras como marcas do caminho percorrido, experimentam ao lançar um olhar retrospectivo uma singular impressão: os anos, que não deixam outra lembrança senão a dos esforços que frutuosamente os preencheram, parecem vazios. A vida passada reduz-se a nada na consciência, e irresistivelmente nasce o sentimento de que o passado não é mais do que um sonho superficial, vão.

Por outro lado, quando a estrada começa a perder o seu interesse de novidade, quando as dificuldades da existência ensinaram-nos sobre o limite das nossas forças e a monotonia do presente e do futuro aparece, o movimento da vida parece acelerar-se, e a essa impressão de que o passado não é mais do que um sonho junta-se esta outra, mais penosa, de que o próprio presente também o é. Para aqueles que não sabem vencer as fatalidades da vida orgânica, a preguiça, as sujeições da vida social e da sua função, esse sonho mesmo tem algo de dolorosamente passivo. São transportados como prisioneiros, em um trem muito rápido, e contra a sua vontade.

O sábio é transportado tão rapidamente quanto eles, mas refletiu sobre a inutilidade de qualquer resistência, libertou-se aceitando o que não se pode evitar, e tratou ao menos de dar ao trajeto a aparência de um longo percurso. Fez isso não permitindo que o passado não desapareça inteiramente. Sabe que, para aqueles cuja passagem não deixa nenhum traço, o sentimento de que a existência é uma ilusão tênue, sem realidade, torna-se intolerável. Sabe que esse sentimento é inevitável no caso dos ociosos, dos “homens do mundo”, dos políticos ordinários cuja vida se perde nas preocupações ínfimas e no esforço estéril de todos aqueles, em suma, cujo trabalho não deixa resultados palpáveis.

A ociosidade cotidiana rouba-nos, portanto, o sentimento da nossa existência, e substitui-o por um sonho vão e despreszível. “Quando um trabalhador reclama de suas dores, ponha-o a não fazer nada”, disse Pascal. Com efeito, a preguiça é um carrasco de si mesmo, e a ociosidade absoluta do espírito e do corpo não tarda em engendrar um pesado, um doloroso tédio. Essa realidade crítica muita gente com posses, desembaraçada pelo dinheiro da salutar necessidade do trabalho, e não tendo a coragem de empreender alguma obra durável, não tarda a experimentar. Carregam seu desgosto por onde vão, ou buscam nos prazeres sensuais uma diversão que não demora, na saciedade, a multiplicar seu sofrimento.

Mas a ociosidade absoluta é rara e, como diz o provérbio, “o diabo inventa um trabalho para os que não o têm”. Quando o espírito não tem ocupações elevadas, não tarda em ser invadido por preocupações mesquinhas. Quem não faz nada tem tempo para moer e remoer suas pequenas contrariedades. Essa ruminação, longe de alimentar o espírito, arruína-o. A força dos sentimentos não canalizada, não podendo ser utilizada para fertilizá-los nas altas regiões da nossa natureza, expande-se nos porões da animalidade e se corrompe. As imperceptíveis feridas do amor-próprio exacerbam-se, as contrariedades inevitáveis da vida envenenam os dias, perturbam o sono. Os próprios prazeres tornam-se um ônus; perdem todo sabor, porque para o homem o prazer é inseparável da atividade. A preguiça repercute sobre o próprio corpo, e tende a destruir a saúde pela apatia, pela moleza que estabelece nas funções de nutrição e de relação. Quanto à inteligência, seu estado vazio e desocupado gera preocupação estéril e fatigante. Quanto à vontade, quase não é preciso lembrar com que rapidez ela se atrofia no ocioso e torna-se escravo do instinto animal (foge da dor e busca o prazer). 

Como é diferente o trabalhador movido por uma vocação, por uma missão, por um chamado de ser benção para as famílias da terra! 

Acorde! Acorde, ó Sião, e revista-se de força! Levante e sacuda a poeira, ó Jerusalém cativa; livre-se das correntes de seu pescoço, ó cativa filha de Sião … Quão formosos são sobre os montes os pés do que anuncia boas-novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: “O seu Deus reina!” Eis o grito dos seus atalaias! Eles erguem a voz e juntos gritam de alegria, porque com os seus próprios olhos veem o retorno do Senhor a Sião.” (Isaías 52,1-2.7-8).

Munido do amor de Deus, ama o próximo! Sendo o trabalho a forma contínua, durável do esforço, ele se constitui numa excelente educação da vontade. O trabalho, a partir do espírito, supõe tanto a obediência do corpo, de certa forma dominado pela atenção, quanto a vigorosa disciplina dos pensamentos e dos sentimentos. Adquire-se o hábito da vigilância do controle de si – e com a ajuda do Espírito Santo – descobre que a felicidade consiste numa direção do próprio pensamento e dos sentimentos; através dessa força que vêm do Senhor, toda a desordem provocada pelo pecado que corrompe o ser, é organizado e transformado, e, com a mente de Cristo a paz do Senhor será o arbitro para enfrentar as contrariedades e embaraços, tornando-as fonte viva de felicidade. Essa foi a experiência e conclusão de José do Egito: “Vocês, na verdade, planejaram o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como estão vendo agora, que se conserve a vida de muita gente” Gn 50,20).

Mas cuidemos de não apontar o dedo somente para os outros. Nós não somos somente as vítimas do dinheiro; talvez, alguns mais outros menos, sejamos também seus adoradores. O evangelho de hoje (Mt 6,24-34) é também para nós e nos obriga a olhar atentamente em nosso coração. A boca fala do que lhe transborda do coração, diz Jesus (Mt 12,34), e a nossa língua gira muitas vezes ao redor do dinheiro. Em certos ambientes, parece até que não se sabe falar de outra coisa a não ser de dinheiro: de como ganhá-lo, de como ser mais eficaz na gestão, do que fazer com ele, etc. 

Como chegamos a essa realidade tão preocupante como Igreja contemporânea? 

Um olhar atento na história do Ocidente, particularmente da Igreja, o período inicial dessa história, desde as civilizações da Grécia e Roma até a Idade Média, apresenta um contraste marcante com o período posterior – a partir do Iluminismo na idade moderna e contemporânea. Nesse período anterior, desde a queda do império romano (séc. IV) e invasão dos bárbaros, dos vândalos, a Europa parece progredir de um desenvolvimento cultural a outro, à medida que a conquista grega é absorvida, preservada e espalhada por Roma, com o crescimento e florescimento do cristianismo, enquanto as nações da Europa tomam forma, alcançando importantes marcos espirituais, intelectuais, artísticos, científicos, legais, governamentais e literários. Evidentemente, há tempos de turbulência, guerra e desastres naturais, mas o percurso geral da civilização parece ser ascendente.

Para a Igreja em particular, o progresso é visível em todas as áreas. De fato, os primeiros séculos cristãos viram o surgimento de terríveis desafios à fé na forma da perseguição e evangelização dos povos invasores, de graves heresias, como o arianismo; mas estes desafios foram, em grande parte, superados. Nesse período da história europeia, vemos o estabelecimento do cristianismo em toda a Europa, com o desenvolvimento de seu pensamento e de suas instituições sociais, econômicas e políticas, além de grandes obras-primas das artes plásticas, da arquitetura, da filosofia e da literatura. O fato é que, desde a idade moderna até nossos dias, a civilização de modo geral, tornou-se deficiente em muitos princípios – morais, estéticos, políticos e espirituais. Nossa tarefa é examinar como os eventos das últimas centenas de anos moldaram o presente, tanto espiritual quanto temporalmente.

Conforme o sociólogo Christian Smith descobriu há alguns anos atrás, um número significativo de cristãos americanos, especialmente adolescentes, são apenas “vagamente cristãos em qualquer ligação com a tradição cristã histórica” e, ao invés disso, abraçam o “meio-primo bastardo do cristianismo, o Deísmo Moralista Terapêutico”.

O Deísmo Moralista Terapêutico, de acordo com Smith, é um conjunto de crenças que inclui:

  1. Um deus que criou e organizou o universo e supervisiona a vida humana;
  2. Deus quer que as pessoas sejam boas, legais e justas umas com as outras, como é ensinado na Bíblia e na maioria das religiões;
  3. O objetivo principal da vida é ser feliz e sentir-se bem consigo mesmo;
  4. Deus não precisa estar particularmente envolvido na vida de alguém, exceto quando é necessário para que se resolva algum problema;
  5. Pessoas boas vão para o céu quando morrem.

O “deísmo” do DMT está apenas vagamente ligado ao Deísmo que era relativamente popular entre os séculos XVII e XIX. Enquanto as duas versões do deísmo reconhecem uma divindade suprema e a recompensa por bom comportamento, o tipo moderno não faz qualquer menção à punição dos mal-comportados. Ambos concordam que o que Deus espera de nós é que ajamos moralmente com nossos próximos. Mas discordam bastante em relação à nossa inabilidade de realizar nossos deveres morais. Os deístas terapêuticos modernos acreditam que a sua obrigação principal é sua própria felicidade. Se eles têm qualquer concepção de pecado, é provavelmente algo individualista, como na famosa definição de “estar desalinhado com meus próprios valores”.

Os deístas do Iluminismo admiravam Jesus como um exemplo moral, mas o rejeitavam como o Filho de Deus. Em contraste, os deístas da Era Terapêutica não vêem problema em confessar a divindade de Cristo – desde que fazê-lo melhore o seu bem estar consigo mesmo.

A linguagem, e assim a experiência”, diz Smith, “da Trindade, santidade, pecado, graça, justificação, santificação, igreja, comunhão, céu e inferno aparentam, pelo menos entre a maioria dos adolescentes americanos, terem sido vencidas pela linguagem de felicidade, bondade e recompensa celestial merecida”. O sociólogo Christian Smith vê isso não como um sinal de que o Cristianismo foi secularizado, mas que está ou se degenerando para uma versão patética de si mesmo ou para uma fé religiosa completamente diferente.

Qual o risco de criarmos deístas (simpatizantes) ao invés de discípulos de Jesus?

Essa nova forma de deísmo é particularmente perturbadora porque as igrejas têm ajudado a espalhá-lo. Como Ed Stetzer, presidente da LifeWay Research, recentemente notou, “O elefante branco da igreja cristã hoje é que não estamos vendo discipulados robustos acontecerem … Temos feito um bom trabalho de fazê-los entrar e saciar seu apetite espiritual, mas temos realizado um péssimo trabalho de realmente fazê-los crescer e de firmá-los na fé.” 

Muitas de nossas igrejas abraçaram completamente a linguagem e os conceitos terapêuticos enquanto abandonaram o papel do ensino e do discipulado.

Quase toda comunidade não-histórica tem um ótimo “líder de louvor”, mas poucas têm um grande professor de teologia. Ensinar as doutrinas básicas da fé não é uma tarefa opcional, um projeto que podemos investir se sobrar tempo após o café-da-manhã de oração ou as reuniões de pequenos grupos de comunhão – é uma questão de consequências eternas. Não podemos mais nos dar ao luxo de ignorar nossa responsabilidade de prover essa instrução doutrinária desesperadoramente necessária. Ou nós começamos a fazer discípulos cristãos ou a nossa cultura religiosa vai continuar fazendo deístas que tem alguma simpatia por Jesus.

Todos, mais ou menos, estamos envolvidos – alguns como agentes, outros por conveniência, e outros, ainda, por anuência – nesta nova idolatria. Perguntemo-nos antes o que devemos fazer como cristãos. O papel da Igreja hoje, isto é, dos cristãos, é exorcizar o mundo dos ídolos da riqueza – hedonismo (prazer pelo entretenimento), o ceticismo (onde cada um tem sua “verdade”) e a superficialidade (uma geração que mal lê e vive sem discernir sua realidade), dessas potências mais vistosas do mal. Exorcizá-lo voltando a proclamar a bem-aventurança de Cristo: Felizes os pobres de espírito […] felizes os puros de coração. 

Quando Cristo enviou os apóstolos pelo mundo – diz o Evangelho – conferiu-lhes o poder de expulsar os espíritos imundos (Mt 10,1). Nunca essas prerrogativas dos discípulos de Jesus foi mais urgente do que agora. Mas não se trata, evidentemente, de fazer campanhas ou de acender as “fogueiras da vaidade” mas, como disse o Senhor Jesus, “o erro de vocês está em não conhecerem as Escrituras nem o poder de Deus” (cf Mt 22,29). E então, com a mente de Cristo, iluminados na inteligência e capacitados na vontade pelo Espírito Santo, promover uma reforma cultural na sociedade a partir da educação, devolvendo a liberdade de pensar, discernir, interagir e reagir pautados em princípios e valores com base nas virtudes cardeais prudência, justiça, temperança e fortaleza – sempre motivados, não pelas riquezas, mas pela fé, esperança e amor.

A nossa missão é trabalhar para dar a nós primeiro e depois aos outros a verdadeira liberdade. Antes de ser uma ofensa a Deus, com efeito, esta nova idolatria é uma escravidão, uma degradação do próprio homem. Aliás, primeiro é uma ofensa a Deus, enquanto deturpa uma sua criatura, alvo do seu amor, torna-a um objeto em vez de uma pessoa. Descobrir a liberdade de filhos de Deus, aquela liberdade que, comprometida com o pecado, nos foi reconquistada por Cristo. Dar a cada ser humano aquela coroa de rei e de rainha da criação que lhes proíba prostrar-se ainda para adorar os vários bezerros de ouro. Recorda-te, ó cristão, da tua dignidade, dizia São Leão Magno (séc. V). Ele te proíbe de voltar a viver segundo a antiga escravidão. Tudo pertence a vocês – dizia São Paulo aos primeiros cristãos – mas vocês são de Cristo (1Co 3,22ss): não há mais lugar para outro serviço e para outra escravidão.

Talvez a nova geração tenha previsto tudo isso, porque, ao menos em seus elementos mais sadios, como vemos na universidade de Asbury em Kentucky – EUA, os jovens mostram querer derrubar, entre outros mitos, também aqueles da riqueza desmedida e corrompida. Eles se levantam justamente contra esta sacrílega entronização do dinheiro em lugar de Deus, e da sensualidade, do prazer a qualquer preço em lugar do amor de Cristo. Além de tudo, como todos os ídolos, eles são falsos e mentirosos, porque não dão nunca a felicidade que prometem, ou, se a dão, é muito precária e muito breve para que se possa chamar de verdadeira felicidade.

Como cristãos, não podemos hesitar um instante: este é precisamente nosso dever de hoje.