Um tempo de espera responsável dependem a alegria cristã e o lugar certo na história
“O deserto e a terra seca se alegrarão; o ermo exultará e florescerá como o narciso. Ele se cobrirá de flores, dará gritos de alegria e exultará. Receberá a glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de Sarom. Eles verão a glória do Senhor, o esplendor do nosso Deus. Fortaleçam as mãos cansadas, firmem os joelhos vacilantes; digam aos desanimados de coração: “Sejam fortes, não temam! Seu Deus virá, virá com vingança; com divina retribuição virá para salvá-los”. Então os olhos dos cegos se abrirão e os ouvidos dos surdos se destaparão. Então os coxos saltarão como o cervo, e a língua do mudo cantará de alegria. Águas irromperão no ermo e riachos no deserto. E ali haverá uma grande estrada, um caminho que será chamado Caminho de Santidade e os que o Senhor resgatou voltarão. Entrarão em Sião com cantos de alegria; duradoura alegria coroará sua cabeça. Júbilo e alegria se apoderarão deles, e a tristeza e o suspiro fugirão.” Isaías 35:1-6,8a,10
A primeira leitura de hoje faz reviver a espera que precedeu a primeira vinda de Cristo e as esperanças que a animaram. Eram esperanças de luz, de salvação, de alegria. A alegria messiânica é a nota dominante, e é por causa disso, certamente, que escolhemos esse tema nesse tempo de Advento. Do início ao fim, há um convite à alegria: Alegre-se, exulte, floresça, cante-se com alegria e com júbilo.
“Portanto, irmãos, sejam pacientes até a vinda do Senhor. Eis que o lavrador aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas. Sejam também vocês pacientes e fortaleçam o seu coração, pois a vinda do Senhor está próxima. Irmãos, não se queixem uns dos outros, para que vocês não sejam julgados. Eis que o juiz está às portas. Irmãos, tomem como exemplo de sofrimento e de paciência os profetas, que falaram em nome do Senhor.” (Tiago 5:7-10).
“Quando João, no cárcere, ouviu falar das obras de Cristo, mandou que seus discípulos fossem perguntar: — Você é aquele que estava para vir ou devemos esperar outro? Então Jesus lhes respondeu: — Voltem e anunciem a João o que estão ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo pregado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço.” (Mateus 11:2-6).
Essas outras leituras do NT nos fazem sair do clima de expectativa, presente no Antigo Testamento, para nos introduzir no tempo do cumprimento: Você é aquele que estava para vir ou devemos esperar outro? Pedem a Jesus os emissários de João Batista. A resposta de Jesus é clara; ele mostra que nele estão se cumprindo as profecias: Naquele tempo – diz Isaías – se abrirão os olhos dos cegos; os coxos saltarão […]. E Jesus afirma que todos estes “tempos futuros” estão acontecendo agora no presente: os cegos veem, os coxos andam […]. É chegada, portanto, a hora do cumprimento. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço! – acrescenta Jesus – isto é, quem não encontra demais modesta e pouco vistosa a minha origem e a minha pessoa para uma hora tão grande e tão esperada.
Com Tiago, com o texto em destaque, nós deixamos também este tempo de Jesus e nos encontramos imersos em nosso tempo (realização). É o tempo que está no meio, entre a vinda de Cristo e sua volta. Aquele que devia vir já veio; o objeto de espera se tornou recordação: recordação, precisamente, a que nos estamos preparando para celebrar no Natal. Mas a recordação gera e alimenta uma nova espera. Diz Tiago – tende, pois, paciência, meus irmãos, até a vinda do Senhor […] fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima. É a espera da volta de Cristo que proclamamos em cada um dos nossos encontros na comunidade cristã. Esta espera deve ser o verdadeiro tema dominante da liturgia da Palavra nesse tempo. Mas não é mais uma espera como aquela do Antigo Testamento. Como os profetas outrora esperaram a Cristo, Tiago, no fim dessa leitura nos exorta a imitar-lhes a paciência e a constância na espera, e não no conteúdo. “Nossa espera não é mais a do novo, mas é a espera do escatológico, isto é, do definitivo. O novo já chegou com Jesus Cristo. Ele trouxe toda a novidade ao mundo, trazendo a si mesmo” (Santo Irineu – bispo, teólogo e escritor, século II). Tiago comparou essa nossa expectativa àquela do agricultor que plantou sua semente e agora espera somente o tempo da colheita.
Alegrem-se, ó céus, exulte, ó terra, e vocês, montes, cantem de alegria, porque o Senhor consolou o seu povo e se compadece dos seus aflitos. (Isaías 49:13). Que em seus dias floresçam os justos, e haja abundância de paz (Salmos 72:7).
O cristão deve ser uma pessoa essencialmente alegre. Como temos visto, a sua alegria é a de Cristo, que traz a justiça e a paz, e que só Ele pode dar e conservar, porque o mundo não possui a sua graça. A alegria do mundo procede de coisas exteriores: nasce quando o homem consegue escapar de si mesmo, quando olha para fora, quando consegue desviar o olhar do seu mundo interior, porque produz solidão por ser um olhar vazio. O cristão leva a alegria dentro de si, por ter Deus na sua alma em graça. Esta é a fonte de sua alegria. Não nos é difícil imaginar a Virgem Maria, nestes dias do Advento, radiante de alegria com o Filho de Deus no seu ventre. A alegria do mundo é pobre e passageira. A alegria do cristão é profunda e capaz de subsistir no meio das dificuldades. É compatível com a dor, com a doença, com o fracasso e as contradições. Eu vos darei uma alegria que ninguém poderá tirar (Jo 16,22), prometeu o Senhor. Nada nem ninguém nos arrebatará essa paz deleitosa, se não nos separarmos da sua fonte.
Ter a certeza de que Deus é nosso Pai e quer o melhor para nós, leva-nos a uma confiança serena e alegre, mesmo perante a dureza de certas situações inesperadas. Nesses momentos, que um homem sem fé consideraria golpes de fatalidade sem nenhum sentido, o cristão descobre o Senhor, e com Ele, um bem muito mais alto. “Quantas contrariedades desaparecem, se interiormente nos colocamos bem próximo desse nosso Deus que nunca nos abandona! Renova-se com diferentes matizes o amor que Jesus tem pelos seus, pelos enfermos, pelos paralíticos, e que o faz perguntar: – O que é que tens? – Sinto-me… E imediatamente luz ou, pelo menos, aceitação e paz” (Josemaria Escrivá). “O que é que tens?”, pergunta-nos o Senhor. E olhamos para Ele, e já não temos nada. Junto dEle, recuperamos a paz e a alegria.
Temos dificuldades, como as têm todos os homens; mas essas contrariedades – grandes ou pequenas – não nos hão de tirar a alegria. As dificuldades são uma realidade com a qual devemos contar, e a nossa alegria não pode ficar à espera de épocas sem contratempos, sem tentações e sem dor. Mais ainda, sem os obstáculos que encontramos na nossa vida, não teríamos a menor possibilidade de crescer nas virtudes (cardeais: prudência, justiça, temperança e fortaleza; e teologais: fé, esperança e amor).
Portanto, o discípulo deve entender que o encontro com Deus não é tão visível como gostaríamos e nem é tão extraordinário como imaginamos, acontece na realidade do cotidiano, na experiência do dia a dia. É na realidade cotidiana que os caminhos podem ser planos ou montanhosos, retos ou sinuosos (Is 40,1-5.9-11 e Mc 1,1-8).
A vida humana não se suporta exilar na rotina porque constantemente clama por algo mais; e é nessa busca, do algo mais, que nos deparamos com o deserto e com a solidão como proclama o profeta Isaías:
Consolem, consolem meu povo, diz o seu Deus. Falem com carinho a Jerusalém; digam-lhe que seus dias de luta acabaram e que seus pecados foram perdoados. Como pastor, ele alimentará seu rebanho; levará os cordeirinhos nos braços e os carregará junto ao coração; conduzirá ternamente as ovelhas como suas crias (Is 40:1,2;11).
Aqui, está o segredo da vida, aqui está a finalidade da conversão: quem busca o rosto de Deus, quem O pretende encontrar precisa entrar no deserto para aprender a aplainar caminhos; mudar de vida.
Uma alma triste está à mercê de muitas tentações. Quantos pecados se têm cometido à sombra da tristeza? Por outro lado, quando a alma está alegre, abre-se e é estímulo para outros; quando está triste, obscurece o ambiente e faz mal aos que tem à sua volta.
A tristeza nasce do egoísmo, de pensarmos em nós mesmos esquecendo os outros. Quem anda excessivamente preocupado consigo próprio dificilmente encontrará a alegria da abertura para Deus e para os outros. Em contrapartida, com o cumprimento alegre dos nossos deveres, podemos fazer muito bem à nossa volta, pois essa alegria leva a Deus. O apóstolo Paulo recomendava aos cristãos: Levem as cargas uns dos outros e, assim, estarão cumprindo a lei de Cristo (Gl 6,2).
Para tornarmos a vida mais amável aos outros, basta-nos proporcionar-lhes essas pequenas alegrias que, ainda que de pouca monta, mostram claramente que os consideramos e apreciamos: um sorriso, uma palavra cordial, um pequeno elogio, o esforço por evitar crises por coisas sem importância … Assim contribuímos para tornar a vida mais grata às pessoas que nos rodeiam. Essa é uma das grandes missões do cristão: levar a alegria a um mundo que está triste porque se vai afastando de Deus. Não poucas vezes o regato leva à fonte. Essas demonstrações de alegria conduzirão aqueles com quem nos relacionamos à fonte de toda a alegria verdadeira, a Cristo nosso Senhor.
Como sabemos, a seiva que santifica o cristão e o transforma em filho(a) de Deus – a graça de nosso Senhor, é um dom divino. Assim, juntamente com a graça santificante e de modo inseparável, o Espírito Santo nos comunica as virtudes. Esse organismo espiritual pode estar vivo pela graça, pode estar “em coma” pela tibieza, ou morto pela prática do pecado. É preciso ter o organismo forte e sadio, pela correspondência à graça, porque só então seremos capazes de pensar, sentir e agir com Cristo e como Cristo, ou seja, como filhos de Deus; e teremos condições de crescer – como diz São Paulo – até o estado de homem perfeito, até a estatura de Cristo em sua plenitude (Ef 4,13).
Devemos insistir nestas coisas aparentemente tão claras, porque delas depende o bem-estar (alegria) da consciência cristã e o lugar certo do crente na história.
Há cristãos cultos que são dominados por ideias de uma filosofia muito em voga em nossos dias, a qual identifica o Deus bíblico com o futuro, isto é, com um Deus cuja natureza é ter sempre de vir, mas não vir nunca: o deus-utopia. Neste caminho, sem que o percebamos, eles acabam por situar os homens antes de Cristo, nos tempos de Isaías, restabelecendo neles uma mentalidade de homens do Antigo Testamento, Homens que aguardam ainda que se produza na história o evento realmente importante, a virada decisiva, a transformação que desde sempre se espera. Como se esta vinda decisiva não tivesse já sido realizada em Cristo; como se nele todas as promessas de Deus ao homem não tivessem já encontrado seu “sim” para sempre (cf 2Co 1,20). Certo mesmo é Deus, que no Antigo Testamento disse: “Não vos lembreis mais dos acontecimentos de outrora, não recordeis mais as coisas antigas, porque eis que vou fazer obra nova, a qual já surge: não a vedes? (Is 43, 18-19). Mas a coisa nova e definitiva que Deus preparava o que era senão exatamente Jesus Cristo?
Não me deteria para falar-lhes destas coisas um pouco altas e filosóficas se elas não tivessem reflexos muito concretos nas escolhas práticas dos cristãos. Há hoje cristãos comprometidos com a cultura e com a práxis social que, motivados por essas ideias, são levados a crer que seu papel de discípulos de Jesus se esgota colocando-se à procura e à preparação do futuro, no mesmo plano e quase com o mesmo espírito de outros que professam uma concepção de homem muito diferente da deles. Nasceram novas definições: o cristão é a pessoa aberta ao futuro; a fé consiste na possibilidade de poder continuar a crer também no futuro. Esse tipo de cristão se apresenta aos irmãos como alguém que quer procurar com eles, mas não como alguém que já encontrou em Cristo ao menos uma resposta definitiva: aquela que se refere ao seu destino. Atualmente, ter certeza seria, para alguns, algo indigno e passível de suspeita num cristão. Tal atitude é bem aceita hoje; está de acordo com um cristianismo voltado a ser humilde depois da renúncia ao triunfalismo e que pede apenas o direito de existir, como na era pré-cristã. Essa postura contém sem dúvida valor precioso. Mas talvez já tenha chegado a hora de ser crítico também em relação a esta forma de ser cristão, exatamente para que se evite cair num autolesionismo e num conformismo às avessas: em outras palavras, que se evite a culpa por aquilo que Jesus acenava quando falava de discípulos que se envergonham dele nessa geração.
Devemos por isso fazer uma ressalva à mensagem, embora muito linda e cristã de abertura ao futuro, contida em algumas correntes da teologia mais recente. Se esse futuro não é radicado em Jesus Cristo, se não apresenta em seu horizonte último a Jerusalém celeste, mas, ainda e sempre, a Jerusalém daqui debaixo – isto é, uma cidade bem-ordenada, cheia de fervor operativo, sem injustiça, habitada por homens libertos das alienações – então nosso advento não é cristão. É um daqueles infinitos adventos políticos que marcaram a história humana, primeiro, durante e, por alguns séculos, depois da vinda de Cristo. Adventos que tornaram crônica a desilusão dos povos, constrangendo-os, pela insistência de propaganda, à volta pela espera depois de cada ilusão.
Eu creio que o tempo litúrgico do Advento que estamos vivendo seja o clima ideal para a comunidade cristã reencontrar o esquema fundamental de sua visão de mundo, para descobrir, sob as estratificações arenosas das modas passageiras e dos falsos sincretismos, a planta do edifício da própria fé.
A confusão atual já é bastante grave, e não é possível permanecer nela por mais tempo. É um dever do cristão para consigo e para com a sua fé, mas talvez ainda mais uma responsabilidade que tem para com o mundo. Este não pode, com efeito, ser privado da autêntica alternativa cristã, sem perder a possibilidade do confronto e da própria superação crítica. Ao longo do ano litúrgico (tempo em que a Igreja celebra todos os feitos salvíficos operados por Deus em Jesus Cristo) teremos ocasião de aprofundar em que consiste esta alternativa cristã. Veremos que não é legítimo o apego ao passado e ao fechamento ao futuro (a última definição de Deus que se lê no NT é: Eis que renovo todas as coisas (Ap 21,5). Nem, tampouco, é indiferença para com os pobres, que são, geralmente, aqueles que têm mais motivos para ficar descontentes com o presente e que olham com confiança para o futuro.
O futuro esperado pelo cristão se distingue daquele do não-crente não por algo a menos, mas por algo a mais que possui. Bem-aventurado – repete também a nós, homens de hoje, Jesus – aquele que não se escandaliza por causa de mim.