Meu Deus e meu Rei, eu anunciarei a tua grandeza e sempre serei grato a ti. Todos os dias te darei graça e sempre te louvarei. O Senhor Deus é grande e merece receber altos louvores. Quem pode compreender a sua grandeza? Ó Deus, cada geração anunciará à seguinte as coisas que tens feito, e todos louvarão os teus atos poderosos. Eles falarão da tua glória e da tua majestade, e eu meditarei nas coisas maravilhosas que fazes. Salmos 145: 1-5

Nesse salmo em destaque me chama a atenção uma realidade: A glória dxe Deus é o homem vivo. Para os filósofos, o homem é um “animal racional”; para as Escrituras Sagradas, ele é “glória vivente de Deus”.

Diretamente a frase não é tirada da Bíblia, mas dos Pais da Igreja, precisamente de Santo Irineu de Lyon (discípulo de Policarpo que foi discípulo do apóstolo João); e, contudo, ela contém em si um verdadeiro tesouro de sabedoria bíblica; é uma síntese da Palavra de Deus. Com esta inusitada escolha, quero sublinhar o grande anúncio de que Deus ama a vida e a importância do louvor a Deus como lemos no Salmo 145. Portanto, o convite é para deixar se envolver neste movimento de adoração e nos esforçarmos por glorificar a Deus também enquanto refletimos sobre a glória de Deus.

A expressão “glória de Deus” pode ser tomada em dois sentidos fundamentais: em sentido objetivo e em sentido subjetivo. Em sentido objetivo, glória de Deus indica, de fato, um dado totalmente independente de nós. Deus é glorioso por si mesmo; sua glória enche o universo, está como que objetivada e impressa nele; cada criatura leva a sua marca; e mais: glória a Deus significa muitas vezes, na Bíblia, a presença mesma de Deus, sua majestade inacessível e temível que se manifesta como luz esplêndida que deve velar-se na nuvem para não cegar os olhos. Esta última é a glória de Deus que veio morar no Sinai (cf Ex 24,16), que encheu o templo depois da dedicação por parte de Salomão (cf 1Rs 8,10ss), que voltou depois do exílio a morar no Santuário (cf Ez 43,1ss), e que, enfim, tomou um rosto humano em Jesus de Nazaré, porque a glória divina já brilha no rosto de Cristo (cf 2Co 4,6).

Em sentido subjetivo, glória a Deus significa a tomada de consciência a respeito dela por parte das criaturas racionais – anjos e homens – e sua livre aceitação e alegre proclamação. Precisamente neste quadro adquire sentido a palavra de Santo Irineu que define o homem como “glória vivente de Deus”.

Esta glória subjetiva é filha do estupor (imobilidade súbita, grande surpresa, espanto), porque nasce do sentimento de admiração, de surpresa e de deslumbramento que envolve o homem quando percebe a grandeza, a majestade e a santidade de Deus que o circundam. Ouvi a teu respeito Senhor; estou maravilhado com tuas obras (Hc 3:2). Eu disse que em sentido subjetivo a glória de Deus é a tomada de consciência da glória de Deus que há no Universo; portanto, a oração de glória mais perfeita não consiste em inventarmos lindas palavras de louvor a Deus, mas antes em se dar conta de uma presença; a oração de louvor é um “sentimento de presença”, é perceber a presença da glória de Deus ao nosso redor, entrando em sintonia com ela, emprestando-lhe nosso coração e nossos lábios.

  • O homem, portanto, é glória vivente de Deus, e o é não somente porque – como canta o Salmo 8 – “recebe” glória e honra de Deus, mas porque também “dá” glória a Deus; não somente, portanto, em sentido passivo, mas também em sentido ativo; nele e nele somente chega a expressar-se o louvor de Deus que perpassa silenciosamente o universo.

Teilhard de Chardin deu uma visão científica e filosófica do devir do Universo; viu a matéria que avança com dificuldade através da própria opacidade para a luz da consciência alcançada finalmente no “fenômeno homem”. Como um impulso que do seio da terra tende a aflorar à luz do sol, como a água sobe do solo para alcançar o topo da árvore. Vista com olhos espirituais, o que significa esta subida do universo material para a vida e para a consciência da glória de Deus e, portanto, para o louvor? Que caminhada longa o Universo deve ter percorrido para chegar a este ponto! Bilhões e bilhões de anos! Mas uma vez chegado ele espera que o homem cumpra seu dever, que é ser “glória viva de Deus”.

Tentemos visualizar este pensamento para perceber sua desconcertante vastidão. O que é nosso sistema solar comparado com os 100 bilhões de galáxias que compõem o Universo? O que é a Terra em comparação com o Sistema Solar? O que é um homem comparado com todo o Universo? Nada! E, contudo, deste nada explode o grito: “Glória a Deus no mais alto céus”, pelo qual todo o Universo foi criado; naquele nada, o universo toma consciência de si; o infinitamente grande se condensa e se espelha no infinitamente pequeno: Deus escolheu o que no mundo é nada para que nenhum homem se glorie diante de Deus, mas antes quem se gloria se glorie no Senhor (cf 1Co 1:28-31).

A espera da criação da qual fala São Paulo no famoso capítulo 8 da carta aos Romanos, é exatamente a espera de ser envolvida pelo homem na glorificação de Deus. Esta espera se realizou em Jesus Cristo! Nele o Universo encontrou o descanso de sua longa espera, à qual tendia desde o início, porque Nele foram criadas todas as coisas […] por ele e para ele (Cl 1:16). Pois bem, que voz expressa este “Primogênito da criação”? Expressa esta voz: Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra (Mt 11:25); Eu te glorifiquei na terra (Jo 17:4). Se a glória, como diziam os antigos, é uma luminosa notícia mesclada de louvor, isto Jesus realizou: difundiu em torno de Deus Pai uma luminosa notícia cheia de louvor! Que Jesus Cristo seja a “plenitude” (Cl 1:19) significa também isto: que ele é a plenitude da glória e do louvor de Deus, o mais perfeito louvor que se possa imaginar fora da Trindade. Jesus, em outras palavras, não é somente a glória objetiva de Deus (isto é, presença luminosa de Deus entre os homens) mas também a suprema glória subjetiva de Deus, isto é, o supremo glorificador de Deus entre os homens. Fazendo assim, Jesus realizou o homem perfeito ou o perfeito modelo da humanidade. Portanto, o homem existe para ser um “louvor da sua glória” (Ef 1:14).

O louvor de Deus não é, então, algo restrito ou uma capacidade de poucos promovida por músicos e cantores num templo; é o sentido mesmo da vida. Quando proclamamos os louvores a Deus, aquele não é tempo mal empregado e nem mesmo um tempo como os outros, ou seja, um intervalo entre atividades mais concretas e lucrativas. É, ao invés, o tempo forte, é a espinha dorsal do resto do tempo; ali nós nos realizamos, a partir do momento em que nossa realidade é a de ser glória viva de Deus. No louvor nós antecipamos nossa existência escatológica; ao redor do trono de Deus e do Cordeiro não se faz outra coisa a não ser adorar: Glória, poder, honra (cf Ap 4:11). Não alienação, portanto, não negligência social, não perda de tempo, mas antes crescimento para nossa verdadeira vocação, aquela que no fim nos ocupará para sempre.

O louvor e adoração não realiza somente o homem individualmente, mas realiza antes de tudo a Igreja, o povo de Deus. Este – escreve a carta de São Pedro – foi chamado das trevas para sua luz maravilhosa, para isto: para que proclamemos as obras maravilhosas (cf 1Pe 2:9). O papel que cabia ao povo de Israel no mundo agora passou para a Igreja: narrar as maravilhas de Deus, não só as da Criação, mas também as da história da Salvação, não só as que Deus fez no princípio, nos tempos antigos, mas também as que continua a fazer hoje ao nosso redor, naquela pequena história da salvação que é a história de cada alma. Por isso que os Pais da Igreja (período Patrístico) gostavam de definir a Igreja como “o lugar da doxologia”; a Igreja é o Templo no qual todos dizem: Glória! (cf Sl 29:9). São Basílio escreve: “dar glória a Deus é dever dos anjos; toda a criação, seja calando seja falando, quer no céu, quer na terra, dá glória ao Criador; na Igreja há os cânticos, há as profecias, há os preceitos evangélicos, há a pregação dos apóstolos (através dos pastores): é preciso cantar hinos com a voz e mais ainda com a mente e coração (emoções). Este imenso coral de vozes é executado sob a alta direção do Espírito Santo – o qual depois de tê-lo suscitado assegura-lhe a harmonia”.

  • É preciso portanto, redescobrir a beleza do louvor e adoração, descobrir sua profundidade. Este não é adulação – embora merecidíssima – de Deus; é, ao invés, entrar nas verdades das coisas e, por assim dizer, no santuário do ser. É preciso acender a cada vez de uma luz nova o louvor maravilhoso que percorre a Bíblia e especialmente os salmos: Exultai no Senhor, ó justos, pois aos retos convém o louvor (Sl 33:1). Bendirei continuamente o Senhor, seu louvor não deixará meus lábios (Sl 34:1); Não a nós Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória (Sl 115:1).

O último texto citado nos sugere uma importante reflexão: a glória de Deus tem um rival invencível, um antagonista perigoso: a glória própria. Não é que Deus anule a glória do homem ou que tenha necessidade de humilhar o homem para se erguer sobre as ruínas de sua dignidade. Assim pensam alguns ateus modernos (diz Sartre: “Onde Deus nasce, aí morre o homem”), mas sem razão! Permanece sempre verdadeiro o que foi escrito: que Deus coroou o mundo de glória e de honra e o fez um pouco menor que os anjos (cf Sl 8:4,5).

O inimigo é a procura da própria glória fora de Deus, é  procurar “a glória que vem dos homens”. Como podem crer – dizia Jesus aos judeus –, vocês que aceitam glória uns dos outros e não procuram a glória que vem do Deus único? (Jo 5:44). Esta glória que vêm dos homens é mentirosa. Não só porque na maioria das vezes não é sincera, mas, sobretudo, porque vive iludido quem a procura e a recebe; ela vai contra uma verdade espiritual evidente ao próprio homem, isto é: Pois quem é que faz com que você sobressaia? E o que é que você tem que não tenha recebido? E, se o recebeu, por que se gloria, como se não o tivesse recebido? (1Co 4:7)

Quanta gente gasta sua vida procurando loucamente a própria glória! Depois do dinheiro, ela é talvez o ídolo mais adorado no mundo. Mas é um ídolo falso e mentiroso, é um ídolo de barro cozido que se fratura ao primeiro empurrão, especialmente com o empurrão da morte. Viver para a própria glória é, propriamente, viver de reflexo, alienados, porque significa viver não por aquilo que somos realmente, mas pela imagem que outros devem ter de nós. A glória que vem dos homens é realmente vanglória, isto é, glória vazia, fumaça. Deus declarou solenemente guerra a esta usurpação: Eu sou o Senhor: este é o meu nome. Não darei a mais ninguém a minha glória (Is 42:8).

É fácil distinguir a glória que vem dos homens daquela que vem de Deus: a primeira obscurece, torna ansiosos e inquietos, cria rivalidades e ciúmes tremendos; a segunda, ao invés, ilumina quem a recebe da glória e da mesma luz de Deus que é o seu Espírito (cf 1Pe 4:14). É aquela unção que vem do Santo, da qual nos fala São João (cf 1Jo 2:20), e que faz brilhar a alma de alegria e de doçura: E todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, que é o Espírito (2Co 3:18).

O exemplo é o homem Jesus Cristo: Eu não procuro minha glória, dizia ele (cf Jo 5:41). Ele resistiu à tentação da própria glória, até mesmo daquela que lhe provinha por ser Messias: o diabo então lhe mostrou todos os reinos do mundo com seu esplendor e disse-lhe: Tudo isto te darei […]. Jesus lhe disse: Vai-te, satanás!

Mt 4:8

A quem está à procura, em sua vida, desta glória misteriosa que vem de Deus o apóstolo Paulo dá conselhos práticos muito úteis acerca da maneira e de que se gloriar; diz que deve vangloriar-se das próprias fraquezas e, sobretudo, da Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (cf 2Co 12:5; Gl 6:14).

O segredo está mesmo nestas últimas palavras: gloriar-se da cruz, a única coisa realmente nossa (também o pecado é nosso somente, mas dele, infelizmente, não podemos nos gloriar!). Nesta oportunidade, não queremos, porém, nos deter em considerar nossa glória, seja ela boa ou má; somos chamados “a olhar para o alto”; no alto nos esperam os céus que querem narrar a glória de Deus e não tem a não ser nossa boca para fazê-lo; no alto nos esperam os anjos e os santos, que esperam para completar seu maravilhoso coro de louvor. Aprendamos deles que depunham suas coroas diante do trono, dizendo: Tu és digno (e tu somente), Senhor nosso Deus, de receber a honra, a glória e a majestade (Ap 4:10s); nossas coroas são os elogios que recebemos, as funções que atuamos, os méritos, os talentos, tudo. Deponhamo-nos diante do trono, senão irão nos prejudicar! Os anjos e os bem-aventurados nos ensinam o louvor mais perfeito. É o hino ouvido no céu por Isaías: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos […] e por João: o que é, o que era e que ainda virá (Is 6:3; Ap 4:8).

“Os céus e a terra”: ou seja, as criaturas espirituais e as criaturas visíveis. “A sua glória enche toda a terra”: conta-se que um pai de família tinha mostrado aos seus quatro filhos um grão de trigo antes de plantá-lo e havia perguntado a eles o que havia dentro do grão, esperando que lhe respondessem: “A vida”; mas a menina mais nova (5 anos) deixou-os todos surpresos, respondendo: “Há a glória de Deus!”. Sim, também a semente está cheia da glória de Deus; tudo está cheio da glória de Deus, mas necessita que alguém a proclame, como o fruto maduro que tem necessidade de uma incisão feita pela mão do homem para dar seu suco, como o vaso de alabastro que precisa ser aberto para difundir seu perfume, como uma mulher que tem um fruto de vida em seu útero e tem necessidade da mão do obstetra para dá-lo à luz. Nós devemos ser obstetras do louvor de Deus que está velado no Universo! Quando louvar, “imagine ter diante de ti todos os seres criados por Deus no céu e na terra: a água, o ar, o fogo, a luz e cada elemento, cada um com seu próprio nome. Assim também os pássaros no ar, os peixes da água e as flores do campo, as ervas e todas as plantas das lavouras, as inumeráveis areias do mar, o pó que se vê nos feixes da luz solar, as gotas de chuvas caídas ou que estão para cair, as pérolas do orvalho que enfeitam os gramados. Então pense estar no meio destas criaturas como um maestro no meio de um coral sem fim”.

  • Ao nosso redor há, portanto, um apelo silencioso de criaturas que esperam quem entoe por elas o “Benedictus!” como o pai de João Batista ou o Laudato sii mi Signore como São Francisco de Assis. Quem louva está na luz! Senhor, ensina-nos a louvar, adorar, a glorificar teu nome!