E de muitas coisas lhes falou por parábolas, dizendo: — Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e, vindo as aves, a comeram. Outra parte caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha raiz, secou-se. Outra parte caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Mateus 13,3-9

Migalhas também são pão. 


No segredo da terra adormecida esconde-se o segredo da semente. Na escuridão do abandono uma força faz germinar a vida. Na humidade dos invernos cresce a pequena e frágil planta que vai ser trigo, que vai ser pão. Sobre a mesa repartido, como palavras de amor oferecido a todos, transforma-se em migalhas. Pequenas migalhas de pão. Pequenas migalhas de amor. Pequenas migalhas de Deus. Semente escondida na terra preguiçosa não chego a ser nada se não falas. Se a tua palavra não atravessa os céus e não vence a minha surdez, não chego a ser pão. Faz de mim uma migalha que cai da mesa dos filhos.

O evangelista Mateus narra em seu evangelho que Jesus sentou-se à beira do mar e que se aproximaram dEle tantas pessoas para ouvir suas palavras que foi necessário subir a uma barca, enquanto a multidão o escutava da praia. O Senhor, sentado na pequena embarcação, começou a ensinar-lhes: Saiu o semeador a semear, e as sementes caíram em terrenos muito diversos.

Na Galileia, terreno acidentado e cheio de colinas, destinavam-se ao plantio pequenas glebas de terra e encostas; a parábola reproduz a situação agrícola daquelas paragens. O semeador espalha as suas sementes aos quatro ventos, e assim se explica que uma parte caia no caminho. A semente caída nesta terra batida era logo comida pelos pássaros ou pisada pelos caminhantes. A referência ao terreno pedregoso, coberto somente por uma fina camada de terra, correspondia também à realidade. Por causa da sua pouca profundidade, a semente brota mais depressa, mas, por carecer de raízes mais profundas, o calor seca-a com a mesma rapidez. O terreno onde cai a boa semente é o mundo inteiro, cada pessoa.

Nós somos também terra para a semente divina. E ainda que a semeadura seja feita com todo o amor – é Deus que se derrama na alma – o fruto depende em boa parte do estado da terra onde cai. As palavras de Jesus mostram-nos expressivamente a responsabilidade que o ser-humano tem de preparar-se para aceitar e corresponder à graça de Deus. 

Hoje somos convidados a olhar para o campo e contemplar aquelas que chegaram à maturação. Com o Salmista podemos ser envolvidos num canto de admiração e louvor ao Criador pela vida maravilhosa da criação e das plantações. Todo o ciclo produtivo da terra é visto como um dom maravilhoso de Deus e como perfeita execução e docilidade por parte das criaturas: 

“Tu visitas a terra e a regas; tu a enriqueces grandemente. Os ribeiros de Deus são abundantes de água; provês o cereal, porque para isso preparas a terra, regando-lhe os sulcos e desmanchando os torrões. Tu a amoleces com chuviscos e lhe abençoas a produção. Coroas o ano da tua bondade; as tuas pegadas destilam fartura, destilam sobre as pastagens do deserto, e de júbilo se revestem as colinas. Os campos se cobrem de rebanhos, e os vales se enchem de espigas; exultam de alegria e cantam” Sl 65,9-13

Deus atrai o homem para si e cuida dele como o lavrador faz com a terra para que ela produza o fruto desejado. Com gestos simples na vida de cada dia, como o lavrador, Deus faz com que não falte a semente, a água para regar a semente, o fruto saboroso da semente e assim alimenta o homem como um pai de família.

Com essa reflexão somos elevados para outra semeadura: aquela que tem por terreno o ser-humano, por semeador Deus e por semente a Palavra de Deus. É um aspecto decisivo em ser cristãos e, antes ainda, em ser pessoas que se projetam na frente com todo o poderoso realismo que a comparação da terra e do semeador lhes confere.

O profeta Isaías evidencia uma característica da Palavra de Deus – sua eficácia: Eis o que diz o Senhor: «Assim como a chuva e a neve que descem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a terem fecundado e feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para comer, assim a palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão». Deus cuida da terra para que dela saia o pão que dá o alimento ao homem. Mas, nem só de pão vive o homem, o verdadeiro alimento de que o homem necessita é da palavra de Deus.

Essa linguagem, tão eloquente também para nós, era ainda mais para os homens a quem se dirigia Isaías: pessoas que lutavam com o deserto e lhe conheciam a aridez, homens para os quais a chuva era sinônimo de vida. Onde cai a Palavra de Deus, germina, portanto, a vida; ela nunca cai em vão.

É o que diz também Jesus: Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão (Mc 13,31). Na carta aos Hebreus lemos: A Palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante do que a espada de dois gumes […]. Nenhuma criatura lhe é invisível. Tudo é nu e descoberto aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas (Hb 4,12). Como a chuva penetra nos torrões, assim a Palavra de Deus penetra nas profundidades do coração e aí faz brotar os sentimentos e pensamentos, colocando-o em situação de decisão.

O Evangelho nos impele a um passo adiante: aperfeiçoa também a afirmação de Isaías, pondo em evidência outra verdade, a mais importante, aliás, da reflexão de hoje. A Palavra de Deus é sempre eficaz em si mesma; o homem, todavia, pode resistir-lhe com sua liberdade e torná-la estéril. Também a chuva pode ser estéril se cai sobre as pedras. É o mistério da relação entre graça e livre-arbítrio, entre onipotência de Deus e liberdade do ser-humano. Como a luz é única, mas suscita várias cores – branco, vermelho, amarelo, etc – de acordo com a constituição dos corpos sobre os quais se reflete, assim a Palavra de Deus é sempre viva e eficaz, mas produz efeitos e frutos diversos de acordo com os corações sobre os quais ela chega.

Jesus nos apresentou uma série de casos: o coração superficial, aquele árido e inflexível, aquele dissipado e, enfim, aquele bom e disponível à Palavra de Deus.

A garantia está na palavra que, por ser de Deus, se cumpre plenamente. Não se cumpre como os homens entendem, pois Deus tem uma forma de pensar e de agir, nem sempre coincidente com a deles, não se aconselha com eles, tem um horizonte mais largo, vê melhor.

O Senhor, diz o profeta Isaías, está perto e está longe. Porque está perto pode ser encontrado, mas os seus planos e os seus caminhos estão longe dos planos e caminhos dos homens. Para encontrar o Senhor, para coincidirem os caminhos e os planos, é necessário a conversão “deixe o ímpio o seu caminho e o criminoso os seus projetos”.

“Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus” Rm 8,18-19.

O apóstolo Paulo continua a refletir sobre a vida nova que recebemos no batismo e alerta para o fato de que, apesar de já participarmos nessa vida nova, não estamos isentos de sofrimentos. A experiência da vida nova revela-nos que a glória em que havemos de participar supera os sofrimentos que suportamos no tempo presente por causa do pecado que não deixa aderir ao projeto de Deus. Este tempo é de esperança na possibilidade de superar todo o sofrimento. E aponta para quatro razões para a esperança: a criação que suporta a mesma situação que nós e “geme e sofre as dores de parto” (v.22) vive na esperança da libertação; nós mesmos que, apesar do sofrimento, resistimos e não nos resignamos à aniquilação; o Espírito que vem em nosso auxílio e Deus Pai que concorre em tudo para o bem dos que o amam.

A semente é boa, mas a terra tem caraterísticas diferentes o que vai dar resultados diferentes. Sendo boa, a semente tem dificuldade em germinar, crescer e frutificar na maior parte dos terrenos. No entanto, aquela que cai na boa terra produz abundantemente. Esta abundância fala de êxito apesar dos obstáculos encontrados.


Ao escutar a parábola a multidão pode compreender, através de palavras simples, a necessidade de centrar a sua vida em Jesus e, através dele conhecer os mistérios do reino, e deixar-se transformar numa terra boa, capaz de produzir fruto com abundância.


Os apóstolos acompanham Jesus e vão sendo introduzidos nos mistérios do Reino vendo os sinais por ele realizados e escutando a novidade da sua doutrina, com as explicações particulares que vão dele recebendo. As multidões não têm acesso a tanta informação e, por isso, têm mais dificuldade em compreender o reino e captar a identidade da Jesus e de fazer com ele uma experiência de vida. As parábolas são, assim, um meio importante para falar às multidões porque tornam visível o invisível da mensagem que é o próprio Jesus, mais do que as suas palavras e o que é o homem, mais do que a sua condição social. Esta descoberta, no entanto, só está aberta a quem quer conhecer, a quem está interessado, porque também há os que “endureceram os seus ouvidos e fecharam os seus olhos”. Isto tem consequências, pois, não entender a parábola conduz a uma atitude de distanciamento em relação a Jesus e à sua proposta de salvação. É sempre possível escutar as parábolas e “vendo com os olhos e ouvindo com os ouvidos e compreendendo com o coração, se convertam e Eu os cure”.

Poderíamos nos perguntar: a que categoria de terreno pertence nosso coração? Somos nós daqueles que escutam, mas depois esquecem e se deixam absorver por outra coisa? Daqueles que acolhem a Palavra em nível epidérmico? Essa é a categoria mais frequente. São Tiago chama a esses os “ouvintes sem memória”, e os compara a alguém que observa o próprio rosto num espelho: Aquele que escuta a palavra sem a realizar assemelha-se a alguém que contempla num espelho a fisionomia que a natureza lhe deu: contempla-se e, mal sai dali, esquece-se de como era (Tg 1,23-24).

Mas prefiro fixar-me sobre o lado positivo e encorajador do evangelho que meditamos: a Palavra de Deus encontra também muitos corações disponíveis, muito terreno bom. O terreno melhor foi aquele de Maria, mãe do Senhor, que acolhia todas as palavras em seu coração (cf Lc 2,19). Terreno bom foram os apóstolos e os discípulos, que acolheram a Palavra e a pregaram ao mundo, irrigando-a com o próprio sangue.

Não compreender ou não querer compreender tem como consequência ficar fora do Reino e do seu mistério. Compreender é um dom que é dado por Deus àqueles que, ao escutar, se revelam disponíveis para aceitar, para acolher a semente e o semeador, a palavra e o próprio Jesus. Sem acolher a palavra não se reconhece Jesus como presença do Reino nem o Reino como lugar onde Deus salva. Os discípulos receberam o dom que lhes foi dado por Deus e podem reconhecer Jesus.

A qualidade da terra depende também da disponibilidade para acolher a verdade anunciada e a pessoa que anuncia, Jesus. É a adesão à Palavra que vai transformar a terra e prepará-la para acolher o Reino, a semente, que há de frutificar. Pequena que seja a semente, se cai em terra boa germina e pode tornar-se árvore, germina e pode produzir até cem por um.

Deus é quem prepara a terra, lança a semente e vai regando para que produza fruto, como canta o salmo 65. Deus é quem envia a palavra como semente e como chuva que não regressa a ele sem cumprir a sua missão, como diz Isaías. A missão fica cumprida se, perante a palavra houver adesão e a semente amadurecer com muito fruto e fica cumprida se a palavra for rejeitada e recusada a entrada no Reino.

O cristão, é aquele que aderiu à palavra e, mesmo com dificuldade, às vezes com dúvidas, inconstância, no meio de desilusões e fracassos, procura produzir o fruto esperado pelo semeador. Sofre por não conseguir dar o fruto abundante e sofre também por ver que outros, que escutaram a mesma palavra, receberam a mesma semente, não aderem à proposta de Jesus para entrarem no Reino. É deste sofrimento que fala Paulo quando diz “os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que se há de manifestar em nós”. E vive na “esperança de que as mesmas criaturas sejam também libertadas da corrupção que escraviza, para receberem a gloriosa liberdade dos filhos de Deus”.

Quem é hoje o terreno bom que produz fruto? É o cristão que, antes de tudo, tem sede da Palavra de Deus, que a ama, que se preocupa em ouvi-la, compreendê-la, convicto de que não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus (Mt 4,4). É aquele que aplica a Palavra à sua vida; dá-lhe forma e espaço, com a reflexão, de modo que possa germinar, em seu coração, iluminar as intenções (motivações), fortificar os propósitos, de modo que eles se transformem em obras evangélicas, isto é, nos cem por cento de que fala Jesus no final de sua parábola.

Nós seremos terreno bom na medida em que tivermos a capacidade de nos deixar transformar pelo Evangelho, de adequar a ele nosso modo de pensar, de julgar os valores; numa palavra, de nos converter. São Tiago nos sugeriu uma bela imagem, na qual faríamos bem em pensar com frequência: a Palavra de Deus é um espelho. Ela não nos serve e não nos muda se lhe passamos na frente com pressa e distraídos. Devemos ao invés confrontar-nos com ela: olhar com sua luz todas as dobras de nossa vida, deixar-nos julgar por ela como nos deixamos julgar por um espelho, e por espelho que não para na superfície, mas penetra até a medula e revela os segredos do coração. Então será a maior força de correção e de renovação.

O início do evangelho de hoje nos apresentou Jesus que da barca fala às multidões apinhadas na praia. Tudo isto repetiu-se de certa forma para nós: Jesus nos ensinou ficando entre nós e diante de nós. Nós somos as multidões que, da praia, o escutamos. A quem o ouviu, Jesus pouco depois multiplicou o pão no deserto. Também a nós ele está para multiplicar e distribuir o pão que é seu corpo dado por nós. Sua presença será plena quando ele estiver em nós mediante sua Palavra e seu sacramento, que é sua carne para vida do mundo. Que Ele encontre em nós um terreno aberto e bom que acolha com alegria a Ele que é a semente de vida eterna, a Palavra feita carne que vem habitar no meio de nós.

Lançou em mim a semente para dar fruto abundante e apenas tem colhido pequenas migalhas na aridez do meu deserto. Desperta de novo os meus ouvidos para que escutando, veja e entenda que és tu o meu Senhor. Faz-me entrar no teu barco e ensina-me lentamente, com a mesma paciência de mestre que dedicou aos teus discípulos. Vence todas as pedras, espinhos e caminhos difíceis que deixei acontecer em mim e faz-me terra boa do teu amor.