Seis dias depois, Jesus levou consigo Pedro e os dois irmãos, Tiago e João, até um monte alto. Enquanto os três observavam, a aparência de Jesus foi transformada de tal modo que seu rosto brilhava como o sol e suas roupas se tornaram brancas como a luz. De repente, Moisés e Elias apareceram e começaram a falar com Jesus.
Pedro exclamou: “Senhor, é maravilhoso estarmos aqui! Se quiser, farei três tendas: uma será sua, uma de Moisés e outra de Elias”.
Enquanto ele ainda falava, uma nuvem brilhante os cobriu, e uma voz que vinha da nuvem disse: “Este é meu Filho amado, que me dá grande alegria. Ouçam-no!”. Os discípulos ficaram aterrorizados e caíram com o rosto em terra.
Então Jesus veio e os tocou. “Levantem-se”, disse ele. “Não tenham medo.” E, quando levantaram os olhos, viram apenas Jesus.
Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou: “Não contem a ninguém o que viram, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos”. Mateus 17,1-9

Diante deste episódio glorioso da vida de Jesus, colocamo-nos duas perguntas: que significado teve na vida de Jesus e para os discípulos que o presenciaram? Que significado tem hoje para a vida da Igreja e para nós?

Na vida de Jesus, a transfiguração constitui ao mesmo tempo uma teofania e uma cristofania, isto é, uma manifestação do Pai e uma manifestação de Cristo. Vindo a este mundo e tomando um corpo, o Filho de Deus tinha como que se escondido atrás de um véu; ele aparecia, no aspecto, assemelhando-se aos homens (Fp 2,7). Quem o via se perguntava: “Não é este o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria? Seus parentes não estão entre nós?”. Sua vida, portanto, exteriormente, era aquela de qualquer outra pessoa: crescia, trabalhava, suava, e, naturalmente, orava.

Contudo, ele era Deus; estava inserido e escondido num ponto do universo e regia, com o Pai, o mundo todo. A transfiguração é uma inesperada transparência externa desta realidade profunda de Jesus. É como se o véu de sua humanidade tivesse se diluído sob o efeito da luz interna, até o ponto de surgir o rosto escondido daquilo que o apóstolo Paulo chama o conhecimento do esplendor de Deus, que se reflete na face de Cristo (2Co 4,6). À luz uniu-se a voz do Pai, como para explicar o sentido daquilo que se estava revelando: Este é o meu filho amado. Aquele dia, os discípulos conheceram o verdadeiro Jesus que ainda não conheciam e ficaram visivelmente atônitos.

E agora perguntemo-nos o que significa a transfiguração para a fé da Igreja e para nós.

Porque não inventamos histórias engenhosas quando lhes falamos da poderosa vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Vimos com os próprios olhos seu esplendor majestoso, quando ele recebeu honra e glória da parte de Deus, o Pai. A voz da glória suprema de Deus lhe disse: “Este é meu Filho amado, que me dá grande alegria”. Nós mesmos ouvimos essa voz do céu quando estávamos com ele no monte santo.
Além disso, temos a mensagem que os profetas proclamaram, que é digna de toda confiança. Prestem muita atenção ao que eles escreveram, pois suas palavras são como lâmpada que ilumina um lugar escuro, até que o dia clareie e a estrela da manhã brilhe no coração de vocês. 2Pe 1,16-19

O apóstolo Pedro é o primeiro a aplicar o fato à vida da comunidade. Estamos a alguns decênios da morte e ressurreição de Jesus, na geração sucessiva àquela que foi testemunha dos eventos; circulam entre os cristãos as primeiras dúvidas acerca de Cristo e de sua volta; a comunidade faz a experiência da perseguição. Alguém se pergunta: Como fica a promessa de sua vinda gloriosa, se tudo continua como antes?

Nesta situação, Pedro reafirma a verdade acerca de Jesus Cristo, procurando-a não em especulações teológicas ou através de sutis raciocínios pessoais, mas através da própria experiência. Talvez tenha sido para isto que Jesus quis três testemunhas no alto do monte: Nós fomos testemunhas oculares da sua grandeza […] Nós ouvimos a voz descendo do céu. Assim, aquela experiência se torna prova irrefutável e permite afirmar com certeza que o Senhor não falhará em suas promessas (cf 2Pe 3,9). Eis por que a transfiguração se torna ela mesma “a lâmpada que brilha no escuro” e anuncia o dia que se aproxima.

O significado concreto de tudo isso, hoje, como então, é este: nossa vida de cristãos está permeada de provações; o sofrimento nos acompanha. Muitas vezes, é tanta a escuridão que não se consegue mais divisar o céu; o horizonte da fé parece desaparecer ao longe. Vemos somente a realidade presente que se mostra com toda sua aspereza. É nesta hora que a dor nos cerca com seu espetáculo: dor de gerações passadas, dor atual, dor dos pecadores e dor dos justos … Aos lábios aflora espontânea a pergunta: Por que tudo isto? Por que se Deus é bom, se Deus é Pai? São Pedro nos afirma que também alguns dos primeiros cristãos estavam tentados a dizer. Onde está a promessa de sua vinda? Desde que nossos pais morreram, tudo continua como desde o princípio do mundo (2Pe 3,4).

Nesta prova da fé brilha o Evangelho da Transfiguração, como penhor certíssimo da vitória. Toda esta dor irá acabar. Um dia, cada um de nós, e todo o universo, será transfigurado porque deverá ser como Jesus, deverá assumir o seu modo de ser glorioso e espiritual e formar, aliás, “um só Espírito” com Ele. A dor atual é uma dor de parto, como escreveu São Paulo: Nós que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo (Rm 8,23). Paulo se deixa transportar visivelmente por esse pensamento: Mas todos nós temos o rosto descoberto, refletimos como num espelho a glória do Senhor e nos vemos transformados nessa mesma imagem, sempre mais resplandecentes, pela ação do Espírito do Senhor (2Co 3,18).

Nossa vida cristã se encontra numa tensão entre um “já” e um “ainda não”. O ser, a realidade, ou o “já”, é nosso “ser em Cristo”: por sua graça que estais em Jesus Cristo (1Co 1,30). Com o batismo, foi acrescentada uma nova dimensão ao nosso ser; uma dimensão inteiramente espiritual, mas não, por isso, menos real que aquela que nos foi dada pelo nascimento humano. Nosso ser natural foi revestido de Cristo (cf Gl 3,27). Esta nova realidade consiste numa série de relações seja com o Pai, com Jesus Cristo, e com o Espírito Santo, seja também com os irmãos; nós somos chamados – e o somos realmente – filhos do Pai, membros do corpo de Cristo, templos do Espírito Santo, irmãos entre nós. Este é nosso glorioso e inalienável “já”.

Nós vamos nos ocupar, neste momento, unicamente deste segundo aspecto da vida cristã: “seu vir a ser”; também nós, esquecidos do passado, nos lançamos para o futuro, para a meta que Deus nos indica (cf Fp 3,13ss). Tal meta é: Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim (Gl 2,20). Até que não a tivermos alcançado pessoalmente, de tal meta não podemos falar senão de modo aproximado, com as palavras daqueles que, como Paulo, e alcançaram e fizeram experiência dela; nós estamos ao sopé da montanha e repetimos o que nos contaram aqueles que foram até o cume.

Quem é e como se apresenta a pessoa transformada em Cristo?
É alguém cujo alimento é fazer a vontade do Pai; alguém que se deixa guiar estavelmente e docilmente pelo Espírito, ainda que este o conduza ao deserto, ao Tabor ou ao Getsâmani. A pessoa transformada em Cristo é um ser-humano que ama os irmãos até dar a própria vida por eles (a vida, não a morte! Isto é, o próprio tempo, o afeto, a competência, os bens materiais); a pessoa transformada em Cristo é alguém que se deixou envolver e seduzir apaixonadamente pelo Reino; que nada coloca acima do Reino de Deus; que por ele está disposto a doar tudo sem exigir nenhuma recompensa a não ser a pura e simples amizade com Jesus; alguém que não é mais, portanto, um mercenário que espera a paga por qualquer servicinho, mas um irmão de Jesus; alguém que, no Reino, trabalha para o bem da família.

Isto que descrevo é um objetivo, uma meta! Nós deixamos a Deus que nos faça alcançar esta meta quando Ele quiser, não sabemos se aqui, ou somente depois da morte. Nós queremos, ao invés, nos deter em examinar o caminho que conduz para a meta, porque este nos interessa de perto aqui e agora. Distingo três momentos ou etapas:

Conhecimento de Cristo. O exemplo mais claro da paixão pelo conhecimento de Cristo é o mesmo apóstolo Paulo. Não tendo conhecido Jesus “segundo a carne”, ele concebeu um desejo ainda mais ardente para descobrir o mistério do Mestre que lhe aparecera ressuscitado. Em um texto escreve: Mas tudo isso, que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo. Na verdade, julgo como perda todas as coisas, em comparação com este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo (Fp 3,7-8). Paulo se aprofundou no conhecimento de Cristo ficando sempre mais surpreso pelas “suas insondáveis riquezas”.

Nós também deveríamos conceber uma nova paixão para conhecer Jesus, uma vontade ardente de ouvir falar dEle, julgar – como dizia São Bernardo – sem saber o que não é condimentado com Jesus. Isto nos deveria levar a um relacionamento pessoal vivo e verdadeiro com o Mestre: Jesus visto não mais como uma memória histórica ou personagem, mas como uma pessoa para nós, amigo, como nós somos amigos dele. Dentro do coração deveria nascer o orgulho de ser reconhecidos, no mundo de hoje, como discípulos de Jesus de Nazaré.

Mas como conseguir tal conhecimento vivo de Jesus? Um meio é o da leitura e da escuta assídua de testemunhos apostólicos na Igreja (pastores ordenados, teologia); depois o estudo, sobretudo o estudo da Sagrada Escritura: “a Lei” (isto é, o AT), dizia Santo Agostinho, “está grávida de Cristo”; de outra parte, Jesus é a chave para compreender toda a Bíblia; sem Ele, ela permanece como coberta por um véu (cf 2Co 3,15ss).

Imitação de Cristo. O conhecimento de Jesus é em vista da imitação de Jesus; o próprio Pai no evangelho que meditamos hoje nos convida a seguir Jesus dizendo: Ouçam-no! A cruz ocupa um lugar muito especial neste caminho de imitação; é a chave de tudo e há uma relação direta entre ela e nossa transfiguração em Cristo: Estou pregado à cruz de Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim (Gl 2,19-20). Tornar-se como Jesus na morte é o caminho para alcançar a ressurreição dos mortos, isto é, nossa transfiguração nEle (cf Fp 3,10-11).

A imitação de Jesus deve ser espiritual, não literal; deve chegar até a intimidade de Jesus, até ter os mesmos sentimentos que estavam em Cristo Jesus (cf Fp 2,5): tornar-se alguém que sente como Jesus, que permanece diante do Pai em humildade e obediência como Jesus – Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração (cf Mt 11,29).

Comunhão com Cristo. Qual é o sentido do esforço que fazemos para conhecer e imitar Jesus Cristo? Talvez aquele de conseguir, desse modo, por nosso mérito, a transformação em Cristo? Absolutamente, não! Mas eu me empenho em conquistá-la – diz Paulo – uma vez que também eu fui conquistado por Jesus Cristo (Fp 3,12). Nosso esforço é necessário porque Deus quer construir com nossa liberdade; não quer nos salvar sem nossa colaboração, como Ele nos criou sem nossa participação. Todavia não é nossa vontade de nos salvar, amadurecer, que garante, mas a vontade de Deus; em outras palavras, a graça: Vocês são salvos pela graça, por meio da fé. Isso não vem de vocês; é uma dádiva de Deus (Ef 2,8). É Ele que nos reveste com o manto da salvação (cf Is 61,10), como revestiu o filho pródigo com a veste nova, com o anel no dedo e sandálias nos pés. Com nossas forças apenas ficamos nus e descalços. Nós só podemos encher as talhas de água; só Jesus Cristo, com seu Espírito, pode transformar a água em vinho, isto é, o esforço da imitação em comunhão de vida com Ele.

Tal comunhão de vida com Cristo encontra seu ápice num sacramento: a Eucaristia. Ela é o sacramento por excelência de nossa transfiguração em Cristo. Aparentemente, somos nós que, na Santa Ceia do Senhor, recebemos a Cristo e o assimilamos em nós; na realidade, é Ele que assimila a nós nEle: Assim como o Pai que me enviou vive, e Eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim (Jo 6,57). É o princípio vital mais forte que assimila o mais fraco: o vegetal assimila o mineral, o animal assimila o vegetal, o espiritual – divino – assimila o humano. “O efeito da Eucaristia é nos tornar aquilo que comemos” (São Leão Magno, séc. V); “Não és tu que me assimilarás – diz o Senhor – mas Eu que assimilarei a ti” (Santo Agostinho).

Depois da Eucaristia vem a oração. O evangelho de hoje começava dizendo: Naquele tempo Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e subiu ao monte para orar […]. Jesus não subia ao monte para ser transfigurado, mas para orar; esta fora sua intenção; a Transfiguração foi em certo sentido o efeito esperado, pelo Pai, de sua oração. Enquanto Jesus orava, era inundado de felicidade. É um forte apelo para nós: não há progresso em nossa assimilação a Jesus sem oração e sem aquele tipo de oração que Jesus hoje nos mostrou: a oração feita com calma, no silêncio e, se possível, sozinho. É preciso, ao menos uma vez por dia, um pouco de oração mais demorada que permita o nosso coração tomar contato realmente com Deus. Ao lado do jejum espiritual, da Palavra de Deus, a oração é o terceiro exercício essencial para uma frutuosa preparação da Páscoa cotidiana.

Então, exclamaremos espontaneamente também nós: É bom viver aqui! No entanto, porém, Jesus, como fez com Pedro, Tiago e João, aproxima-se, coloca-nos uma mão sobre o ombro e nos convida a descer do monte. Convida-nos a segui-lo a Jerusalém, isto é, nas provas da vida cotidiana.

Talvez todo o episódio da transfiguração na intenção de Jesus visasse a isto: preparar os discípulos e fortalecê-los na prova que os esperava dali a pouco. Os três apóstolos que havia levado consigo ao monte Tabor eram os mesmos que levara consigo ao Jardim das Oliveiras, onde foi preso na noite da Quinta-feira Santa. Nós que agora nos encontramos com o Senhor e sentamos à mesa com Ele somos, em certo sentido, aqueles discípulos privilegiados admitidos a contemplar a glória de Cristo. Saibamos valorizar este momento para poder depois, como Pedro, confirmar os irmãos titubeantes com nosso testemunho.