“E eis que uma mulher cananeia, que tinha vindo daqueles lados, clamava:

— Senhor, Filho de Davi, tenha compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoniada” (Mateus 15,21-28).

O Evangelho em seu contexto nos diz que Jesus se retirou com os seus discípulos para a região de Tiro e Sidon. Passou das margens do lago de Tiberíades para as do Mediterrâneo. Aproximou-se então uma mulher de origem pagã, descendente dos antigos habitantes da Palestina – de Canaã – em cuja região os israelitas tinham se estabelecido. E ela clamava fortemente em favor de sua filha.

O evangelista relata que Jesus, apesar dos gritos da mulher, não respondeu nada a ela. Este primeiro encontro se deu, conforme indica São Marcos, numa casa, e ali a mulher lançou-se a seus pés (Mc 7,24-25). O Senhor, aparentemente, não lhe deu nenhuma atenção. Depois, rodeado de seus acompanhantes, deve ter saído de casa, pois São Mateus escreve que os discípulos se aproximaram do Senhor e lhe disseram: “Mande-a embora; ela não para de gritar atrás de nós” (v.23).

A mulher persevera no seu clamor, mas Jesus limita-se a lhe dizer: “Fui enviado para ajudar apenas as ovelhas perdidas do povo de Israel” (v.24). Esta mãe, no entanto, não se deu por vencida: “A mulher, porém, aproximou-se, ajoelhou-se diante dele e implorou mais uma vez: “Senhor, ajude-me!”” (v.25). Quanta fé! Quanta humildade! Que enorme empenho no seu pedido! 

Jesus explica-lhe por meio de uma imagem que o Reino tinha de ser anunciado em primeiro lugar aos filhos, aos que compunham o Povo eleito. “Não é certo tirar comida das crianças e jogá-la aos cachorros” (v. 26). Mas a mulher, com uma profunda humildade, com uma fé sem limites, com uma constância a toda prova, não recua: “Senhor, é verdade”, disse a mulher. “No entanto, até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa de seus donos” (v. 27). A mãe aflita participa da parábola, conquista o coração de Cristo, provoca um dos maiores elogios do Senhor e alcança o milagre que pedia: “Mulher, sua fé é grande”, disse-lhe Jesus. “Seu pedido será atendido.” E, no mesmo instante, a filha dela foi curada. (v. 28). Foi o prêmio à sua perseverança. 

As boas mães que aparecem no Evangelho sempre nos mostram solícitas para com os seus filhos. Sabem dirigir-se ao Senhor pedindo-lhe ajuda e dons. Uma vez, será a mão de Tiago e João, que se aproxima de Jesus para pedir-lhe que reserve no seu Reino um bom lugar para os seus filhos. Outra, será a viúva de Naim, que chora pelo seu filho morto e consegue de Cristo, talvez com um olhar, que volte à vida… A mulher que o evangelho de hoje nos apresenta é um modelo perfeito de constância, em que deve meditar aqueles que logo se cansam de pedir.

A constância na oração nasce de uma vida de fé, da confiança em Jesus, que nos ouve mesmo quando parece que se cala. E, por fim, da humildade, que é mais uma qualidade da boa oração.

Santo Agostinho conta-nos no livro Confissões como a sua mãe, Santa Mônica, santamente preocupada com a conversão do seu filho, não cessava de chorar e de pedir a Deus por ele; e também não deixava de pedir a pessoas boas e sábias que falassem com ele para que abandonasse os seus erros. Um dia, um bispo disse-lhe estas palavras que tanto a consolaram: “Vai em paz, mulher! Pois é impossível que se perca o filho de tantas lágrimas”. Mais tarde, o próprio Santo Agostinho dirá: “Se eu não pereci no erro, foi devido às lágrimas cotidianas, cheias de fé de minha mãe” (Confissões, 3, 12, 21).

A oração de petição ocupa um lugar muito importante na vida das pessoas. Ainda que o Senhor nos conceda muitos dons e benefícios sem o termos pedido, decidiu conceder-nos outras graças mediante a nossa oração ou a intercessão daqueles que se encontram mais perto dEle. São Tomás de Aquino ensina que a nossa petição não tem por fim mudar a vontade divina, mas obter o que o Senhor já tinha determinado conceder-nos se lhe pedíssemos. Por isso é necessário pedir incansavelmente, pois não sabemos qual é a medida da oração que Deus espera que preenchamos para nos conceder o que nos quer oferecer.

Temos que pedir também a outras pessoas que intercedam pelas intenções santamente ambiciosas que trazemos no nosso coração. O próprio São Tomás explica que uma das causas pela qual Jesus não respondeu imediatamente à Cananéia, foi porque Ele queria que os discípulos intercedessem por ela, para nos mostrar como é necessária a intercessão dos santos para alcançarmos algumas coisas.

O milagre que a mulher pedia ao Senhor necessitou também de uma oração persistente acompanhada de muita fé e de muita humildade. Perseverar é a primeira condição de toda a petição: “É preciso orar sempre, sem nunca desistir” (Lc 18,1), ensinou o próprio Jesus. “Perseverar na oração. Persevera, ainda que o teu esforço pareça estéril. A oração é sempre fecunda” (São Josemaria Escrivá, Caminho n.º 101). A petição daquela mulher foi eficaz desde o primeiro momento. Jesus só esperou que o seu coração estivesse preparado para receber o grande dom que pedia.

Temos de pedir com fé. A própria fé, ensina Santo Agostinho, ”faz brotar a oração, e a oração, logo que brota, alcança a firmeza da fé”; ambas estão intimamente unidas. A cananeia tinha uma grande fé: Ela crê na divindade de Cristo quando o chama Senhor, e na sua humanidade quando lhe diz: Filho de Davi! Não pede nada apoiada nos seus méritos; mas invoca a misericórdia do Senhor, dizendo: tem piedade. E não diz: Tem piedade da minha filha, mas de mim, porque a dor da filha é a dor da mãe; e para movê-lo ainda mais à compaixão, conta-lhe a sua dor; por isso continua: minha filha é cruelmente atormentada pelo demônio. Nestas palavras, mostra ao Médico as suas feridas e a magnitude e espécie da sua doença; a magnitude, quando lhe diz: cruelmente atormentada; a espécie, pelas palavras: pelo demônio.

O Senhor deseja que peçamos muitas coisas. Em primeiro lugar, o que se refere à alma, “pois são grandes as doenças que a afligem, e são elas que o Senhor quer curar acima de tudo. Se cura as do corpo, é porque quer expulsar as da alma” (São João Crisóstomo). Costuma acontecer que, “mal somos atingidos por uma doença corporal, não deixamos de tentar nada, até nos vermos livres da moléstia; estando, no entanto, a nossa alma doente, às vezes, tudo são vacilações e atrasos […]: fazemos do necessário acessório, e do acessório necessário. Deixamos aberta a fonte dos males e desejamos secar os riachos” (São João Crisóstomo).  

Podemos pedir para a alma a graça para lutar contra os defeitos, maior retidão de intenção no que fazemos, fidelidade à nossa vocação, luz para receber com mais fruto a Sagrada Comunhão, uma generosidade mais dedicada, mansidão na direção espiritual (discipulado), mais ardor apostólico… O Senhor quer também que lhe peçamos por outras necessidades: ajuda para superarmos um fracasso, saúde, emprego e tantas outras coisas… Mas tudo na medida em que nos sirva para amar mais a Deus. Não queremos nada que, talvez com o passar do tempo, nos afastaria do que verdadeiramente nos deve importar: estar sempre junto de Cristo. ”Diz-Lhe: -Senhor, nada quero fora do que Tu quiseres. Não me dês nem mesmo aquilo que te venho pedindo nestes dias, se me afasta um milímetro da Tua vontade” (São Josemaria, Forja, n.º 512).

Agrada a Jesus que oremos pelas outras pessoas. Ensina ainda São João Crisóstomo: “A necessidade obriga-nos a rogar por nós mesmos, e a caridade fraterna a pedir pelos outros; mas é mais aceitável a Deus a oração recomendada pela caridade do que aquela motivada pela necessidade”.

Temos que orar, em primeiro lugar, pelas pessoas a quem estamos unidos por um vínculo mais forte, e por aquelas que o Senhor colocou sob os nossos cuidados. Os pais têm especial obrigação de pedir pelos seus filhos, sobretudo se estes estiverem afastados da fé ou se o Senhor tiver manifestado uma especial predileção por eles, chamando-os a um caminho de entrega.

Nesse sentido, a oração de intercessão é uma forma de participarmos da misericórdia de Deus, que é tão amoroso e tão misericordioso, que quer que também nós o sejamos com Ele. 

Vejam que isso é uma grande perfeição divina, porque imagine só se Ele decretasse assim: “Eu vou ser misericordioso com os sete bilhões de habitantes do planeta Terra agora, neste momento”. Muitas dessas pessoas são egoístas, inescrupulosas, de coração endurecido, vingativas, más, insolentes, impiedosas. São sete bilhões de pessoas que merecem o inferno, mas, na hora da morte, Deus pode misericordiosamente dar-lhes o arrependimento e, sem ter feito atos de amor durante a vida, com um único ato de amor e arrependimento na hora da morte, eles irão se converter. Ou seja, a vida humana sobre o planeta vai ser um inferno, mas, ao final, Deus exerceria sua misericórdia e magicamente todos iriam para o Céu. Se esse fosse o desígnio divino, tudo bem, seria um ato de amor. Porém, não é muito mais amoroso que Deus, em vez de querer isso, queira que nós, enquanto caminhamos neste mundo, já exerçamos atos de amor e amemos como Ele ama, tendo um coração igual ao Dele?

Não é fantástico que, em nossos dias de peregrinação na terra, nós possamos participar do amor divino? Para quem é mãe e tem um filho afastado da fé, como Santa Mônica teve Santo Agostinho, é maravilhoso que Deus tenha incluído em seus desígnios levar esse filho para o céu através das orações e dos sacrifícios dela e, assim, dar não só ao filho a graça da conversão, mas também à mãe a da santidade! Na terra, também Jesus orou, derramou lágrimas, suou sangue e morreu na cruz intercedendo por nós!

Observemos o próprio São Lucas (23,34) ao narrar que, durante a Paixão, enquanto Jesus era pregado na Cruz, Ele repetidamente dizia: “Pai, perdoai-os; eles não sabem o que fazem”. É a oração que mostra a grandeza do Coração de Jesus. 

Deus desceu do céu para ser não só Deus a quem nós oramos, mas para ser o homem que intercede por nós, Jesus, Deus e homem verdadeiro. Ele é o Deus a quem oramos e, ao mesmo tempo, o homem que intercede e sofre por nós, para nos mostrar qual é o desígnio de Deus: que tenhamos um coração como o de Cristo, coração compassivo que ora e sofre pelos outros. Porque orar, interceder e sofrer é um ato de amor.

Quem não sofre por ninguém, não ama ninguém. Façamos um exame de consciência. Pensemos na última semana. Como foi essa semana do último domingo até hoje? Sofremos pelo bem de alguém? Porque, se não estamos sofrendo por ninguém, então não amamos ninguém.

Sofrer não quer dizer chorar, descabelar-se, sentir-se deprimido ou angustiado, sem paz, etc. Sofrer é, por exemplo, acordar cedo para trabalhar pensando: “É pela minha mulher e pelos meus filhos. É para levá-los para o céu”. Isso, de certa forma, já é um sofrimento. Intercedemos pela nossa família? Estamos dispostos a dar a vida pelas pessoas, para que vão para o céu e se salvem? Abraão intercedeu por Sodoma e Gomorra, um povo miserável que não merecia compaixão; mas, ainda assim, ele pediu a Deus: “Se houver uma chance, poupai, Senhor, essas cidades”.

Assim também Jesus. Abraão é uma profecia, e sua intercessão por Sodoma e Gomorra é figura da intercessão de Jesus no alto da cruz: “Pai, perdoai-os”. E Jesus quer isso de nós, quer que nós saiamos do nosso egoísmo e amemos como Ele ama.

Se Deus é Deus de misericórdia, quer filhos de misericórdia e, para isso, nos ensina a orar. Ele quer conceder a graça, quer poupar essa humanidade louca; não quer fazer chover castigos — castigos bem-merecidos! — sobre o mundo atual, que está muito pior do que Sodoma e Gomorra; não quer fazer cair enxofre sobre nós. Ele quer ser misericordioso, quer ser clemente, quer ser compassivo, mas quer sê-lo contando com nossa compaixão e misericórdia. 

Quando se ora e intercede cheio de amor aos outros, o maior milagre não é aquilo que se obtém externamente com a oração, mas o que Deus mesmo está realizando dentro do coração de quem ora. Sim, ficamos admirados com a conversão de Agostinho; mas milagre maior foi o que se estendeu por trinta e dois anos de espera, de oração, de sofrimento, de lágrimas e de intercessão no coração de sua mãe Mônica. Olhamos para a conversão de Agostinho e dizemos: “Nossa! Milagre em Agostinho!” Mas deveríamos também dar glória a Deus e dizer: “Milagre em Santa Mônica!”, um coração de mãe santificado e, por isso, semelhante ao de Cristo.

Sejamos, pois, verdadeiramente assíduos no dever da oração, assíduos na intercessão. Claro que existe a oração íntima, feita também para o nosso progresso espiritual, a qual não deve ser esquecida. Inclusive, temos o curso Maturidade Cristã, onde ensinamos como fazer a oração íntima, a fim de crescer espiritualmente.

No entanto, além dessa oração que visa a própria intimidade e união com Deus, é necessário dedicar-se também à oração de intercessão. Até porque, se a oração pessoal for verdadeira, ela nos leva a sentir os anseios de Deus: o amor dele arde em nosso coração para interceder por essa humanidade tão necessitada das graças e da misericórdia divina.

Aproximemo-nos de Jesus nesta reflexão, dizendo com amor e confiança: “Senhor, ensina-nos a orar, como também o Senhor ensinou aos seus discípulos”.