“Indo Jesus para a região de Cesareia de Filipe, perguntou a seus discípulos: — Quem os outros dizem que é o Filho do Homem?

Seria possível que um povo, marcado por uma história secular, chegasse a compreender a realidade infinita do Reino de Deus? 

É responsabilidade da Igreja refletir, meditar, discernir a história da redenção pelas Escrituras Sagradas e seus eventos históricos para conseguir testemunhar no poder do Espírito Santo; em especial o nascimento, o Batismo, a paixão, a ressurreição, a ascensão; ou seja, quando faz tempo que o vimos em ação e temos a seu respeito, por assim dizer, “o testemunho das obras” (Jo 5,36). Também durante sua vida Jesus não formulou a pergunta no início, mas mais tarde, quando os discípulos estavam preparados para dar uma resposta.

Assim como com Israel a Igreja dessa geração pode perder a oportunidade de implantar o Reino de Deus por não atentar ao que o Espírito diz às igrejas! Vemos nos evangelhos, que chegou o momento em que, como diz Lucas, “Jesus tomou resolutamente o caminho de Jerusalém” (Lc 9,51). É a viagem decisiva que, do ponto de vista humano, terminará em uma tremenda catástrofe.

Jesus tinha vindo para redimir seu povo, e, por ele, o mundo inteiro. E isso deveria acontecer mediante a entrega na fé e no amor. Mas o povo de Israel não estava preparado, muito menos o mundo; em Sua onisciência Deus conduz a humanidade para atingir o objetivo principal de remissão e reconciliação. O que ocorreu em consequência daquela recusa, o amargo destino da morte, converteu-se em uma nova forma de redenção – aquela que agora é, para nós, a Redenção sem mais.

Como vemos, o evangelho de Mateus relata o seguinte episódio:

E eles responderam: — Uns dizem que é João Batista; outros dizem que é Elias; e outros dizem que é Jeremias ou um dos profetas. Ao que Jesus perguntou: — E vocês, quem dizem que eu sou? Respondendo, Simão Pedro disse: — O senhor é o Cristo, o Filho do Deus vivo. Então Jesus lhe afirmou: — Bem-aventurado é você, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que revelaram isso a você, mas meu Pai, que está nos céus. Também eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu lhe darei as chaves do Reino dos Céus; o que você ligar na terra terá sido ligado nos céus; e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus. Então Jesus ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Cristo. (Mateus 16,14-20)

Concretamente toda nossa atenção acerca das duas perguntas de Jesus: “No dizer do povo quem é o Filho do Homem?” Ele, o Vivente, está ainda em condições de interrogar os homens. Não é, por isso, uma ficção do espírito se aquelas perguntas as ouvimos como dirigidas a nós, aqui, agora.

O povo, quem diz que eu seja? O povo (literalmente: “os homens”) compreende, aqui, aqueles de fora, aqueles que ouviram falar de Jesus ou o viram, mas não aderiram a ele. Tem talvez necessidade de nós o Senhor saber o que pensam dele os homens? Não, certamente; aquela pergunta serve antes para nós crermos. Para alguma finalidade que devemos descobrir em seguida, Jesus nos estimula, portanto, a indagar o que dizem dele os homens, nossos contemporâneos. 

Como descrevem Jesus de Nazaré as pessoas de hoje? As respostas são muitas e muitas vezes difíceis de decifrar. Nós queremos pinçar algumas mais comuns. Antes de tudo, a voz dos jovens. Quem foi Jesus para a geração dos jovens que tanto movimentou o decênio recém-passado (falamos sempre “daqueles de fora!”) afirma-o melhor do que todos Madalena, num filme realizado por eles e para eles: “É um homem, é somente um homem” (Jesus Christ Superstar). É a humanização total de Cristo! Um homem que é obrigado a olhar ao redor sentindo-se sozinho, a olhar para trás sentindo-se cansado; um homem sem compromissos, com os sentimentos limpos, fascinante, o único sem nódoas de hipocrisia; um homem que não despreza nem mesmo o sentimento muito humano manifestado a ele por parte de uma mulher – Madalena – mas à qual basta aquele fio tênue para transformar uma pessoa e fazê-la exclamar, como a alguém que surge então para a existência: “Estou mudada; sou outra”.

Basta, para isto, a definição: “um homem, somente um homem”? No fim, percebemos que não basta, e eis que voltam a despontar todas as perguntas: “Mas quem és tu, Jesus? És realmente aquilo que dizem que és? Tinhas previsto morrer desta forma: houve um erro ou aconteceu alguma outra coisa?” O horizonte, portanto, continua ainda aberto: o Jesus dos jovens é restritivo; é um Jesus que está entre os homens – isto é correto – mas há algo nele que vai além daquele horizonte, também se não se tem nem os meios nem a vontade de conduzir até lá a pesquisa.

Quem é Jesus de Nazaré? Há hoje também quem a esta pergunta, responde como então: um profeta! São os “políticos”, alguns pensadores que abandonaram os preconceitos anticristãos, ou, simplesmente, homens comprometidos com um mundo mais justo. Profeta, entende-se, da história, não de Deus. Aquele que rompeu os tabus e os medos, que deu uma consciência e uma voz aos marginalizados e oprimidos, preparando assim, de longe, sua vitória e sua libertação. É o Jesus mártir político, mas mártir porque rebelde; zelote que combateu ao lado dos zelotes para libertação da sua terra do imperialismo romano e da opressão econômica. Foi a imagem de Jesus com a qual se identificou toda uma geração de ideólogos da revolução e da mudança social.

Quem é Jesus de Nazaré? A terceira resposta é a dos sábios: “filósofos e teólogos”. “O homem livre que, na Páscoa, contagia as pessoas com sua liberdade”, respondeu um deles (P. van Buren). Mas era um Jesus “ateu”, nascido da “morte de Deus”; assim, aquela definição, embora linda, logo foi rejeitada. “O homem integral”, disse outro (P. Schoonemberg): isto é, uma pessoa que realizou completamente todas as possibilidades do homem e que pode, por isso, colocar-se como sentido e modelo da existência humana; alguém em quem Deus se tornou presente de uma maneira total e definitiva (em outras palavras, alguém que não “é” Deus, mas no qual “há” Deus!)

Isto mais ou menos o que o “povo” diz de Jesus hoje. Se a Cristo tivesse realmente importado o que dizia dele o povo, devia ter parado por ali e considerar-se satisfeito. Ao invés, como se descobrisse então sua verdadeira intenção, fez outra pesquisa: E vós, quem dizeis que eu sou? “Vós”, isto é, os discípulos que o conheceram de perto, que escutaram sua Palavra. Deles Nosso Senhor espera claramente uma resposta diferente daquela do povo.

Também hoje Jesus não se contenta que nós saibamos o que diz dele a cultura; quer a nossa resposta, de nós que cremos nele e que nele colocamos nossa esperança. A resposta não se deve certamente inventar; há aquela que deu um dia Pedro: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. Nesta há, em germe, toda a cristologia. Aquela resposta, revivida e aprofundada por todas as gerações cristãs que nos precederam, proclamada pelos concílios e pelos líderes da Igreja, chegou até nós, e nós recebemos, cremos e declaramos: Jesus não é somente um homem, ou um profeta; é mais do que um profeta – é Deus conosco.

Esta é, portanto, a resposta de fé à pergunta: Quem é Jesus? O que significam as respostas do “povo” ouvidas no início? Elas não representam a “fé”; representam a “pesquisa”; não vem de cima, do “Pai” que está nos céus, mas da terra, “da carne e do sangue” (entendidos, estes, também em sentido positivo como interrogações honestas sobre a figura de Jesus Cristo à luz da experiência, da razão, ou também da própria ideologia). Entre as duas respostas sobre Jesus, há a mesma diferença que havia entre os magos caminhando para Belém e os magos regressando de Belém: os primeiros “iam se informando diligentemente sobre o Menino”, os segundos, “tendo-o encontrado, o adoraram”, considerando-o Deus.

Neste ponto, porém, situa-se nosso perigo mais grave: há uma resposta acerca de Jesus tão antiga quanto a Igreja: nós, portanto, a fazemos nossa e repetimos, certos de, assim, ter finalmente resolvido o problema e ter colocado um ponto final a qualquer interrogação. Mas isto absolutamente não basta! Aquela resposta de fé acaba morrendo se não é continuamente renovada, revivida e, por assim dizer, transplantada de geração em geração, de cultura em cultura que se sucedem no cenário do mundo. E mais: aquela resposta, também se vivida em si mesma, se torna insignificante para mim se não a torno minha, se não a interiorizo, mas prefiro continuar a repeti-la mecanicamente (quando assim o faço), como uma poesia aprendida de cor. 

Devemos, por isso, sair ao ar livre; não podemos nos abrigar atrás de uma fé “pela mediação de uma pessoa”, fosse embora a pessoa mais importante em nossa história de conversão. É a mim, cristão, individualmente, à minha liberdade e à minha fé que Jesus pede hoje: Tu, quem dizes que eu seja? A uma pergunta dessas não se pode responder repetindo somente o que diz “o povo” ou aquilo que diz a “Igreja”. 

Chegados a este ponto, deveríamos, portanto, acabar com a reflexão e iniciar com o testemunho; colocar junto as nossas experiências de Jesus, como fizeram os discípulos após a ressurreição, quando se contavam um ao outro: apareceu também a mim! Eu o reconheci ao partir do pão! Nosso coração ardia no peito enquanto nos falava! Foi assim que nasceu a fé da Igreja e é assim que cada vez se purifica: colocando junto a fé de todos os que creem, o comum sensus fidelium (aptidão pessoal que tem um fiel, no seio da comunhão da Igreja, para discernir a verdade da fé), como um edifício sempre novo que repousa sobre o fundamento dos apóstolos e é vivificado e unido pelo Espírito Santo.

Há um ponto que deve ser tomado em consideração: aquelas respostas do “povo”. Dissemos que elas expressam a pesquisa, não a fé, o caminho não a meta. Mas podemos nos contentar com isso? É realmente inútil aquele “interrogar-se a respeito do Menino” para quem, como nós, já encontrou “o Menino com sua mãe”? Não, certamente. Em certo sentido, elas são indispensáveis à fé da Igreja, como o arado que remove o terreno e revolve os torrões é indispensável à terra para extrair suas riquezas ocultas, para receber o ar e a chuva e preparar assim uma nova colheita. 

A pesquisa renova a fé e, sobretudo, a encarna. Jesus Cristo se tornaria pouco a pouco uma figueira evanescente e apagada se os homens deixassem de se colocar questões a respeito dele, de repensar sua pessoa à luz dos problemas e das exigências sempre novas que afloram na história. Este trabalho, os não crentes – “o povo” – sem querer, o fazem também para nós. Eles sempre levantam novas perguntas em torno de Cristo, obrigando-nos a dar sempre novas respostas. Quantas coisas nos fez descobrir aquela humanização de Jesus feita pelos jovens e a sua historicização operada pelos promotores de Jesus “crucifixo político!”. Certo, eram respostas parciais e insuficientes, muitas vezes condicionadas por exigências e modas do momento – eram, enfim “heresias” – e, neste sentido, a Igreja tem razão em alertar sobre elas. 

Mas sem estas vozes destoantes e por vezes provocadoras teríamos talvez descoberto que o Evangelho tem uma importância também para a área social e política dos cristãos? Teríamos talvez pensado até que ponto “o mediador entre Deus e os homens” foi de verdade um homem, precisamente “o homem Jesus Cristo”? (cf 1Tm 2,5). Estes pararam no sinal, como quem mói farinha e prepara o pão para a Eucaristia; mas, fazendo assim, permitiram-nos descobrir sempre melhor o sacramento, isto é, a realidade escondida de Jesus, sua divindade. Aproximaram-se de Jesus “por trás”, tocando só “a orla de seu manto”, como aquela mulher que sofria perda de sangue (cf Mc 5,25ss); mas quem pode dizer que, sentindo-se tocar pela orla de sua humanidade, Jesus não se volte também a eles e não se deixe descobrir totalmente?

“O senhor é o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Jesus é o Cristo, o Messias, o Ungido por excelência. Ele é o Rei. Seu reino é o conjunto dos corações submetidos a Deus, o mundo que se transforma através dos corações governados por Deus … É o sacerdote, o cristão que eleva ao Pai o coração do homem em uma entrega de amor, na purificação de sua vida, na santificação do seu caráter, e oferece a sua família, igreja e sociedade,  a graça de Deus, para que toda a sua existência se converta em um mistério de comunhão … E tudo isso sem imposição, mas com o poder profético do amor e da verdade que é “espírito e vida” (Jo 4,24).

A figura do Messias tem um significado infinito. O que é decisivo nele não é a palavra que pronuncia, a obra que realiza, a instrução que oferece, mas ele mesmo, aquilo que ele é. Nele, o vivente, o céu fala à terra. Nele, a vontade humana converge para Deus. Esses dois mundos se encontram, e nesse ponto de encontro está Ele. Ou melhor, esse encontro se dá precisamente nele. Ele é o mediador. Entre o homem e o Deus da revelação não há nenhuma relação direta de perdão ou de arrependimento. É somente através do Mediador que se abre um caminho que vai do homem a Deus, e do Santo vem a nós. Sua transcendência infinita se deve à sua total abnegação. Ele não vive para si mesmo, mas somente para a glória do Pai e a salvação de seus irmãos. 

A fórmula que exprime a condição de mediador é “por vós”. Ele é, essencialmente, sacrifício. Seu ser consiste em ser “entregue”. A maneira como se realizará esse sacrifício depende do rumo da história. A decisão do homem e a vontade de Deus, indissoluvelmente entrelaçadas, o determinam. O sacrifício pode acontecer simplesmente mediante o amor, se os homens crerem; mas, se os homens se fecham, será realizado mediante o aniquilamento da morte.

Agora devemos concluir nossa reflexão. O trecho evangélico terminava com estas palavras: Então ordenou aos seus discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Cristo. Então era necessário que os discípulos calassem aquele “segredo messiânico”, porque o povo não estava preparado para recebê-lo. 

A uma geração que não está preparado para conhecê-Lo, a conquista do mundo não se realizará pela irrupção, nos corações, da luz e do ardor divinos, mas pelo triunfo do ódio. A coroa do rei messiânico se converte em coroa de espinhos. A nós, seus discípulos, Jesus manda que digamos a todos que ele é o Cristo: e dizê-lo, sobretudo, ao povo que continua a se perguntar quem é Jesus de Nazaré; sabendo, porém, que será necessário receber a nossa autoridade espiritual pela coroa de espinhos, tomar nossa cruz e segui-lo até o Calvário. Só depois experimentaremos o poder da ressurreição!