“E, uma vez que vocês não sabem quando virá esse tempo, vigiem! Fiquem atentos!” Marcos 13,33

O primeiro domingo de dezembro marca o início do ano litúrgico para todos os cristãos. Considerado também como o ano da Igreja, o ano litúrgico tem a mesma duração do ano civil, diferenciando-se em conteúdo e datas de início e fim. Elemento comum entre os dois é o domingo, dia que as nações cristãs marcam o ritmo tanto de um quanto do outro, constituindo uma espécie de ponto de encontro entre natureza e graça.

Ao nos referirmos a conteúdo diferente, queremos dizer, com efeito, que o ano civil se desenrola em dias, meses e estações que somente refletem o ritmo do cosmo; isto é, o movimento de rotação da Terra em torno de si mesma e a translação anual em torno do Sol, do qual depende o alternar-se do dia e da noite, do calor e do frio. O ano litúrgico supõe tudo isso, da mesma forma que a graça supõe a natureza; mas acrescenta uma dimensão nova: a história. Exatamente a história que tem por protagonistas Deus e o homem, e que interessa, por isso, a todas as pessoas, e em comparação à qual toda outra história pode parecer particular e de pouca importância.

O ano litúrgico é evocação e atualização (isto é, memória e presença) de toda a história da salvação “já” realizada e é, ao mesmo tempo, promessa e antecipação da história da salvação que “ainda” deverá realizar-se. Cada tempo ou ciclo litúrgico faz reviver uma fase particular dessa história da salvação; os tempos litúrgicos são, por assim dizer, as estações do ano litúrgico, entre eles, o Advento representa a primavera, estação da espera e das promessas.

É o tempo da vinda de Nosso Senhor, em que precisamos acolher o ensinamento da Igreja e o que ela pretende que nós vivamos neste tempo de espera.

Em primeiro lugar, o Tempo do Advento é um tempo de preparação para o Natal. A festa do Natal foi fixada no dia 25 de dezembro, mais ou menos no século IV e, de lá para cá, a Igreja foi sentindo necessidade de preparar essa comemoração do mistério da Encarnação.

É importante lembrar que o Natal não é o “aniversário” de Jesus. Não se trata de celebrar o aniversário de uma pessoa que nós amamos. É algo muito mais profundo do que isso.

O Natal é a celebração do mistério da Encarnação, o mistério de Deus que vem para estar conosco, de Deus que se torna presença na nossa vida. Deus habita em luz inacessível; Deus criou todo o universo e, é claro, Ele está presente em todos os lugares, mas presente de uma forma que não se nota, que não se vê; portanto, nós, se tivéssemos somente essa presença de Deus, enquanto Criador, não saberíamos em plenitude todo o amor que Ele tem para conosco. Deus quis vir a este mundo.

Deus se encarnou e se tornou homem para estar presente em nossa vida. É, para esse grande mistério da presença de Deus encarnado em nossas vidas, que nós queremos nos preparar.

Os textos que iremos refletir a seguir nos permitem descobrir o que é o Advento: é memória, presença e espera, como, aliás, todas as pregações deviam seguir esse roteiro. Memória e espera. Vejamos Isaías, o profeta que viveu setecentos anos antes de Cristo: “És nosso Redentor desde as eras passadas. Por que permitiste, Senhor, que nos desviássemos de teus caminhos? Por que nos endureceste o coração, para que deixássemos de te temer? Volta, pois somos teus servos, as tribos que são tua propriedade.” (Isaías 63,16b-17). A lembrança da bondade de Deus nos faz descobrir a tristeza da situação presente, mas nos leva a esperar, para o futuro, uma nova intervenção divina.

A espera ressoa também no texto evangélico, que suscita a solene palavra-chave: “Fiquem atentos!” É uma palavra que faz de nós discípulos, sentinelas ou, como disse Jesus, porteiros. “A vinda do Filho do Homem pode ser ilustrada pela história de um homem que partiu numa longa viagem. Quando saiu de casa, deu instruções a cada um de seus servos sobre o que fazer e disse ao porteiro que vigiasse, à espera de sua volta” (Mc 13,34).

Esta parábola do porteiro, constituída de breves palavras, parece ser o núcleo original da atual perícope evangélica. É uma das parábolas mais modernas do Evangelho; mais atual, talvez, hoje que no tempo de Jesus (raros palácios tinham então o porteiro e suas tarefas eram bem mais fáceis do que hoje!). A vida do porteiro num prédio moderno de cidade é realmente uma parábola viva para o cristão. Nunca afastar-se sem ter um substituto, fechar as portas, vigiar quem sai e quem entra, cuidar para que não haja invasão de ladrões; enfim, vigiar sempre. Sua vida é uma vida de espera, ou melhor, de “atenção”. Originária do vocábulo latino ad-tendere, isto é, tender a, ou para alguma coisa, “atenção” é a palavra que reúne o sentido de todas as metáforas usadas por Jesus no contexto destes discursos escatológicos: Fiquem de sobreaviso, vigiem! É viver concentrando a atenção não só da mente, mas também do coração e de toda a vida; viver tendendo para alguma coisa, prontos a captar todos os sinais que anunciam sua presença.

Em oposição a esta vigilância há o “desespero” daquele que não espera nada do futuro, daquele que desistiu de esperar (e de crer) e vive por isso seu dia na resignação ou na raiva; ou na “preguiça”, o sono espiritual de quem ainda espera, mas não faz nada para tender ao objeto de sua esperança; daquele que presume – como se dizia uma vez – se salvar sem mérito. Em ambos os casos, o resultado é uma vida nebulosa e chata, sem tensão espiritual, sem lampejos de fé, sem arrependimento nem entrega generosa. Uma lâmpada apagada, um sal que ficou insípido, uma coisa tépida (morna) sobre a qual pesa a ameaça divina: “Mas, porque é como água morna, nem quente nem fria, eu o vomitarei de minha boca” (Ap 3,16).

É muito oportuno que no início do Advento a Igreja dê um grande destaque àquelas palavras de São Paulo: “Tudo isso é ainda mais urgente porque vocês sabem como é tarde; o tempo está se esgotando. Despertem, pois nossa salvação está mais próxima agora do que quando cremos no início” (Romanos 13,11).

Vimos a palavra profética de Isaías, o Evangelho segundo Marcos como cumprimento e abordamos palavras no tempo de realização; vamos enfatizar esse último momento que é o nosso. “Ele os manterá firmes até o fim, para que estejam livres de toda a culpa no dia de nosso Senhor Jesus Cristo. Deus é fiel, e ele os convidou a ter comunhão com seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Coríntios 1,8-9).

Ela nos fala ainda do “dia do Senhor”, isto é, da espera; mas nos fala sobretudo, de presença: “os convidou a ter comunhão”. O cristão, portanto, não vive só na espera de Cristo, mas também em comunhão com Cristo, isto é, na posse daquilo que espera. Isto nos recorda o tempo do Advento. No contexto Paulo contempla a comunidade como ela aparece ao olhar de Deus: “Enriquecida de todos os dons”. A realidade essencial, o dom de Deus do qual nascem todos os outros dons, está resumida numa palavra que aparece três vezes nesse contexto.

Graça era até pouco tempo a palavra mais comum do linguajar do cristão: crescer em graça, perder a graça, viver em graça, morrer em graça. A graça era tudo. De algum tempo para cá, ela se tornou uma das tantas palavras cristãs que entraram em crise. Omite-se facilmente e se compreende também o porquê. Tínhamos institucionalizado também a graça, relacionando-a rigidamente às nossas obras e à exclusiva mediação da igreja visível (pessoas ordenadas, ungidas). Tínhamos “canalizado” a graça (falava-se dos meios da graça), enquanto ela é algo muito livre, que sopra onde quer, como o Espírito de Deus, do qual é quase sinônimo. Tínhamos assim quantificado a graça, ofuscando a gratuidade e enfraquecendo a transcendência pela ênfase aos títulos e aos eventos de mobilização.

Que era a graça para São Paulo, que foi seu teólogo por excelência e criador desse termo? É a síntese de todos os bens dados por Deus Pai, em Jesus Cristo, e participados a nós no Espírito Santo. Outra palavra que pode exprimir vigorosamente a mesma coisa é salvação, ou, na linguagem de João, “vida”. Seu conteúdo é tão rico que precisa ser traduzido numa série de outros conceitos: justificação, fé, paz, esperança, glória: “Portanto, uma vez que pela fé fomos declarados justos, temos paz com Deus por causa daquilo que Jesus Cristo, nosso Senhor, fez por nós. Foi por meio da fé que Cristo nos concedeu esta graça que agora desfrutamos com segurança e alegria, pois temos a esperança de participar da glória de Deus” (Romanos 5,1-2).

A característica principal da graça é ser dom gratuito de Deus (cf. Rm 3,21ss). Exclui – pelo menos na origem – as obras, o mérito, a observância da lei: “Vocês são salvos pela graça, por meio da fé. Isso não vem de vocês; é uma dádiva de Deus. Não é uma recompensa pela prática de boas obras, para que ninguém venha a se orgulhar” (Ef 2,8-9). Procura o mérito, a causa, a justiça – exclama Agostinho – e vê se encontras outra coisa a não ser a graça (Sermão, 185, PL 38, 999).

A graça é algo do qual não podemos dispor, mas ela dispõe de nós, transforma-nos dando-nos uma nova identidade, que se exprime na qualificação de filhos de Deus, irmãos de Jesus Cristo, templos do Espírito Santo. É uma identidade que “agrada” a Deus. Nós associamos facilmente graça com beleza; e é disso mesmo que se trata. No Novo Testamento, para definir pessoas e obras como boas e santas, afirma-se que são belas (kalós) (cf. 1Pe 4,10; Jo 10,32). É esta beleza de graça que o apóstolo saúda na carta aos Coríntios com as palavras: “a vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e da parte do Senhor Jesus Cristo!” (1Co 1,3).

No centro desta grandiosa realização está Cristo: “Pois a Lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1,17). Toda a vida cristã, para Paulo, desenrola-se sob o signo da graça. Ele justifica em cheio, com sua doutrina, aquela exclamação: “Tudo é graça!”.

Esta nossa exortação, mais do que traçar um quadro completo da doutrina da graça, é um convite para se encantar de novo com esta palavra rara, tirá-la do esquecimento e do desinteresse, redescobrir a profundidade que é grande como a profundidade de Deus, para saborear sua doçura e alimentar a esperança.

A graça é a “presença” da salvação (como a glória é sua esperança); ela é o advento sempre em ato, que não se estende no tempo, mas na alma, porque o “advento” significa visita e a graça não é outra coisa senão isto: Deus que visita o homem, transformando-o, com sua presença, de um pobre ser cheio de fraqueza num participante da natureza divina (2Pe 1,4), numa criatura que Deus ama e na qual “se compraz”.

De tudo isto agora nos será dado um sinal visível e um penhor seguro: a Eucaristia, e partir dela, a comunhão com os santos.

Que presença é essa? São Bernardo — juntamente com outros santos escritores, inclusive Pais da Igreja como Santo Agostinho — recorda-nos que são três as vindas de Jesus.
Existe a primeira vinda na humildade da manjedoura, do presépio, quando Jesus veio a este mundo na forma de servo: “Deus conosco”, Ele está presente no nosso meio. Existe uma outra vinda, a vinda definitiva na glória, quando, no Fim dos Tempos, Ele vier como Senhor e juiz glorioso para estabelecer o seu Reino.

Mas existe também uma terceira vinda, uma vinda intermediária entre as duas de que falamos. É a vinda contínua e constante de Jesus em nossas almas; e é exatamente essa vinda que nós precisamos proporcionar no Tempo do Advento. Ou seja, preparar bem o Natal é preparar e viver a vinda de Jesus em nossas almas.

Digamos isso de forma mais concreta. Quando você está em estado de graça (santidade), Deus habita no seu coração. É muito importante, então, você entender essa presença de Deus. Como Deus veio morar em você? Deus veio, tocou a sua alma, e você abriu-se para Deus, aceitando receber o sacramento do Batismo; posteriormente, se você cometer um pecado grave – o pecado é uma ação contrária ao amor de Deus. Do mesmo modo que o homem é livre para amar e praticar boas obras, também é livre para desobedecer. Há diferentes graus (cf Gl 5,19-21). A transgressão cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se, mas não consegue destruir o senso moral até a raiz.

Portanto, para evitar o rompimento da amizade com Deus, ou seja, cometer um pecado grave, é preciso combater os chamados pecados “leves”, os quais são passos que se dão em direção ao abismo. Nesse sentido, o mandamento de reciprocidade revelado em Tiago (5,16) da confissão é o remédio eficaz que pode refrear essa triste caminhada. Deus vem mais uma vez e restabelece morada no seu coração. Essa é uma presença verdadeira, que nós temos de saber valorizar.

Foi Jesus quem disse na Última Ceia: “Quem fizer a minha vontade e obedecer aos meus mandamentos, eu e o Pai viremos e faremos nele a nossa morada” (Cf. Jo 14, 23).

Como é que Jesus pode vir com o Pai? Bom, Ele vem porque envia o Espírito Santo, que faz do nosso coração o seu templo, e onde está o Espírito Santo, aí está o Pai e aí está o Filho. Nós temos essa presença da Trindade em nosso coração, é a vinda de Deus em nós.

O problema é o seguinte: quando você está em estado de graça e Deus está presente em seu coração como amigo, você não nota essa presença. Por isso nós precisamos de um tempo de Advento para que, desapegando-nos das coisas deste mundo, de nós mesmos e de nossas paixões desordenadas, consigamos enxergar minimamente a presença de Deus no nosso coração.

Façamos uma comparação. O Natal é sempre uma festa de luz, principalmente porque no hemisfério norte, na Europa e na terra onde Jesus nasceu, nós estamos no tempo do inverno, em que as noites são mais compridas, e o tempo em que o dia fica escuro é bem mais longo. Razão pela qual é bastante propícia uma festa de luz.

Por isso também as pessoas iluminam as ruas com árvores de Natal. Um pouco disso nós vivemos também no Brasil, mas o pessoal da Europa vive isso com muito mais intensidade do que nós, porque eles estão no inverno, e nós estamos em pleno verão. Bom, o fato é que, se você quer ver a luz das estrelas; se você, durante uma noite escura, quer enxergar a luz das estrelas, você precisa apagar a luz da cidade. Nas grandes cidades, dificilmente se vê a luz das estrelas.

Para enxergar as luzes do céu, é necessário apagar a luz da terra. O mesmo acontece na vida espiritual. Deus está presente dentro de você. Ele veio e nasceu dois mil anos atrás. Jesus virá na glória, num dia e numa hora que nós desconhecemos; mas Ele também vem até nós todos os dias, porque Ele habita em toda alma que vive em estado de graça. Mas se você não vê, não nota ou não percebe, é porque alguma coisa está cobrindo ou ofuscando a luz de Deus.

A consequência disso tudo é que você se sente sozinho, acha que foi abandonado por Deus; e no entanto, Deus é uma presença viva, Deus é um advento, uma parusia. “O Reino de Deus está dentro de vós”, diz Jesus no evangelho de São Lucas.

Como então encontrar a realidade deste “Deus que está dentro de mim”, que é “interior íntimo meu” (Santo Agostinho, Confissões, 3.6.11), que é mais íntimo do que o meu próprio íntimo? Você precisa apagar as luzes terrenas para enxergar a luz celeste.

O que é o mais importante no Tempo do Advento? É a oração, ou seja, a meditação sobre a Palavra de Deus. Agora que nós estamos começando o Advento, fica aí o convite para você tirar um tempo mais para orar, para estar com Deus, para meditar a Palavra de Deus e, assim, deixar brilhar a luz da presença divina que está dentro de você.

Neste tempo que é o nosso, a Igreja, especialista da noite, não pode dormir nem esmorecer na sua missão para que sejam encontrados irrepreensíveis aqueles que fomos enriquecidos com a graça recebida de Cristo, como diz Paulo aos coríntios. Pois com ela, com a graça de Cristo, recebemos todos os dons necessários, a palavra, o conhecimento e o testemunho de Cristo, para sermos firmes e permanecermos fiéis até ao fim.

Como vigilantes, suplicamos continuamente ao Senhor que volte, que venha depressa, não porque nós merecemos, mas porque precisamos e porque ele nos ama. Não apenas porque somos obra das suas mãos, mas sobretudo porque somos fruto do seu amor.

No início deste Advento, tenhamos a coragem para pedir como o salmista “Pastor de Israel, escute e venha em nosso auxílio. Restaura-nos, ó Deus! Que a luz do teu rosto brilhe sobre nós; só então seremos salvos” (Sl 80). Ilumina este tempo de espera para que a noite se transforme em dia e podermos contemplar, no Natal que se aproxima, a manifestação da tua glória.