“Consolem, consolem meu povo”, diz o seu Deus. “Falem com carinho a Jerusalém; digam-lhe que seus dias de luta acabaram e que seus pecados foram perdoados. Sim, o Senhor a castigou em dobro por todos os seus pecados.” Ouçam! Uma voz clama: “Abram caminho no deserto para o Senhor! Preparem para nosso Deus uma estrada reta na terra desolada! Aterrem os vales, nivelem os montes e as colinas. Endireitem as curvas, tornem planos os trechos acidentados. Então a glória do Senhor será revelada, e todos a verão. O Senhor falou!”. Isaías 40,1-5

A vida nunca está pronta. Há que recomeçar sempre de novo. A cada período nascemos de uma outra maneira. Saímos do seio da vida, crescemos, vivemos, sofremos, sonhamos, amamos. Um pedaço de nós vai ficando para trás. E andamos… escolhemos estradas… percorremos caminhos. Estamos no caminho do Advento que nos leva até o Mistério da encarnação do Verbo. Esse Jesus que sempre buscamos se diz Caminho. E as leituras desta reflexão nos falam do caminho e de estradas que nos levam ao Mistério.

Pelo pecado o povo afastou-se de Deus e experimentou o sofrimento e a dor, mas o Senhor abre um caminho entre as montanhas, no meio do deserto e na estepe para o fazer regressar. Deus fala ao coração do seu povo para o trazer de volta. A voz do Senhor endireita os caminhos e o próprio Senhor protege o povo com o seu poder e caminha à sua frente como um pastor.

O profeta é a boca do Senhor e o Senhor falou. A quem falou o Senhor? Ao seu povo. Falou “ao coração de Jerusalém” como o esposo fala ao coração da esposa. Como Siquém falou a Dina (Gn 34,3), como José falou aos seus irmãos (Gn 50,21), como o levita falou à esposa que o abandonara (Jz 19,3), como Boaz falou a Rute (Rut 2,13), e como Oseias falou à sua esposa, “ao deserto a conduzirei para lhe falar ao coração” (Os 2,16).

O Senhor fala através do profeta ao coração de Jerusalém para lhe elevar o ânimo, pois só assim poderá fazer o caminho de regresso. Israel pecou, mas o seu pecado já foi redimido, “está perdoada a culpa”, porque já sofreu mais do que era necessário.

Depois da disciplina vem a recompensa. Há um caminho a fazer que não é necessariamente através do deserto. A primeira travessia é interior, é espiritual, é o caminho do Senhor. É necessário estar preparado para fazer este caminho de fé e de esperança.

No regresso o Senhor vem à frente, como um rei vitorioso da batalha, como um pastor guiando o seu rebanho. Anunciado pelo arauto que grita. “Eis o nosso Deus. O Senhor vem com poder”. Ele traz o “prêmio, a recompensa”. O Senhor traz o seu povo através do deserto, como se trazem os despojos depois da batalha. Ganhou direito ao seu povo porque lhe falou ao coração. O povo ganhou um Senhor porque deixou a palavra penetrar no coração.

“Senhor, abençoaste a tua terra; restauraste a condição de Israel. Perdoaste a culpa do teu povo; cobriste todos os seus pecados… Mostra-nos o teu amor, Senhor, e concede-nos a tua salvação. Ouço com atenção o que Deus, o Senhor, diz, pois ele fala de paz a seu povo fiel; que não voltem, porém, a seus caminhos insensatos. Certamente sua salvação está perto dos que o temem; então nossa terra se encherá de sua glória” Salmo 85.

Esse salmo é o anúncio da salvação que se aproxima. Depois de uma longa introdução vêm os versículos que se cantam e anunciam um tempo de regresso da paz, da justiça e da verdade.

O Senhor que, em outros momentos da história, agiu em favor do seu povo tirando-o dos precipícios do pecado “restaurastes a prosperidade de Jacó. Perdoastes as culpas do vosso povo” (v. 2) pode vir de novo ao encontro do seu povo trazendo a paz, o amor e a fidelidade, “volta-te para nós” (V. 5).

E de fato, o Senhor vem “para os seus amigos e para todos os que voltam para ele o coração”. Porque o Senhor fala de paz, de amor e fidelidade ao seu povo, haverá encontro entre o céu e a terra “da terra brota a verdade e a justiça brotará do céu”. O salmo recorda, no meio do sofrimento do tempo presente, a esperança na salvação, porque o Senhor vem com toda a sua glória.

Os elementos de intervenção divina apontam para Cristo, de fato ele é a paz, a misericórdia, o amor, o caminho e a verdade, ele é a salvação. O seu evangelho é verdade e salvação para todos os povos.

“Logo, amados, não se esqueçam disto: para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. Na verdade, o Senhor não demora em cumprir sua promessa, como pensam alguns. Pelo contrário, ele é paciente por causa de vocês. Não deseja que ninguém seja destruído, mas que todos se arrependam. Contudo, o dia do Senhor virá como um ladrão. Os céus desaparecerão com terrível estrondo, e até os elementos serão consumidos pelo fogo, e a terra e tudo que nela há serão expostos. Visto, portanto, que tudo ao redor será destruído, a vida de vocês deve ser caracterizada por santidade e devoção” 2Pedro 3,8-11

Pedro, sentindo que os seus dias estão por terminar, escreve esta carta a uma comunidade a quem Paulo também já escrevera (3,16). Trata-se de uma exortação para que todos os cristãos se mantenham firmes no modo de viver que aprenderam, para que o Senhor os “encontre puros, irrepreensíveis e em paz”.

O dia do Senhor, que parece tardar, vai chegar. Este é o tempo, diz Pedro, em que se manifesta a paciência de Deus a nosso favor. O tempo de Deus não é como o nosso, de modo que ninguém pense que não se vai realizar a promessa, pois “um dia diante do Senhor é como mil anos e mil anos como um dia”.

Deus quer dar oportunidade a todos para se encontrarem com a salvação, porque o seu dia “virá como um ladrão”. Enquanto espera, o cristão deve empenhar-se “sem pecado nem motivo algum de censura, para que o Senhor vos encontre na paz”. Uma paz que significa amizade com Deus e desejo do encontro com ele.

“Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Como está escrito na profecia de Isaías: “Eis que envio o meu mensageiro adiante de você, o qual preparará o seu caminho. Voz do que clama no deserto: Preparem o caminho do Senhor, endireitem as suas veredas.” E foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados.” Marcos 1,1-4

O evangelho de Marcos revela Jesus como o ungido, o Filho de Deus, aquele que é mais forte e que batiza no Espírito Santo. Com palavras do profeta Isaías anuncia João, o arauto, que abre caminhos no deserto e prepara o povo, pela conversão, para o encontro com o Senhor que salva.

O evangelista Marcos começa por especificar que este é o “evangelho de Jesus Cristo Filho de Deus”, ou seja, a boa nova libertadora. Estamos no início, no momento da chegada desta notícia ao mundo que é o mesmo que a chegada de Cristo pela encarnação. A proposta do evangelista é que avancemos com Este Filho de Deus para o conhecer melhor até o reconhecermos pela fé.

Depois de apresentar Jesus, o evangelista, apresenta João Batista como o mensageiro anunciado por Isaías para ser a voz e para preparar um caminho no deserto. Ele é quem anuncia a conversão e realiza o batismo de renúncia para a mudança da vida. A sua figura caracteriza-se por vestir “pelos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre”.

Eram muitos os que vinham ter com João, confessavam os seus pecados e recebiam o batismo das suas mãos.

O conteúdo da pregação coloca João como o arauto que vai à frente a anunciar: “Eis o vosso Deus. O Senhor Deus vem com poder, o seu braço dominará. Com Ele vem o seu prêmio, precede-O a sua recompensa”. Ele não se anuncia a si, mas a outro que “é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias”. E que tem um batismo no Espírito Santo.

As palavras “evangelho de Jesus Cristo” significam a boa notícia, que diz respeito a Jesus Cristo, isto é, que tem Jesus Cristo como “objeto”. Elas não mostram ainda quem é o “sujeito” que faz este anúncio, que divulga a boa notícia sobre Jesus Cristo. Mas ele está claramente subentendido; não é Marcos nem Pedro; é a Igreja, a comunidade que abraçou aquele anúncio, que foi por ele transformada e que agora anuncia ao mundo. A Igreja é o ambiente vital (o Sitz im Leben, como dizem os estudiosos) em que se “formou” o anúncio e onde foi escrito depois de por alguns anos ter se desenvolvido sob a forma de testemunhos e lembranças orais. O sentido da frase é, portanto, este: início da boa notícia “sobre” Jesus Cristo “por parte da” Igreja.

O ponto mais alto da frase foi alcançado somente no fim, com o título “Filho de Deus”: Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Marcos colocou no início de seu evangelho um ato de fé: Jesus Cristo, Filho de Deus. Cronologicamente foi a última descoberta, uma descoberta que os discípulos só fizeram depois da Páscoa, à luz de Pentecostes; mas ela é situada aqui no início do Evangelho para afirmar que Jesus era o Filho de Deus já no começo da sua missão, também se os homens não estavam ainda preparados para reconhecê-lo como tal; é colocada aqui talvez para se opor à incipiente heresia dos adocionistas, os quais sustentavam que Jesus tinha se tornado Filho de Deus no tempo, graças aos méritos adquiridos em sua vida terrena.

Desse modo, portanto, nasceu e se desenvolveu a fé cristã, em torno da certeza de que Jesus é o Filho de Deus. Ela constitui o “coração” do anúncio apostólico; quem chegava à fé, começando por aquele primeiro – muitas vezes esquecido – crente pagão que foi, para Marcos, o centurião romano que presidiu à execução de Jesus: O centurião que estava diante de Jesus, ao ver que ele tinha expirado assim, disse: “Este homem era realmente o Filho de Deus” (Mc 15,39; cf. também At 8,37: “Se crês de todo o coração, podes sê-lo [batizado].” Respondeu então o eunuco: “Eu creio”, disse ele, “que Jesus Cristo é o Filho de Deus”).

Marcos  e Isaías falam da mesma pessoa, porque o “nosso Deus” é um só e porque em Jesus Cristo é Deus mesmo que “visitou o seu povo” (Lc 7,16). Está na hora de retomar a boa notícia sobre Jesus Cristo, Filho de Deus, para gritá-la com força (é o sentido do querigma!) em Jerusalém e nas cidades da Judeia, isto é, na Igreja e fora. Isaías nos oferece o paradigma de como se deveria anunciar o Evangelho, com qual força profética e qual vigor carismático; ensina-nos também como fazer deste anúncio um anúncio de libertação e de consolação para o homem da atualidade, curvado também ele sob o jugo de tantas escravidões: Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração (a Alma, não só à emoção!) de Jerusalém e dizei-lhe em alta voz a sua servidão está cumprida. Acabou, basta que tu queiras reconhecer o tempo da tua visita (cf. Lc 19,44).

Israel, povo de Deus, revela na sua história a experiência que podemos perceber nos homens de todos os tempos, também em nós. A autossuficiência, a confiança em si mesmo e nas próprias capacidades afasta frequentemente de Deus e leva o homem tão longe que acaba sozinho, com sentimentos de solidão e abandono. Perdido de Deus, longe da sua voz, não encontra forma de vencer as montanhas que se elevam diante dos seus olhos nem forças para enfrentar o deserto que o separa de Deus. Se não for o próprio Deus a vir, se não for ele a falar ao coração do homem, como o esposo abandonado que, levado pelo amor, faz tudo para atrair o coração da esposa, não regressa nunca.

É esta a experiência que Isaías conta no texto em destaque (40,1-5. 9-10). Estar longe de Deus representa um sofrimento demasiado pesado para o homem. Até Deus reconhece que se trata de um “duplo castigo”. As forças que conduzem o homem para longe de Deus são insuficientes para o fazerem regressar e parece impossível que Deus se compadeça do homem pecador. No entanto, Deus “não quer que ninguém pereça, mas que todos possam arrepender-se”. Por isso, o próprio Deus manda anunciar em alta voz ao seu povo que “terminaram os seus trabalhos e está perdoada a sua culpa”.

O mensageiro de Deus, anuncia a chegada do Senhor, “eis o vosso Deus. O Senhor Deus vem com poder e abre um caminho no deserto, endireitem-se os caminhos tortuosos e aplanem-se as veredas escarpadas”. O Senhor vai manifestar a sua glória trazendo o seu povo do exílio, como fazem os reis vitoriosos depois da batalha e como o pastor que conduz as ovelhas ao descanso.

Esta é a promessa que se cumpre em muitos momentos da história deste povo que o Senhor escolheu para si. Deus não abandona o seu povo, nem no Egito nem em Babilônia nem em circunstância alguma. Não o fez ontem e não o fará hoje, como é convicção do salmo 85, “a salvação está perto”, porque o Senhor não fica indignado para sempre nem prolonga pelos séculos o furor provocado pelo pecado do seu povo.

Pode demorar, como muito bem recorda Pedro na sua segunda carta. Mas a sua demora não é tempo inútil, não é estéril o seu silêncio. O tempo de espera é tempo de Deus, é tempo da sua ação em favor do homem, para que “todos possam arrepender-se”. Assim deve ser aproveitado por todos, como afirma Pedro ao dizer “enquanto esperais tudo isto, empenhai-vos, sem pecado nem motivo algum de censura”. Alguns pensam que a demora do Senhor significa o fim de todas as promessas, mas os que creem empenham-se porque têm consciência que “deve ser santa a vossa vida e grande a vossa piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus”.

É este o desafio que é apresentado por Marcos no início do Evangelho. Para ele, Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. O conteúdo do evangelho é a pessoa do Jesus. O crente é chamado a fazer do evangelho o caminho que leva à fé em Jesus, reconhecendo nele o Messias, o Filho de Deus anunciado por João no deserto do Jordão.

Para acolher Cristo na fé é necessário converter-se através da escuta da palavra, o reconhecimento do pecado, o arrependimento e o batismo. Trata-se de um caminho espiritual aberto no deserto interior de cada homem. Esta experiência espiritual trouxe a João multidões de homens e mulheres que procuravam uma nova vida nas águas do Jordão. Mas João é apenas o arauto, não se anuncia a si mesmo, mas aquele que é o centro do evangelho, Jesus, o Filho de Deus.

Diante de nós está, hoje, Jesus com a proposta do seu evangelho que levou muitos a dizer “este é verdadeiramente o Filho de Deus” e com o batismo no Espírito Santo para o verdadeiro perdão dos pecados. Muitos fizeram este caminho espiritual e encontraram em Jesus a resposta. Nós também podemos fazer a mesma descoberta, porque também nós esperamos o cumprimento da promessa do Senhor.

Pode ser difícil porque implica uma mudança de mentalidade, uma conversão total de nós mesmos, o início de uma vida nova, mas é possível porque nos guia o próprio Jesus, vencedor de todos os obstáculos que impedem o encontro do homem com Deus. Então, não por nós, mas porque o Senhor é fiel às suas promessas, fala ao nosso coração, quer a nossa salvação, faz germinar da terra a fidelidade, dá-nos tudo o que é bom, será possível.

Empenhemo-nos, portanto, enquanto vamos a caminho, “sem pecado nem motivo algum de censura, para que o Senhor vos encontre na paz”.

Temos sede de plenitude. Temos urgência de deixar tombar o que foi acrescentado ao nosso eu mais profundo para enfeitar-nos plenamente da graça. Deus vem, vem no Menino das Palhas e no Jesus andarilho, provocante, provocador, vivo. Não podemos parar na candura do memorial. Meu coração precisa buscá-lo. Há uma urgência de conversão. Apareceu um homem no deserto chamado João, o Batista, o “batizador”. “Preparai os caminhos do Senhor, endireitai suas veredas”. Rude, áspero, profeta esse João queria preparar os caminhos para aquele que devia vir. As pessoas entravam no Jordão. Arrependimento. Desejo, sede de purificação. Mais tarde viria alguém que batizaria no Espírito, na água do Espírito. Tudo isso tem a ver com advento.

Tempo de Advento, tempo de reorientação do melhor que existe em nós para o Oriente, o Sol.

Converter = deixar o Ocidente, onde morre o astro luminoso e buscar o Nascente.

A conversão de que fala Jesus não é algo forçado; é uma mudança que vai crescendo em nós na medida em que tomamos consciência de que Deus é alguém que deseja que aprendamos a fazer nossa vida, mais humana e mais feliz. Conversão não é algo triste. É limpar nossa mente de interesses e egoísmos que minimizam. Libertar o coração de angústias e preocupações. Libertar- nos de objetos de que não precisamos mais e viver para a pessoas que precisam de nós. Alguém começa a entrar num processo de conversão quando descobre que o importante não é se perguntar como posso ganhar mais dinheiro, mas como posso ser mais humano, como posso chegar a ser eu mesmo.

Na medida em que vamos avançando em maturidade e ganhando sabedoria compreendemos que no tempo do Advento há esse pedido de nos desvencilharmo-nos de nós mesmos e viver o mais humanamente. Para nós vivenciar o Advento é viver em clima de mudança do coração.

Uma dieta de gafanhotos e mel silvestre é tudo o que basta para fazer o caminho de regresso a casa. A veste de festa é feita de pelos de camelo, porque a verdadeira veste é interior e chama-se paz.

O caminho de regresso é guiado pelo pastor de Israel, que tem no braço o poder da vitória e na mão o bastão do pastor.

A festa é o encontro com o Filho de Deus que no Espírito Santo e no fogo purifica de todo o pecado e de toda a censura.

Vinde, Senhor, caminhai à nossa frente neste deserto de espera, neste tempo incerto em que aguardamos a renovação de todas as coisas no fogo do vosso Espírito. Fazei ouvir a voz do arauto para renovarmos a esperança nas vossas promessas e enchei-nos dos bens necessários para aguardarmos em santidade e justiça a vinda do salvador do mundo.