Naquela ocasião, Jesus orou da seguinte maneira: “Pai, Senhor dos céus e da terra, eu te agradeço porque escondeste estas coisas dos que se consideram sábios e instruídos e as revelaste aos que são como crianças. Sim, Pai, foi do teu agrado fazê-lo assim. Meu Pai me confiou todas as coisas. Ninguém conhece verdadeiramente o Filho, a não ser o Pai, e ninguém conhece verdadeiramente o Pai, a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho escolhe revelá-lo. Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo. Deixem que eu lhes ensine, pois sou manso e humilde de coração, e encontrarão descanso para a alma. Meu jugo é suave, e o fardo que lhes dou é leve”. Mateus 11,25-30

Diante desta página do Evangelho fica-se envolvido por certo sentido de respeito e de temor. Gostaríamos de ficar em silêncio, de não interferir com nossas palavras naquele diálogo íntimo em ato entre o Filho e o Pai. Para entrar naquele diálogo é necessária uma força não nossa: o Espírito Santo. Foi o Espírito que, num ímpeto de alegria, impeliu Jesus a falar com o Pai na presença dos homens. Lucas inicia em seu Evangelho a mesma narração dizendo: “Naquele momento, Jesus foi tomado da alegria do Espírito Santo e disse” (Lc 10,21a). Vemos em Romanos (8,9. 11-13) o apóstolo Paulo nos dizer que “se alguém não têm o Espírito de Cristo, não lhe pertence”; e se não lhe pertence, não pode compreendê-lo; o som das suas palavras não lhe chegará à mente e ao coração. As coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus (1Co 2,11). 

Ora, o que o Evangelho nos expôs hoje são exatamente “os segredos de Deus”. E “os segredos mais profundos de Deus” (cf 1Co 2,10): o segredo que há entre o Pai e o Filho. O Espírito conhece aquele segredo porque faz parte dele; é, ele mesmo, aliás, o segredo e o vínculo misterioso entre o Pai e o Filho! Somente Ele pode, por isso, revelá-lo e o revela, com efeito, aos que creem: “E nós recebemos o Espírito de Deus, e não o espírito deste mundo, para que conheçamos as coisas maravilhosas que Deus nos tem dado gratuitamente” (1Co 2,12).

Aproximemo-nos, então, a esta página do Evangelho com coração de crianças e com respeito de Moisés quando tirou as sandálias para se aproximar da sarça ardente: “Pai, Senhor dos céus e da terra, eu te agradeço porque escondeste estas coisas dos que se consideram sábios e inteligentes e as revelaste aos que são como crianças. Sim, Pai, foi do teu agrado fazê-lo assim”.

“Meu Pai me confiou todas as coisas. Ninguém conhece verdadeiramente o Filho, a não ser o Pai, e ninguém conhece verdadeiramente o Pai, a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho escolhe revelá-lo”. E voltou-se para os seus discípulos e disse: “Felizes os olhos que veem o que vocês viram. Eu lhes digo: muitos profetas e reis desejaram ver o que vocês têm visto e ouvir o que vocês têm ouvido, mas não puderam” (Lc 10,21-24).

“Estas coisas”, o que vocês veem: o segredo profundo está escondido nestas expressões. Jesus não tinha dito ainda a ninguém ser o Filho de Deus. Não teriam podido compreendê-lo. O dia que o tivesse dito abertamente, teria sido morto como sacrílego e assim aconteceu de fato, no processo diante do sinédrio. Eis por que durante seu ministério preferia chamar-se “filho do homem”

Contudo, seu segredo mais profundo e sua identidade permaneciam desta forma: Filho do Pai, unido a ele na mesma natureza, isto é, pelo mesmo Espírito, Deus ele mesmo de Deus. Era necessário que seus mais íntimos começassem a tomar consciência dessa filiação divina, que um dia deveria constituir o coração de sua predileção pelo mundo. E eis, então, que Jesus se coloca a falar com o Pai na presença deles; pelo tom e pelo modo com que fala com Deus, eles poderão intuir que entre eles há um relacionamento único, que não se repete desde sempre; uma intimidade e uma comunhão que nenhum homem teria podido conceber. 

Dirige-se a Deus chamando-o, em sua língua, Abba, isto é, papai, paizinho. Isto surpreende porque os hebreus que o escutavam tinham o escrúpulo até de pronunciar o nome de Javé! Nenhum orante hebreu, que se tenha conhecimento, tinha ousado dirigir-se a Deus com esta familiaridade. Se, enquanto estamos falando com uma pessoa muito importante, vemos uma criança aproximar-se dessa pessoa sem nenhum receio e falar-lhe com confiança, nós dizemos logo: é seu filho! Assim deviam concluir os discípulos, ao menos mais tarde, refletindo sobre aquela cena. Segundo o evangelista, são os próprios judeus que chegam a esta conclusão: Ele chama a Deus seu pai, fazendo-se assim igual a Deus (cf Jo 5,18).

Nossa fé se funda na consciência clara e incoercível que Jesus teve de ser Filho de Deus. Todo o resto repousa sobre esta certeza autenticada pela ressurreição de Cristo: estabelecido Filho de Deus no poder por sua ressurreição dos mortos (Rm 1,4). Ele não é somente “Cristo”, isto é, Messias, não é somente filho do homem; é antes ainda “o filho de Deus vindo ao mundo”, é igual a Deus, é a Palavra eterna do Pai. Entre ele e o Pai há comunhão e identidade totais: Tudo me foi dado pelo meu Pai; isto é, o Pai expressou sua totalidade naquela Palavra pronunciada antes dos séculos. 

Agora podemos ler também a inaudita promessa que Jesus faz no fim do trecho do Evangelho sem mais nos escandalizar: Que homem poderia dizer a todos os homens – “Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso”? Talvez tenham existido outras pessoas na história da humanidade que dissessem isso; mas a história desmentiu: não puderam manter a promessa. Somente alguém que transcende as gerações e o mundo – isto é, somente Deus – pode ter condições de consolar de verdade todos os famintos e os oprimidos do mundo, mesmo sem livrá-los materialmente do cansaço e da opressão. Jesus o afirmou e cumpre. Também hoje não há ninguém que “se dirija a ele”, que confie totalmente a ele sua existência e não seja fortalecido por uma nova esperança.

Ao lado de Cristo, todas as fadigas se tornam amáveis, tudo o que poderia ser mais custoso no cumprimento da vontade de Deus se suaviza. O sacrifício, quando se está ao lado de Cristo, não é áspero e duro, mas amável. Ele assumiu as nossas dores e os nossos fardos mais pesados. O Evangelho é uma contínua prova da sua preocupação por todos: “Ele deixou-nos por toda parte exemplos da sua misericórdia”, escreve São Gregório Magno. Ressuscita os mortos, cura os cegos, os leprosos, os surdos-mudos, liberta os endemoninhados … Por vezes, nem sequer espera que lhe tragam o doente, mas diz: Eu irei e o curarei (Mt 8,7). Mesmo no momento da morte, preocupa-se com os que estão ao seu lado. E ali entrega-se com amor, como propiciação pelos nossos pecados. “E não apenas de nossos pecados, mas dos pecados de todo o mundo” (1Jo 2,2).

Devemos imitar o Senhor: não só evitando lançar preocupações desnecessárias sobre os outros, mas ajudando-os a enfrentar as que têm. Sempre que seja possível, assistiremos os outros nas tarefas do cotidiano, nos fardos que a própria vida impõe: “Quando tiveres terminado o teu trabalho, faz o do teu irmão, ajudando-o por Cristo, com tal simplicidade e naturalidade, que nem mesmo o favorecido repare que está fazendo mais do que em justiça deve – isto, sim, é fina virtude de filho de Deus!” (Josemaria Escrivá).

Nunca deverá parecer excessiva qualquer renúncia, qualquer sacrifício que possamos fazer em benefício dos outros. O amor de Cristo deve estimular-nos a mostrar-lhes o nosso apreço com atos mais concretos, procurando ocasiões de ser úteis, de aliviar os outros de algum peso, de proporcionar alegrias a tantas pessoas que podem receber a nossa colaboração, sabendo que se trata de uma matéria em que nunca nos excederemos suficientemente.

Temos que libertar os outros daquilo que lhes pesa, como Cristo faria se estivesse no nosso lugar. Isso nos levará a prestar-lhes um pequeno serviço,  a dirigir-lhes uma palavra de ânimo e de alento, a ajudá-los a olhar para o Mestre e a adquirir um sentido mais positivo da sua situação, que talvez os aflija por se encontrarem sós. Ao mesmo tempo, podemos e devemos pensar nestes aspectos em que, muitas vezes sem termos plena consciência disso, contribuímos para tornar um pouco mais pesada e menos grata a vida dos outros, pela indiferença ou falta de consideração, pela palavra que magoa.

O AMOR DESCOBRE nos outros a imagem divina, a cuja semelhança todos fomos feitos; reconhecemos em todos o preço sem medida que foi pago pelo seu resgate: o próprio sangue de Cristo (cf 1Pe 1,18). Quanto mais intensa for em nós a virtude sobrenatural da caridade, maior estima teremos pelo próximo e, consequentemente, crescerá a nossa solicitude pelas suas necessidades e penas. 

Nos que sofrem ou passam por dificuldades, não vemos apenas a pessoa em si, mas também Cristo, que se identifica com todos os homens: “Em verdade vos digo que, quando fizeram isso ao menor destes meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,40). Cristo faz-se presente no mundo pelo nosso amor sacrificial e incondicional. Por isso, a união vital com Cristo também nos permite dizer  “Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso”

Mas aqui se abre outra reflexão: quem vai realmente a Ele? A quem o Pai revela de verdade o Filho? Jesus um dia disse: Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o atrair (Jo 6,44). Mas quem o Pai atrai, responde o evangelho que meditamos hoje: não os sábios e os inteligentes, mas os pequenos. É o segundo “segredo de Deus” revelado por Jesus, não menos importante do que o primeiro: Jesus é o Filho de Deus; mas isto só os pequenos, os humildes, os dóceis podem compreendê-lo. 

Então, a soberba é a antítese do amor; podemos afirmar que cada um de nós traz, dentro de si, uma gota do veneno da serpente do paraíso. Com isso queremos nos referir ao pecado original, um pecado de orgulho – de soberba – que levou os primeiros pais a rejeitar Deus com um ato de desobediência. 

Quando se rebela contra Deus, o homem fica fechado no círculo do “eu”, no culto do egoísmo. Tudo gira à volta dele, e não aceita interferências. Essa independência de Deus é destrutiva, porque corta a conexão vital com Aquele que é a fonte do ser, da vida, do bem, da bondade, da graça .. e, assim, como diz um teólogo, o homem “se condena ao absurdo, pois uma liberdade sem Deus só pode destruir o homem” (Q. L. Lorda).

Quando a soberba dá o seu “grito do Ipiranga”, as virtudes saltam fora dos eixos do amor a Deus e do amor ao próximo. Com isso, se desconjuntam. É o princípio de todo pecado. É bom temer esse inimigo, porque todos – em maior ou menor grau – o carregamos dentro de nós, e muitas vezes não nos damos conta disso.

O veneno da serpente, que continua a sussurrar sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal (Gn 3,5), atua nos corações e pode nos levar, se não reagirmos a:

– Desprezar a Deus e as coisas de Deus. É a atitude de indiferença da pessoa autossuficiente, que – como diria o poeta Antonio Machado – “despreza quanto ignora”. Então dizem: “Religião já era”, “Você ainda acredita?”, “Eu escolho a minha verdade!”, “Ninguém te que me dizer o que é certo ou errado!”

– Pode levar também a acreditar em Deus com a boca e na teoria, mas a considerá-lo supérfluo na vida real. “Para quê levar tão sério a fé, para quê ter uma vida espiritual constante, para quê aprofundar no Evangelho e na doutrina cristã?” Alguns, quando muito, aceitam Deus como um servente útil, que deve ficar a postos quando o chamamos na hora da aflição para que nos resolva os problemas.

– A autossuficiência orgulhosa pode conduzir, “em nome da liberdade laica”, à criação de uma cultura, de uma política, de uma legistação, de uma mentalidade, que expulsa Deus e o coloca no banco dos réus, fora da lei. Defender a verdade moral e os Mandamentos de Deus (por exemplo, a verdade sobre o matrimônio, a família, a vida), já se tornou crime em alguns lugares. Quem defende a verdade do ser humano, cai na censura da mídia e até na condenação dos tribunais. E, então, muita gente boa, amedrontada por essa ditadura da “modernidade”, desiste de defender a verdade e se acomoda ao “politicamente correto”.

Podemos comparar o coração a um instrumento de corda. Quando as cordas são tocadas pela bondade e pela sinceridade, saem de dentro as notas do amor. Quando quem toca é o orgulho, saem do coração as notas desafinadas da discórdia, da mágoa, da raiva, da inveja, da incompreensão, da omissão …, em suma, da falta de amor ao próximo. É bom pararmos uns instantes e tentar escutar, na presença de Deus, o som das nossas cordas. Pelos sons cacofônicos, poderemos deduzir as tonalidades – mais ou menos fortes – do nosso orgulho.

Note, de fato, aconteceu isto mesmo: os humildes foram os que prontamente o acolheram. Eram pescadores da Galileia, mulheres simples do povo, pobres das vilas e cidades, pecadores, marginalizados … Os outros – os sábios, como Nicodemos, os inteligentes, como Saul de Tarso – tiveram de percorrer uma longa estrada de descida, ser derrubados do cavalo, antes de chegar àquele ponto em que o homem perde a confiança em suas próprias forças, abandona-se a Deus “e se deixa trabalhar” por Ele.

Também hoje acontece assim. Em certo momento, aliás, isto constitui uma tentação para o cristão. Ele olha ao redor e o que vê? Pessoas sábias, cientistas, celebridades do entretenimento, que ficam longe da fé, muitas vezes hostis a ela; na igreja, no domingo, não se encontram muitas fisionomias de pessoas poderosas e famosas. Ao invés, Jesus agradecia até a Deus que fosse assim: Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. Bem diferente seria a lógica humana para poder triunfar mais uma vez, mas a lógica divina é “a loucura da cruz” (1Co 1,18). Naturalmente, não é proibido a ninguém, nem mesmo aos sábios, debruçar-se sobre os segredos de Deus e sobre a ternura do Pai. Deve, porém, se tornar humilde, reconhecer os limites de sua sabedoria, embora continuando a indagar dela sempre novas e mais profundas respostas: deve tornar-se estulto para se tornar sábio de um modo diferente (cf 1Co 3,18). O cristianismo não se apoia sobre a ignorância, mas sobre a humildade do homem.

Jesus quis ensinar-nos este caminho; fez-se ele mesmo manso e humilde para poder dizer-nos: aprendei de mim! Assim no-lo apresentou o profeta Zacarias (9,9): “Alegre-se, ó povo de Sião! Exulte, ó preciosa Jerusalém! Vejam, seu rei está chegando; ele é justo e vitorioso, mas também é humilde e vem montado num jumento, num jumentinho, cria de jumenta”. Humilde rei da glória, disse o salmista. É o paradoxo da fé: quem se humilha será exaltado. Devemos pedir àquele que penetra os segredos de Deus – ao Espírito – que nos deposite no coração esta verdade fundamental que Ele mesmo fez brotar da boca de Cristo.