Mais do que dois temas, trata-se, antes, de dois “movimentos”: O Senhor vem – vamos ao seu encontro; Deus vem ao homem, mas só o encontra quem se coloca ao encontro dele, quem está “pronto. São os dois movimentos também descritos eficazmente na parábola das dez virgens, que é a parábola por excelência do tempo do Advento: O noivo se aproxima! Saiam para encontra-lo! (Mt 25,6)

O primeiro movimento é sempre de Deus: Ele é por definição “Aquele que vem”. Não só neste caso, mas sempre. A história da salvação que precisamos rememorar ao longo de cada ano, é essencialmente história de iniciativa de Deus, memória de tantas suas “vindas” ao homem que, reunidas, formam o grande Advento que se estende desde a criação até à parusia (2ª vinda do Senhor).

Nesta reflexão, mais do que recorrer as vindas passadas de Deus, a ênfase será na vinda futura. De um futuro extraordinário, intervenção de Deus, como fala o profeta Isaías (2, 1-5):

“Palavra que, em visão, veio a Isaías, filho de Amoz, a respeito de Judá e Jerusalém. Nos últimos dias, o monte do templo do Senhor será estabelecido no alto dos montes e se elevará sobre as colinas, e para ele afluirão todas as nações. Muitos povos virão e dirão: “Venham, subamos ao monte do Senhor e ao templo do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos nas suas veredas” Porque de Sião sairá a lei, e a palavra do Senhor, de Jerusalém. Ele julgará entre as nações e corrigirá muitos povos. Estes transformarão as suas espadas em lâminas de arados e as suas lanças, em foices. Nação não levantará a espada contra nação, nem aprenderão mais a guerra. Venham, ó casa de Jacó, e andemos na luz do Senhor.”

Ele parece quase querer distrair a atenção de seus contemporâneos dos grandes fatos do passado (Abraão, o Êxodo, a Aliança), para lançar o olhar para a frente: No fim dos tempos acontecerá que o monte da casa do Senhor (isto é, o conhecimento e o culto do verdadeiro Deus) estará colocado à frente das montanhas (isto é, triunfará sobre todos os falsos ídolos). De suas espadas forjarão relhas de arados (isto é, haverá uma era de justiça e de paz). Era a maneira de representar o tempo messiânico.

Nós não evocamos somente esta espera do Antigo Testamento somente por um motivo apologético (para mostrar que ela se realizou com a vinda de Cristo), mas também por um motivo espiritual. Ela, com efeito, é um “sinal para nós”: fala-nos da fidelidade de Deus às promessas e, sobretudo, nos ensina a esperar. Das palavras de Jesus ouvidas no Evangelho segundo Mateus (24, 37-44) compreendemos, com efeito, que também nós somos pessoas que esperam alguma coisa:

“Quando o Filho do Homem voltar, será como no tempo de Noé. Nos dias antes do dilúvio, o povo seguia sua rotina de banquetes, festas e casamentos, até o dia em que Noé entrou na arca. Não perceberam o que estava para acontecer até que veio o dilúvio e levou todos. Assim será na vinda do Filho do Homem. “Dois homens estarão trabalhando juntos no campo; um será levado, e o outro, deixado. Duas mulheres estarão moendo cereal no moinho; uma será levada, e a outra, deixada. “Portanto, vigiem, pois não sabem em que ocasião o seu Senhor virá. Entendam isto: se o dono da casa soubesse exatamente a que horas viria o ladrão, ficaria atento e não permitiria que a casa fosse arrombada. Estejam também sempre preparados, pois o Filho do Homem virá quando menos esperam.”

Jesus recorda aos discípulos o que aconteceu com as pessoas do tempo de Noé, “Não perceberam o que estava para acontecer”. Aquelas pessoas viviam absorvidas pelo dia a dia “comiam e bebiam, casavam e davam em casamento”, anestesiados com as ilusões de um presente que não se acaba. Estranho, para eles, era Noé que sonhava como um louco. Jesus diz que vai acontecer o mesmo “no dia do Filho do Homem”. Aparentemente são todos iguais, estão lado a lado a trabalhar no campo e lado a lado a moer o trigo, mas não terão a mesma sorte. Só aparentemente são iguais, porque, enquanto um espera, o outro não, enquanto uma vigia, a outra está distraída. Jesus conclui, “portanto, vigiem”, “estejam atentos” e “entendam”.

A reflexão de Jesus com os discípulos, que o evangelho oferece, tem na base os capítulos 6 e 7 do livro de Gênesis que contam a história de Noé. A preocupação de Jesus não é analisar o comportamento moral daquela geração. Jesus alerta para o perigo frequente, evidente e dramático, da cegueira pela indiferença, pelo adormecimento do coração e da mente, pela anestesia ou embriaguez, pela alienação da realidade. As palavras de Jesus, que definem a situação da geração de Noé, “não deram por nada”, são dramáticas e revelam a profundidade do sono em que aquela geração se deixou adormecer.

O alerta de Jesus é para os seus discípulos. Também eles podem deixar-se adormecer e o “dia do Filho do Homem” chega, e eles “não dão por nada”. Para que isso não aconteça, Jesus, apresenta aos discípulos o exemplo de Noé que, apesar de ser considerado louco aos olhos de todos, soube ler os sinais dos tempos, discernir sobre o fim dramático que espera aqueles que se tornam inconscientes, cegos e irresponsáveis.

Deixar de esperar é iniciar um caminho, definido por Paulo (Rm 13, 11-14) como um caminho em que dominam “os apetites da carne”, as “festanças desregradas, de bebedeiras, de promiscuidade sexual e de práticas imorais e não se envolvam em brigas nem em invejas”.

Perante este perigo Jesus insiste com os discípulos a “vigiar”. “vigiem, porque não sabem em que dia virá o seu Senhor”. E a “compreender”, discernir, antecipadamente, para não deixar arrombar a casa, como acontece aos inconscientes.

Vigia aquele que tem o coração apaixonado, como Isaías. Apaixonado por Jerusalém, pelo templo do Senhor, pelo Senhor do Templo. Isaías vê para lá dos montes, para lá da história, para lá dos dias e dos acontecimentos do momento presente. Que vê Isaías? Vê o “Dia do Filho do Homem”. Vê Jesus a despertar os seus discípulos do sono, porque “a noite vai adiantada e o dia está próximo”. Na verdade, o dia já chegou, é ele mesmo, Jesus, o dia sem ocaso. Ele é a própria salvação que “está agora mais perto de nós” e se torna cada vez mais próxima à medida que “subimos ao monte do Senhor”, para irmos “ao templo do Deus de Jacó”, na medida em que nos aproximamos da “casa do Senhor”, meta das nossas vidas.

No evangelho em destaque temos o resultado prático de tudo o que lemos. Se ninguém mais que Deus conhece o dia e a hora da vinda de Cristo, toda a vida deve ser uma preparação constante para essa vinda. E, se for assim, há alguns pecados básicos e fundamentais.

(1) Viver sem estar alerta conduz ao desastre. O ladrão não envia uma carta na qual anuncia quando pensa assaltar uma casa, sua arma principal em seus escuros propósitos é a surpresa; portanto, o dono da casa que tem coisas valiosas em seu lar deve manter um guarda constante. Mas a fim de compreender bem esta imagem, devemos recordar que o guarda que sublinha ao cristão em espera da vinda de Cristo não é o guarda do medo e a apreensão que paralisam; trata-se de uma ansiosa expectativa do advento da glória e a alegria.

(2) O espírito que convida ao desastre é aquele que diz que há muito tempo pela frente. É a ilusão cômoda do servo da segunda parábola que diz que terá tempo de sobra para arrumar as coisas antes de que chegue seu amo. Segundo sua opinião, não havia necessidade de pensar na chegada de seu amo durante muito tempo. Há uma fábula que conta a história de três aprendizes de diabo que estavam por vir à Terra para completar sua aprendizagem. Falavam com Satanás, o chefe dos demônios, sobre seus planos para tentar e arruinar aos homens. O primeiro disse: “Direi-lhes que não há Deus.” Satanás disse: “Isso não enganará a muitos, porque sabem que há um Deus.” O segundo disse: “Direi aos homens que não há inferno.” Satanás respondeu: “Não enganará a ninguém assim; os homens sabem até agora que existe um inferno para o pecado.” O terceiro disse: “Direi-lhes que não há pressa.” “Vai”, disse Satanás, “e arruína a milhares de pessoas.”

A mais perigosa das ilusões é acreditar que sobra tempo. O dia mais perigoso na vida de uma pessoa é quando aprende que há uma palavra como amanhã. Há coisas que não se podem adiar, porque ninguém sabe se viverá amanhã.

(3) A resistência se apoia em fracassar no cumprimento do dever e a recompensa se apoia na fidelidade ao dever. O servo que cumpriu seu dever com fidelidade recebeu um cargo mais alto, e aquele que fracassou em seu dever foi tratado com toda severidade. A conclusão inevitável é que quando chegar Cristo a melhor ocupação na qual pode nos encontrar é no cumprimento de nosso dever. Se o homem está cumprindo com seu dever, por mais singelo que seja, se alegrará quando Cristo chegar.

Entenda! Jesus, realmente, não insiste tanto no fato de que haverá uma vinda do Filho do homem quanto sobre o “como” será tal vinda: Assim (isto é, improvisa como aquela do ladrão, terrível como o dilúvio) será a vinda do Filho do homem. Quase todas as parábolas de Jesus visam pôr o ouvinte diante desta perspectiva escatológica, depois de ter-lhe fechado todas as saídas e todas as falsas seguranças às quais está acostumado recorrer quando quer fugir da urgência de uma decisão. A decisão que ele pede ao homem – motivando-a com a sua volta – é uma decisão pessoal; refere-se a ele, não ao mundo ou à história em abstrato; por isso é sempre atual e iminente para qualquer pessoa – como nós agora, que estamos escutando sua palavra. Em cada expressão da Escritura repercute a advertência dirigida a Davi pelo profeta: Tu és esse homem (2Sm 12,7): é de ti que se está falando. O que será de mim ao vir o Senhor decide-se agora, com a resposta que der à sua palavra que me diz de vigiar, de ficar pronto, de agir como se ele estivesse já à porta: porque, de fato, ele já está à porta!

E nos preparemos, assim, para o segundo “movimento”: nossa ida ao encontro do Esposo que vem. De diversas formas, este pensamento ocupa toda nossa reflexão nesse artigo. Isaías diz: Vinde, subamos à montanha do Senhor […]. Ele nos ensinará seus caminhos, e nós trilharemos as suas veredas, assim como no Salmo 122 repetimos juntos: Vamos alegremente ao encontro do Senhor!”. A Paulo, em Romanos (13,11-14), é confiada a tarefa de traduzir este convite em fatos concretos da vida, e isto porque a ideia escatológica da Bíblia não se esgota num puro e abstrato “convite à decisão”, mas diz também que orientação deve tomar tal decisão, que conteúdos assumir, que modalidade abraçar:

“E digo isto a vocês que conhecem o tempo: já é hora de despertarem do sono, porque a nossa salvação está agora mais perto do que quando no princípio cremos. Vai alta a noite, e o dia vem chegando. Deixemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Vivamos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedeiras, não em imoralidades e libertinagem, não em discórdias e ciúmes. Mas revistam-se do Senhor Jesus Cristo e não façam nada que venha a satisfazer os desejos da carne.”

Primeiramente Paulo recomenda: acordai do sono. Um modo diferente e muito sugestivo de dizer: “convertam-se!”. Santo Agostinho compara seu estado na vigília da conversão a um sono semidesperto, em que metade de sua vontade, acordada e ao lado de Deus, mandava que a outra metade despertasse e se decidisse. Sono profundo ou sono semidesperto, não é somente o estado de quem está em pecado ou vive esquecido de Deus, mas também a tibieza, a incoerência, a indecisão: um cristianismo “implícito” que seria melhor chamar de cristianismo apagado. A quem se encontra neste estado, o Apóstolo dirige, em outro lugar, seu veemente apelo: Desperta, tu que dormes! Levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará! (Ef 5,14). Estar despertos, em plena posse de si mesmos, com olhos abertos para receber e irradiar a luz, como quando é dia: não há melhor comentário da Palavra lida no evangelho de hoje: “Vigiem!”.

A metáfora que se segue, no texto de Paulo é, aparentemente, muito estranha: Vistamo-nos das armas da luz. Mas ela é explicada um pouco adiante, quando diz: Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais caso da carne nem lhe satisfaçais aos apetites. A arma, por excelência, da luz é o Espírito de Jesus ressuscitado, o único que pode ajudar a vencer as obras tenebrosas da carne aí elencadas: “porque, se viverem de acordo com as exigências dela, morrerão. Se, contudo, pelo poder do Espírito, fizerem morrer as obras do corpo, viverão,” (Romanos 8:13).

Foram precisamente as últimas palavras de Paulo que acabamos de ouvir que levaram Agostinho a dar o último passo para a conversão. Encontrava-se num jardim em Milão, no ápice daquela luta entre “as duas vontades”, quando ouviu uma voz misteriosa que cantava: “Pega e lê”. Pegou a Bíblia e abriu-a, leu as palavras de Paulo que diziam para que se despertasse do sono, e dessa forma encontrou luz e paz no coração. Havia, enfim, tomado a sua decisão diante de Deus.

  • Esperar, na sociedade em que vivemos, é estar sentado e deixar o tempo passar até que as coisas aconteçam em “pronto a usar”, “pronto a comer”, “pronto a desfrutar”. Na experiência cristã, esperar, é caminhar sempre, sem desanimar, com os olhos postos naquele que o coração ama.

Vigiar, para os nossos contemporâneos é um sistema de alarme que se paga para que alguém cuide do que é nosso. Na experiência cristã, vigiar, é estar acordado, atento, consciente, alerta sobre a própria vida. É procurar compreender os sinais da vida e do tempo que passa.

A Palavra desta reflexão deixa bem claro que, vigiar, é não deixar que a vida nos afogue, que os trabalhos, as preocupações e as riquezas deste mundo não toldem o nosso entendimento fazendo-nos crer que a salvação não existe ou, que ela se encontra na posse de bens terrenos e na satisfação dos apetites da carne.

O segredo de uma vida vigilante, que não permite a surpresa inesperada do dilúvio nem a chegada inoportuna do ladrão, está na certeza de que o Senhor vem como “juiz no meio das nações e árbitro de povos sem número”, que “a salvação está mais perto de nós do que momento em que abraçamos a fé” e o “dia do Filho do Homem” é hoje, este ‘hoje’ continuado da nossa fé.

Falamos de nossa espera. Não devemos, porém, nos enganar sobre seu significado: a nossa não é mais uma “espera” como aquela do Antigo Testamento; não é somente espera, mas também “memória e presença”. Memória, porque Aquele que esperamos já veio (como estamos nos preparando para a festa do Natal); presença, porque Ele está desde agora conosco; sua Eucaristia, que agora celebramos, é Ele conosco. Advento cristão é uma ida com alegria ao encontro de alguém que caminha conosco, ao nosso lado.

A certeza da vinda do Senhor projeta sobre nós uma luz para vermos, sem ver, esse dia sem ocaso e vivermos antecipadamente a alegria da sua chegada, porque, apesar de os olhos não verem, o coração já experimenta a certeza da sua realização.

Os nossos olhos dirigem-se para aquele que o nosso coração espera. Quanto maior o desejo do encontro tanto mais inquieto e atento estará o coração. Quanto maior o amor por aquele que se espera tanto mais ansiosos vivemos.

A partir do Advento somos convidados a ativar em nós o dinamismo da espera. Existe em mim a dinâmica da espera? Por quem espero eu? O que significa em mim esperar? Como se revela essa espera? Quais os seus sinais?