“O nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, a sua mãe, estava comprometida para casar com José. Mas, antes de se unirem, ela se achou grávida pelo Espírito Santo. José, com quem Maria estava para casar, sendo um homem justo e não querendo envergonhá-la em público, resolveu deixá-la sem que ninguém soubesse. Enquanto ele refletia sobre isso, eis que lhe apareceu em sonho um anjo do Senhor, dizendo: — José, filho de Davi, não tenha medo de receber Maria como esposa, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e você porá nele o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, tudo isto aconteceu para se cumprir o que foi dito pelo Senhor por meio do profeta: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel.” (“Emanuel” significa: “Deus conosco”.) Quando José despertou do sono, fez como o anjo do Senhor lhe havia ordenado e recebeu Maria por esposa.” (Mateus 1:18-24).

Começamos nossa reflexão sobre o Advento de Natal com a célebre profecia de Isaías: “Portanto, o Senhor mesmo lhes dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel” (Isaías 7:10-14). O trecho lido do Evangelho nos descreveu que a profecia se cumpriu em Maria, que em sua virgindade deu à luz Jesus Cristo. Tudo isto – comenta o Evangelista – aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta.

Com esses dois tópicos da Escritura somos introduzidos no coração do Natal. No Natal celebramos o acontecimento histórico do nascimento de Jesus. Mas antes devemos celebrar um natal teológico, isto é, o significado profundo do Natal. O mistério do Natal é este: Deus, em Jesus Cristo, se fez Emanuel, o Deus conosco. De “Deus altíssimo” se tornou um Deus próximo, um Deus para os homens. E esse é o novo nome com que será conhecido: Emanuel. O que significa tudo isso? Deus estava com o homem desde a criação. Mas era um diálogo à distância, feito por meio dos patriarcas e profetas. Havia entre Deus e o homem uma aliança, mas difícil e precária. Em Cristo, Deus entrou pessoalmente na humanidade, em carne e osso; fez-se um de nós, para nos falar e nos salvar por meio de nossa situação de pecado. A aliança se tornou nova e eterna, porque as duas partes – Deus e o homem – já são uma só pessoa, um ser não mais indivisível: Jesus Cristo.

Jesus Cristo é o Emanuel, o Deus conosco. Aprendamos a conhecer bem este nome de nosso Salvador; ele encerra em síntese toda a nossa fé nele. Jesus Emmanu, isto é, conosco; é um de nós, nosso irmão, descendente de Davi quanto à carne, como diz São Paulo em Romanos 1:1-7:

“Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, que ele, no passado, prometeu por meio dos seus profetas nas Escrituras Sagradas. Este evangelho diz respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santidade, pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor. Por meio dele viemos a receber graça e apostolado por amor do seu nome, para a obediência da fé, entre todos os gentios. Entre esses se encontram também vocês que foram chamados para pertencerem a Jesus Cristo. A todos os amados de Deus que estão em Roma, chamados para ser santos. Que a graça e a paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo estejam com vocês.”

Mas Jesus é também El, isto é, “Deus”. Ele é filho do homem, mas também filho de Deus. Se fosse só “conosco”, mas não fosse com “Deus”, não nos poderia salvar, não seria o Senhor do mundo e da história. Se fosse somente “Deus”, mas não “conosco”, a sua salvação não nos interessaria; teria ficado também ele um Deus desconhecido, difícil de ser reconhecido e de satisfazer as expectativas humanas. Eis o verdadeiro mistério cristão que no Natal devemos reafirmar com clareza.

Houve um tempo na Igreja em que a cultura dificultava aceitar que Jesus fosse realmente “conosco”, isto é, homem com os homens, submetido ao nascimento, à dor e á morte (heresia docetista). Agora a situação inverteu-se. Os homens de hoje se apaixonam pelo homem Jesus. “Contudo é um homem; é somente um homem”, canta Madalena no filme Jesus Christ Superstar, expressando os sentimentos de tantos leitores modernos do Evangelho. Eles acham difícil aceitar que ele, além de homem, seja Deus.

O que a palavra revelada nos diz sobre a relação de Deus com o mundo e sobre sua encarnação é algo essencialmente distinto. Segundo essa palavra, Deus entrou no tempo de maneira absolutamente única, isto é, por seu desígnio soberano, e em pura liberdade. O Deus eterno e livre não tem um destino; é somente o homem, imerso na história, que o tem. O que aqui se diz é que Deus entrou na história e quis assumir um “destino”.

Mas nenhum espírito humano é capaz de compreender que Deus possa, a partir da eternidade, entrar na finitude e na contingência, que dê um passo para atravessar a “fronteira” em direção ao histórico. Uma “ideia pura” de Deus levaria a rejeitar o que parece haver de contingente e antropomórfico nessa concepção – na qual, contudo, reside a mais profunda e íntima essência do cristianismo. Neste campo, o pensamento por si só não vai muito longe. Você já disse alguma vez ou ao menos ouviu alguém dizer essa expressão: “O amor tem dessas coisas!”. Essas palavras podem nos ajudar muito a compreender essa realidade; não que sejam muito esclarecedoras para o entendimento, mas apelam para o coração e permitem pressentir o mistério de Deus. O mistério nunca pode ser compreendido, mas se torna mais próximo, e o perigo de “escândalo” desaparece.

Nenhuma grande realização na vida do homem decorre somente do pensamento e da razão. Todas brotam do coração, da vontade e do amor. Mas o amor tem o seu próprio “por que” e “para que”. Para poder entendê-los, é preciso que o ser-humano esteja aberto … Mas, o que acontece quando é Deus quem ama, quando o que se revela é a profundidade e o poder de Deus? De que será então capaz o amor? Sem dúvida, de uma glória tão grande que, para quem não tiver o amor como ponto de partida, tudo parecerá loucura e sem sentido.

Como revela a Escritura, José, instruído por Deus, toma consigo a sua esposa. Que profundo deve ter sido o impacto dessa instrução sobre aquele homem silencioso? O que se terá passado nele quando compreendeu que Deus havia posto os olhos sobre sua esposa, e que a vida que ela levava em seu ventre vinha do Espírito Santo! Foi então que surgiu o grandioso e inefável mistério da virgindade cristã. O relato do evangelho segundo Lucas diz:

Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do Império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. José também saiu da Galileia, da cidade de Nazaré, e foi para a Judeia, até a cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, chegou o tempo de ela ter a criança. Então Maria deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou o menino e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria (Lc 2,1-7).
O que há pouco tentávamos compreender na obscuridade da ação divina, agora nos parece em figura visível. Eis uma criança como todas as crianças do mundo. Chora, tem fome e dorme como qualquer criança. E, contudo, é o “Verbo feito carne” (Jo 1,14). Deus não somente habita nele, ainda que em plenitude; esse menino não foi apenas tocado pelo sobrenatural como João Batista, de maneira a dever segui-lo, lutar por ele, ainda que da forma mais terrível, para além de todo contato com Deus, por essência e por natureza.

O nascimento daquele menino indicava o sentido de sua existência. Aquilo que uma pessoa é em seu nascimento determina o tema de toda a sua vida; tudo o mais vem depois. O ambiente e os acontecimentos externos certamente influem, sustentam e pesam, comandam e destroem, atuam e formam. Mas o mais decisivo é o primeiro passo em direção ao ser, aquilo que alguém é desde o seu nascimento. Muitos pensadores cristãos tentaram compreender o que ocorreu em Jesus. Procuraram investigar sua vida interior, tentando encontrar uma resposta, algumas vezes a partir da psicologia, e outras a partir da teologia. Mas não existe uma psicologia em Jesus. A psicologia fracassa diante do que ele é, em sua realidade fundamental. Só tem sentido como pergunta periférica; mas, imediatamente, a ideia e a imagem são aniquiladas pela realidade central. Quanto à definição teológica – em si verdadeira e fundamental para o pensamento cristão – ,ela é essencialmente abstrata. Por isso, a fé busca ideias que ajudem a seguir adiante. É o que tentamos fazer nesta reflexão.

  • Este pequeno ser é uma criatura humana: cérebro, membros, coração, alma de homem. Mas também é Deus. O conteúdo de sua vida será a vontade do Pai: anunciar a mensagem sagrada, conquistar as pessoas com o poder de Deus, instaurar a aliança, tomar sobre si o mundo e o pecado, padecer por eles com amor de expiação, atraí-los a si mediante a consumação do sacrifício e a ressurreição para a nova vida da graça. E assim também deverá realizar-se a consumação de sua existência. Cumprindo sua tarefa, chegará à sua plenitude pessoal, como diz essa palavra do Ressuscitado: “Não era necessário que o Messias padecesse tudo isso para entrar em sua glória?” (Lc 24,26).

Essa realização pessoal significava, em última instância, que esse ser humano tomava posse, por assim dizer, de sua natureza divina. Jesus não se limitou a “vivenciar” Deus, mas “era” o próprio Deus. Não se tornou Deus em momento determinado, mas era Deus desde o princípio. E sua vida consistiu em levar à plenitude, humanamente, a sua natureza divina; isto é, integrar em sua consciência humana a realidade divina e seu sentido, assumir a força de Deus em sua vontade, realizar em sua vida a pureza de sentimentos, vivenciar o amor eterno em seu coração, e incorporar a infinita plenitude divina à figura humana. Em outras palavras, sua vida foi um contínuo suscitar em si, em toda a extensão de suas capacidades, a plenitude infinita do seu ser humano e divino. Todas as suas palavras, suas ações, suas lutas significavam uma progressão contínua em direção ao seu próprio ser, a conquista de sua divindade por meio da sua humanidade. De fato, pode ajudar quando se pensa nessa criança no presépio … naquilo que se vê e no que existe por trás … nesse olhar … nessa existência tão frágil que se abre à vida.

A vida pública do Senhor durou, no máximo, três anos; segundo alguns, não foram mais de dois. Como é curto esse espaço de tempo! Mas como se tornam então carregados de sentido os trinta anos anteriores, nos quais ele não ensinou, não combateu, não realizou milagres! Na vida do Senhor não há nada mais impressionante, para a convicção da fé, do que o “silêncio” desses trinta anos. A ideia que acabamos de recorrer em busca de ajuda pode abrir-nos o ouvido para perceber a voz desse silêncio e colocar-nos em respeitoso contato com a prodigiosa obra que se realizava no interior de Jesus.

Tudo isto vem à tona no episódio narrado no evangelho de Lucas (2,41-50), quando seus pais, segundo o costume, o levaram consigo pela primeira vez na peregrinação anual a Jerusalém pela festa da Páscoa, quando ele tinha doze anos. Jesus entra no templo e ali fica, como se algo surgisse nele e o arrebatasse. Já não estão ali sua mãe, nem José, nem seus companheiros de viagem! E depois, quando Maria dominada pela angústia, lhe pergunta: “Filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos!”, ele pergunta por sua vez, com uma gravidade que revela o quanto estava distante deles: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?”

Mas em seguida, “regressou com eles para Nazaré, e era-lhe submisso” (Lc 2,51). E o evangelho acrescenta: “Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2,52).

Nós cristãos não devemos nem nos escandalizar nem nos ofender por estas incompreensões. Quem ama e admira Jesus como homem não tardará a descobrir que ele é mais do que um homem ou um profeta. Não devemos recuar diante do reconhecimento da plena humanidade em nosso Salvador somente porque alguns limitam-se a ela. Mais do que os outros, cremos que ele foi homem como nós, também, mas sem pecado: homem que conheceu a privação, o tédio, o medo, talvez a dúvida, certamente a angústia e a dor. Mas não podemos parar aqui. Também durante a vida de Jesus havia quem o tomava como um simples “profeta”. Mas de seus discípulos se exigiu algo mais: “Vós, quem dizeis que eu sou?”

A esta eterna pergunta a Igreja responde com as palavras de Pedro: Tu és o Cristo, o Filho de Deus, isto é, tu és o Deus conosco.

Mas Jesus é hoje ainda o Deus conosco ou o foi apenas por um breve período de trinta anos, desde seu nascimento de Maria, em Belém, até sua morte na cruz? Sim, o é também hoje. Eu fico convosco até o fim dos tempos – disse ele no evangelho de Mateus (28:20b). Ele colocou sua tenda entre nós – escreveu João (cf Jo 1:14). Jesus é ainda Deus conosco. Com a ressurreição, ele inaugurou um modo novo de estar no mundo: um modo espiritual, invisível, mas real. Jesus é um companheiro nosso.

Diante desta certeza de fé, a única resposta do homem é o grito feliz de Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (cf  Rm 8,35). É verdade: há alguém que pode nos separar dele e este alguém somos nós mesmos. Nós podemos, infelizmente, virar as costas a Jesus, viver como se ele nunca tivesse vindo, como se não tivesse falado. Viver para nós mesmos, como diz Paulo, e não para ele que morreu e ressuscitou por nós (cf 2Co 5,15). Não adianta que Deus esteja conosco se nos recusamos a estar com ele, do lado dele. Por isso, o tempo de Natal é também uma ocasião para lembrar ao cristão seu compromisso moral: Eis agora o tempo propício, (cf 2Co 6,2) nos diz ainda o apóstolo.