A vontade de Deus, o Eterno Pai, segundo Sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens à participação da vida divina e não os abandonou, uma vez caídos em Adão, antes, em atenção a Cristo «que é a imagem de Deus invisível, primogênito de toda a criação» (Col. 1,15) sempre lhes concedeu os auxílios para se salvarem. Aos eleitos, o Pai, antes de todos os séculos os «discerniu e predestinou para reproduzirem a imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito de uma multidão de irmãos» (Rom. 8,29). E, aos que crêem em Cristo, decidiu chamá-los à Igreja, a qual, prefigurada já desde o princípio do mundo e admiravelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança, foi constituída no fim dos tempos e manifestada pela manifestação plena do Espírito, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos. Então, como se crê desde a igreja primitiva, todos os justos depois de Adão, «desde o justo Abel até ao último eleito», se reunirão em Igreja universal junto do Pai.

Consumada a obra que o Pai confiou ao Filho para Ele cumprir na terra (cf. Jo. 17,4), foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes, para que santificasse continuamente a Igreja e deste modo os regenerados tivessem acesso ao Pai, por Cristo, num só Espírito (cf. Ef. 2,18). Ele é o Espírito de vida, ou a fonte de água que jorra para a vida eterna (cf. Jo. 4,14; 7, 38-39); por quem o Pai vivifica os homens mortos pelo pecado, até que ressuscite em Cristo os seus corpos mortais (cf. Rom. 8, 10-11). O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo (cf. 1 Cor. 3,16; 6,19), e dentro deles ora e dá testemunho da adoção de filhos (cf. Gl. 4,6; Rom. 8, 15-16; 26). A Igreja, que Ele conduz à verdade total (cf. Jo. 16,13) e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a; Ele guia-a com diversos dons espirituais e adorna-a com os seus frutos (cf. Ef. 4, 11-12; 1 Cor. 12,4; Gl. 5,22). Pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja e renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo. Porque o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: «Vem» (cf. Apoc. 22,17)!

Assim a Igreja toda aparece como um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do
Espírito Santo.

O mistério da Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras: «cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc. 1,15; cf. Mt. 4,17). Este Reino manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A palavra do Senhor compara-se à semente lançada ao campo (Mc. 4,14): aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do pequeno rebanho de Cristo (Luc. 12,32), já receberam o Reino; depois, por força própria através da graça, a semente germina e cresce até ao tempo da colheita (cf. Mc. 4, 26-29). Também os milagres de Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino: «Se lanço fora os demônios com o poder de Deus, é que chegou a vós o Reino de Deus» (Luc. 11,20; cf. Mt. 12,28). Mas este Reino manifesta-se sobretudo na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do homem, que veio «para servir e dar a sua vida em redenção por muitos» (Mt. 10,45).

E quando Jesus, tendo sofrido pelos homens a morte da cruz, ressuscitou, apareceu como Senhor e Cristo e sacerdote eterno (cf. At. 2,36; Hb. 5,6; 7; 17-21) e derramou sobre os discípulos o Espírito prometido pelo Pai (cf. At. 2,33). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de compaixão, de humildade e de desapego, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra.

Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória.

As figuras da Igreja

Assim como, no Antigo Testamento, a revelação do Reino é muitas vezes apresentada em imagens, também agora a natureza íntima da Igreja nos é dada a conhecer por diversas imagens tiradas quer da vida pastoril ou agrícola, quer da construção ou também da família e matrimônio, imagens que já se esboçam nos livros dos Profetas.

Assim a Igreja é o redil, cuja única porta e necessário pastor é Cristo (Jo. 10, 1-10). E também o rebanho do qual o próprio Deus predisse que seria o pastor (cf. Is. 40,11; Ez.
34,11 ss.), e cujas ovelhas, ainda que governadas por pastores humanos, são contudo guiadas e alimentadas sem cessar pelo próprio Cristo, bom pastor e príncipe dos pastores (cf. Jo. 10,11; 1 Ped. 5,4), o qual deu a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo. 10, 11-15).

A Igreja é a agricultura ou o campo de Deus (1 Cor. 3,9). Nesse campo cresce a oliveira antiga de que os patriarcas foram a raiz santa e na qual se realizou e realizará a reconciliação de judeus e gentios (Rm. 11, 13-26). Ela foi plantada pelo celeste agricultor como uma vinha eleita (Mt. 21, 33-43; Is. 5,1 ss.). A verdadeira videira é Cristo que dá vida e fecundidade aos sarmentos, isto é, a nós que pela Igreja permanecemos n’Ele, sem o qual nada podemos fazer (Jo. 15, 1-5).

A Igreja é também muitas vezes chamada construção de Deus (1 Cor. 3,9). O próprio Senhor se comparou à pedra que os construtores rejeitaram e se tornou pedra angular (Mt. 21,42; At. 4,11; 1 Pe. 2,7; Sl. 118,22). Sobre esse fundamento é a Igreja construída pelos Apóstolos (cf. 1 Cor. 3,11), e d’Ele recebe firmeza e coesão. Esta construção recebe vários nomes: casa de Deus (1 Tm. 3,15), na qual habita a Sua «família»; habitação de Deus no Espírito (cf. Ef. 2, 19-22); tabernáculo de Deus com os homens (Ap. 21,3). Nela, com efeito, somos edificados aqui na terra como pedras vivas (cf. 1 Pe. 2,5). Esta cidade, o apóstolo João contemplou-a «descendo do céu, de Deus, na renovação do mundo, como esposa adornada para ir ao encontro do esposo» (Ap. 21,1 ss.).

A Igreja, chamada «Jerusalém do alto» e «nossa mãe» (Gl. 4,26; cf. Ap. 12,17), é também descrita como esposa preparada do Cordeiro sem manchas (Ap. 19,7; 21,2. 9; 22,17), a qual Cristo amou e por quem Se entregou, para a santificar» (Ef. 5, 25-26), uniu a Si por um indissolúvel vínculo, e sem cessar «alimenta e conserva» (Ef. 5,29), a qual, purificada, quis unida a Si e submissa no amor e fidelidade (cf. Ef. 5,24), cumulando-a, por fim, eternamente, de bens celestes; para que entendamos o amor de Deus e de Cristo por nós, o qual ultrapassa toda a compreensão (cf. Ef. 3,19). Enquanto, na terra, a Igreja peregrina longe do Senhor (cf. 2 Cor. 5,6), tem-se por exilada, buscando e saboreando as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus, e onde a vida da Igreja está
escondida com Cristo em Deus, até que apareça com seu esposo na glória (cf. Cl. 3,1-4).

A Igreja, Corpo místico de Cristo

O Filho de Deus, vencendo, na natureza humana a Si unida, a morte, com a Sua morte e ressurreição, remiu o homem e transformou-o em nova criatura (cf. Gl. 6,15; 2 Co. 5,17). Pois, comunicando o Seu Espírito, fez misteriosamente de todos os Seus irmãos, chamados de entre todos os povos, como que o Seu Corpo.

A cabeça deste corpo é Cristo. Ele é a imagem do Deus invisível e n’Ele foram criadas todas as coisas. Ele existe antes de todas as coisas e todas n’Ele subsistem. Ele é a cabeça
do corpo que a Igreja é. É o princípio, o primogênito de entre os mortos, de modo que em todas as coisas tenha o primado (cf. Col. 1, 15-18). Pela grandeza do Seu poder domina em todas as coisas celestes e terrestres e, devido à Sua perfeição e ação, enche todo o corpo das riquezas da Sua glória (cf. Ef. 1, 18-23).

Todos os membros devem-se conformar com Ele, até que Cristo se forme neles (cf. Gl. 4,19). Por isso, somos assumidos nos mistérios da Sua vida, configurados com Ele, com
Ele mortos e ressuscitados, até que reinemos com Ele (cf. Fp. 3,21; 2 Tim. 2,11; Ef. 2,6; Cl. 2,12; etc.). Ainda peregrinos na terra, seguindo as Suas pegadas na tribulação e na perseguição, associamo-nos nos seus sofrimentos como o corpo à cabeça, sofrendo com
Ele, para com Ele sermos glorificados (cf. Rm. 8,17).

É por Ele que «o corpo inteiro, unido a Ele por meio de suas juntas e ligamentos, o corpo cresce à medida que é nutrido por Deus» (Cl. 2,19). Ele mesmo distribui continuamente, no Seu corpo que é a Igreja, os dons dos diversos ministérios, com os quais, graças ao Seu poder, nos prestamos mutuamente serviços em ordem à salvação, de maneira que, professando a verdade em amor, cresçamos em tudo para Aquele que é a nossa cabeça (cf. Ef. 4, 11-16).

E para que sem cessar nos renovemos n’Ele (cf. Ef. 4,23), deu-nos do Seu Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na cabeça e nos membros, unifica e move o corpo inteiro, a ponto de os primeiros discípulos compararem a Sua ação à que o princípio vital, ou alma, desempenha no corpo humano.

Cristo ama a Igreja como esposa, fazendo-se modelo do homem que ama sua mulher como o próprio corpo (cf. Ef. 5, 25-28); e a Igreja, por sua vez, é sujeita à sua cabeça. «Porque n’Ele habita corporalmente toda a plenitude da natureza divina» (Cl. 2,9), enche a Igreja, que é o Seu corpo e plenitude, com os dons divinos (cf. Ef. 1, 22-23), para que ela se dilate e alcance a plenitude de Deus (cf. Ef. 3,19).

A Igreja, sociedade visível e espiritual

Cristo, mediador único, estabelece e continuamente sustenta sobre a terra, como um todo visível, a Sua Igreja, comunidade de fé, esperança e amor, por meio da qual difunde em todos a verdade e a graça. Porém, a sociedade organizada hierarquicamente, e o Corpo místico de Cristo, o agrupamento visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja ornada com os dons celestes não se devem considerar como duas entidades, mas como uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino. Apresenta por esta razão uma grande analogia com o mistério do Verbo encarnado. Pois, assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino de instrumento vivo de salvação, a Ele indissoluvelmente unido, de modo semelhante a estrutura social da Igreja serve ao Espírito de Cristo, que a vivifica, para o crescimento do corpo (cf. Ef. 4,16).

Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo (I Concílio de Niceia – 325 d.C – *) confessamos ser una, santa, católica e apostólica; depois da ressurreição, o nosso Salvador entregou-a aos apóstolos para que a apascentasse (Jo. 21,17), confiando também a eles a sua difusão e governo (cf. Mt. 28,18 ss.), e erigindo-a para sempre em «coluna e fundamento da verdade» (I Tim. 3,5).

Mas, assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim
a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos
da salvação. Cristo Jesus «que era de condição divina… despojou-se de si próprio tomando a condição de escravo (Fp. 2, 6-7) e por nós, «sendo rico, fez-se pobre» (2 Co.
8,9): assim também a Igreja, embora necessite dos meios humanos para o prosseguimento da sua missão, não foi constituída para alcançar a glória terrestre, mas
para divulgar a humildade e abnegação, também com o seu exemplo.

Cristo foi enviado pelo Pai «a evangelizar os contritos de coração» (Lc. 4,18), «a procurar e salvar o perdido» (Lc. 19,10). De igual modo, a Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo. Enquanto Cristo «santo, inocente, sem mácula» (Hb. 7,26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor. 5,21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (Hb. 2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente o arrependimento e a renovação.

A Igreja prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1 Co. 11,26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pelo serviço em amor, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz.

(*) I Concílio de Nicéia (325)
Convocado pelo bispo Silvestre I, 33º líder da igreja de Roma; combateu a heresia ariana, que negava a divindade de Cristo, e teve como resultado o chamado “Credo Niceno”. O concílio também definiu as regras para a data da Páscoa.