Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes brotará um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor. Ele terá o seu prazer no temor do Senhor. Não julgará segundo a aparência, nem decidirá pelo que ouviu dizer, mas julgará com justiça os pobres e decidirá com equidade a favor dos mansos da terra. Castigará a terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso. O cinto dele será a justiça, e a verdade será a faixa na cintura. Isaías 11,1-5

Proponho ouvirmos as vozes dos dois maiores pregadores do Advento: Isaías e João Batista. Isaías pregou a vinda do Senhor muito tempo antes. Seu anúncio alimentou a expectativa de gerações. Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho. João Batista foi aquele que anunciou a vinda iminente e já em ato do Senhor. Está para chegar alguém […]. O vínculo entre os dois precursores está na profecia de Isaías que Mateus aplica a João: “Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas!”.

Todo advento quer seu precursor, o arauto prepara os ânimos, desperta a atenção, para que aquele que venha seja esperado, desejado e acolhido, e que sua vinda não passe despercebida. Na Antiguidade, quando um personagem (geralmente um imperador), estava para chegar numa cidade em visita oficial, precisava que houvesse um enviado para precedê-lo e convidar a população para sair-lhe ao encontro, arrumar estradas e pontes para sua passagem. Haverá precursores (a Lua, os astros, os sinais do céu) da última vinda. Mas há uma vinda de Jesus que está acontecendo na história. É aquela vinda do esposo, no momento presente, na Igreja e nos crentes dos quais meditamos no artigo passado (Advento – Um tempo para refletir sobre a vinda do Senhor e a Vigilância), que está no centro entre a vinda histórica do Redentor e aquela futura que esperamos. É a vinda de Jesus, pelo sacramento da Eucaristia, e a vinda pessoal de Jesus para cada pessoa através de seu amor, de sua palavra, de sua graça, através dos eventos do mundo. A vinda à qual é preciso ir ao encontro com nossa resposta e com nossa decisão de cada dia.

Também por esta vinda silenciosa e contínua ao mundo e aos homens, Jesus tem necessidade de precursores. Para essa tarefa fomos todos consagrados no dia do batismo. Jesus foi à casa de João e o santificou desde a origem, diretamente no seio materno, para que ele fosse depois seu corajoso arauto e anunciador. Assim fez também conosco. Com o batismo, escolheu-nos, remiu-nos e santificou-nos no alvorecer da vida, para que fôssemos seus precursores no mundo. Devemos, portanto, ser dele precursores, gente que aplaina a estrada e suscita uma espera.

João Batista, o precursor por excelência, nos ajudará a compreender de que modo também podemos ser precursores para Jesus. Nossa próxima leitura começa assim: Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia. Dizia ele: “Arrependam-se porque está próximo o Reino dos Céus”. Eis o que nós também devemos dizer ao mundo: o reino dos céus está próximo; aliás, nós devemos acentuar com força, como fez o próprio Jesus depois de João: O Reino dos céus já está no meio de vocês; está acontecendo, está caminhando no mundo. A coisa mais importante não é mais esperá-lo e preparar-se, mas entrar nele, mesmo a custo de renúncias e sacrifícios: O Reino dos Céus é tomado à força e os que usam de força se apoderam dele (Mt 11,12).

Anunciando a missão de João, no momento do seu nascimento, o Pai Zacarias cantou: E você, menino, será chamado profeta do Altíssimo, porque precederá o Senhor, preparando-lhe os caminhos, para dar ao seu povo conhecimento da salvação, por meio da remissão dos seus pecados, graças à profunda misericórdia de nosso Deus, pela qual nos visitará o sol nascente das alturas (Lc 1,76-78). A quem lhe pedia: Tu quem és? – João respondia: Eu sou a voz daquele que grita no deserto. A vida de João foi toda voz para gritar a seus contemporâneos esta maravilhosa notícia da salvação mediante a remissão dos pecados: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Ele se inflamava ao apresentar Jesus, fazendo com que o povo o desejasse, suscitando a espera e a necessidade dele: Depois vem alguém que é mais do que eu; eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo. O arauto e “amigo do esposo” vive todo para ele e quando o esposo entra em cena se retira após sua chegada: Eu não sou digno de desatar-lhe os cadarços das sandálias.

Desde menino João é chamado a uma existência grandiosa e difícil. A mão do Senhor pousou sobre ele, afastando-o de tudo o que constitui normalmente a vida de um homem e destinando-o à solidão do deserto. Ali vive ele, como um anacoreta, na mais rigorosa austeridade, fortalecendo-se em espírito, com todo o seu ser concentrado na vontade de Deus que o dirige e que o marcou para Si.

Para compreender o caráter dessa vida, será preciso ler os livros de Samuel e os Reis, e familiarizar-se com antigos profetas como Samuel, Elias ou Eliseu, que, cativado pelo Espírito, tiveram uma vida sobre-humana: elevados a uma altura inacessível e dominadora, iluminados por uma sabedoria inefável, capacitados para realizar uma obra grandiosa, foram também desprezados e tornados impotentes, segundo convinha ao Espírito; plenos de uma grandeza que excede toda a medida humana, e humilhados abaixo de todo limite humano; sem ambicionar nada para si, totalmente a serviço do poder que os governava, em função do mistério da providência divina que guiava o povo … Tal é também João, o último de sua série, com a peculiaridade de que o acontecimento que ele anuncia é agora iminente. Por toda a parte se faz sentir o que os evangelistas chamam “a plenitude dos tempos” (Mc 1,15; Gl 4,4). É para isso que João vive; é para isso que aponta. Dentre os profetas que anunciam o Messias, ele é o único que pode dizer: “É este”.

Ser profeta significa proclamar aquilo que o Senhor manda, a tempo e fora de tempo. Por isso, João dirige suas críticas contra Herodes, um dos quatro príncipes do país. É um homem dissoluto, violento, corrompido pelo poder e pela insegurança interior, como a maior parte das pessoas de sua espécie. Roubou a mulher de seu irmão, Herodíades, e vive com ela. João o repreende: “Isso não te é lícito”. O delito de reprovar algo a um príncipe, e a ousadia – ainda maior – de se opor à paixão de uma mulher, não pode ficar sem castigo. Por isso, João acaba na prisão. Mas Herodes se sente atraído pelo mistério desse homem, manda chamá-lo com frequência e conversa com ele, mas não tem a coragem necessária para sair do lamaçal em que se encontra (Mc 6,17-21).

O perverso teme o bom porque o bem é uma censura constante à suas consciências. O ímpio gosta da religião da mesma maneira que gosta de leões, mortos ou enjaulados; temem a religião quando ela liberta e começa a desafiar suas consciências. Herodes era o mundano típico que convocava os chamados “sábios de túnica” (como Félix convocou Paulo); amavam o brilhantismo, os volteios das expressões e a sabedoria abstrata, mas tão logo esses homens começassem a tornar os ensinamentos de Cristo concretos e pessoais, eram imediatamente mandados embora com as palavras “intensos demais”, “intolerantes” ou “sabia que, na verdade, ele tentou me converter?”. Herodes, que sempre buscava novos estímulos e agitações, convidou a corte para ouvir esse pregador vibrante que era moda na época. Que texto João Batista escolheria? Falaria sobre o amor fraterno (sem a paternidade de Deus), sobre a necessidade de reduzir os exércitos ou sobre a grande necessidade de uma reforma econômica na Galileia? João sabia que tudo isso era importante, mas sabia que algo era ainda mais importante; portanto, decidiu se dedicar às consciências.

  • Se havia um assunto que, do ponto de vista mundano, João teria feito muito bem em evitar na corte, era essa situação. Entretanto, João estava inclinado a agradar a Deus, não aos homens, e resolveu falar contra a vida de luxúria. Era demasiado gentil para desculpar o pecado de Herodes, demasiado interessado na saúde moral para deixar a ferida sem exame, demasiado amoroso para ter alguma ideia senão salvar a alma de Herodes. João seguiu o ensinamento de Nosso Senhor de que o casamento era sagrado e indissolúvel: “O que Deus uniu, nenhum homem separe”. Foi direto ao ponto com palavras claras, resolutas e bruscas. Apontou o dedo para Herodes e sua mulher, sentados em tronos de ouro, e disse: Não te é permitido ter a mulher de teu irmão. (São Marcos 6,18).
  • Assim, João, o poderoso profeta, continua na prisão. Um dia envia mensageiros a Jesus para perguntar-lhe: “És tu aquele que devia vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3). Há quem diga que João fez isso por seus discípulos, para que fossem até o “anunciado” e ouvissem de seus próprios lábios a confirmação. É possível. Mas também pode ser que ele o tenha feito por iniciativa pessoal, o que não estaria absolutamente em contradição com seu próprio ministério.

Muitas vezes se imagina a iluminação profética como se ela conferisse um saber imutável; como se o profeta fosse tão completamente arrebatado pelo Espírito, que já não houvesse lugar para qualquer hesitação. Mas, na verdade, a vida do profeta é agitada por tribulações de todo tipo e carregada de muitas misérias. Algumas vezes, o Espírito o eleva acima de toda excelência humana; ilumina-o e lhe confere uma força que convulsiona a história. Outras vezes, porém, mergulha-o de novo nas trevas e na impotência, como Elias quando se refugiou sob uma moita no deserto e desejou a morte. Não há descrição mais forte e mais impressionante do profetismo e de seu destino do que a que se vê em 1Rs 17 – 19.

Talvez a pergunta de João tenha sido motivada por sua própria perplexidade; nesse caso, sua mensagem para Jesus pode ter sido consequência das horas de angústia que então vivia. E Jesus responde: “Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos veem, os aleijados andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas-novas são pregadas aos pobres” (Mt 11,4-5). Essas palavras são tiradas do livro do profeta Isaías (Is 61,1-4), e o último dos profetas sabe bem o que significam.

Caminhar no deserto, na aridez, na solidão, naquele espaço e momento, no qual fico sozinho comigo mesmo, é o caminho existencial que conduz ao encontro com Deus: “aplainai na solidão a estrada de nosso Deus”. No deserto existencial, não existem caminhos. Eles precisam ser construídos. Construir esse caminho é refazer pessoalmente a experiência do Êxodo, abandonando a realidade opressora pela serenidade de viver livre. O Êxodo leva-nos a experienciar como Deus acompanha a caminhada sem impedir a realidade de vales e montanhas do caminho). Aqui, está o segredo da vida, aqui está a finalidade da conversão: quem busca o rosto de Deus, quem O pretende encontrar precisa entrar no deserto para aprender a aplainar caminhos; mudar de vida.

João Batista levou a sério a profecia de Isaías de aplainar, na solidão, a estrada de Deus (Is 40,1-5.9-11 e Mc 1,1-8); foi para a solidão do deserto. Antes de pregar a conversão, foi fazer experiência de solidão e de deserto para encontrar-se consigo e com Deus. João Batista estimula a busca da solidão do deserto, onde o silêncio e o nada educam para o “Todo”, é início de um caminho espiritual, é o primeiro passo para que o mal não contamine o coração e impeça construir caminhos retos e plainos (Mc 1,1-8). Jesus foi para a solidão do deserto: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão, e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito” (Lc 4,1). São Lucas relata o momento de angústia de Jesus no Monte das Oliveiras (cf Lc 22,39-46). Teresa D’Avila viveu essa experiência e testemunhou: “Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, a paciência tudo alcança. A quem tem Deus nada falta, só Deus basta”.

Quando a pergunta chegou a Nosso Senhor, Ele não a respondeu com a promessa de que João seria libertado da prisão, ou que Ele mesmo destruiria os inimigos. Respondeu apenas indicando a própria obra de cura, consolo e instrução; e completa o Senhor: bem-aventurado é aquele para quem eu não for ocasião de queda! (São Lucas 7,22-23). A divindade e seus caminhos sempre serão motivo para escândalo entre os homens. A pobreza e a insignificância mundana de Nosso Senhor foram a primeira objeção a seu Evangelho. Esse preconceito surgiu da própria concepção falsa do poder e da majestade de Deus, como se a realização de seus propósitos realmente dependesse dos meios que o mundo associa ao sucesso. Com efeito, Cristo dava uma resposta abrangente aos discípulos de João, apontando tanto para Suas obras e palavras como para Seus milagres e ensinamentos. Os milagres não eram somente coisas para nos maravilhar; ao contrário, eram sinais do Reino Divino de justiça e misericórdia; e o poder pelo qual Ele os efetuou seria um poder além da natureza, que podia controlar a natureza. O ensinamento, em particular, seria outra prova de Sua divindade: o pobre teria o evangelho que lhe fora proclamado.

Isso é especialmente significativo porque pobreza é outra palavra para a imperfeição e fraqueza humanas. Os fortes de corpo, os que possuem um intelecto sagaz e os que têm os favores da terra são aqueles que recebem a recompensa neste mundo; mas o pobre e o fraco muitas vezes têm fome e sofrem. Cristo dizia que no seu reino dos céus haveria um evangelho para o pobre. Deus tem outro mundo em que repara as desigualdades deste. Enquanto ao homem rico é dito que, se desejar ir para o céu, deve dividir suas riquezas por causa do Cristo, ao pobre é dito que seu cansaço e sofrimento, sua labuta e dissabores, unidos à cruz, trariam paz interior e recompensa.

Por três vezes Nosso Senhor perguntou “que fostes ver?” (cf Lc 7,24-28). Esse foi o erro deles; ao professar um desejo de conhecer a vontade de Deus, estiveram realmente inclinados a visões e espetáculos ao desfrutar das maravilhas e da popularidade do mensageiro. Saíram para ver alguém, não para ouvir alguém; para satisfazer a concupiscência dos olhos, mas não para imitar a temperança e a abnegação do Batista.

Nosso Senhor estava dizendo à multidão que São João não fizera essa pergunta da prisão simplesmente porque era um junco sacudido pelo vento da opinião pública ou porque era alguém que se importava com o bem-estar físico, como os cortesãos da casa de Herodes. João não era um caniço frívolo sacudido por cada rajada de aclamação popular. Fazia suas reprimendas sem temor; não era somente severo com os outros, era ainda mais severo consigo mesmo. Poderia ter morado na casa de reis e, mesmo assim, fez do deserto seu lar. Em relação a Deus, ele era um profeta e mais que um profeta — o precursor e mensageiro do Messias e do Filho de Deus.

A grandeza pode ser dividida em dois tipos: a terrena e a celestial. Se a grandeza de João tivesse sido terrena, teria vivido em palácios, as vestes teriam sido espalhafatosas e as opiniões, provavelmente, teriam sido variáveis como um junco, soprado, um dia, para uma filosofia popular e, no outro dia, para outra. No entanto, sua grandeza foi de uma ordem divina e a superioridade não foi somente em sua pessoa, mas na obra imutável e na missão de anunciar o Cordeiro de Deus.

Agostinho explicou bem esse processo de transformação vivido por João Batista e por todo precursor: o papel da voz de quem profetiza é ser um meio, serve para transmitir a palavra, a ideia que se formou dentro dele. Quando esta palavra entrou no coração do outro, comunicou-se ao outro, a voz cala, se apaga. Assim é do precursor: quando a Palavra, isto é, Cristo, faz seu comparecimento, retira-se. Sua presença torna-se um estorvo. O precursor deve saber retirar-se em tempo; não deve permitir que se apeguem a ele, que fiquem com ele, sabendo que ele não é o salvador de ninguém.

Missão maravilhosa para os discípulos de Cristo é comunicar ao mundo o conhecimento, ou melhor, a certeza da salvação! Dizer aos homens: No meio de vós encontra-se alguém que vós não conheceis: alguém que vos procura e vos pode tornar felizes, o único que tem palavras de vida eterna e nunca engana!

Devemos então todos colocar-nos a pregar, a gritar como João Batista: Convertam-se? Sim, todos pregadores, mas não necessariamente com palavras. Antes de começar a pregar aos outros a conversão e ao arrependimento, João realizou e viveu este estado de conversão. Antes de começar a “clamar” no deserto, ele “viveu” em silêncio no deserto; preparou os caminhos do Senhor em si mesmo e lhe aplainou a estrada para o interior de seu coração, antes de exortar os outros a fazer a mesma coisa: O menino foi crescendo e fortificava-se em espírito, e viveu nos desertos até o dia em que se apresentou diante de Israel (Lc 1,80). Exatamente como fez Jesus de Nazaré. Também nós, antes de nos colocar em “estado de confissão”, devemos colocar-nos em “estado de conversão”. Devemos, enfim, converter-nos, antes de falar aos outros da necessidade de conversão.

O momento mais lindo da vida do precursor foi quando se encontrou com o Mestre, quando o viu aproximar-se dele e exclamou: Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo, eis aquele do qual eu vos falava. Também para nós está para se realizar este encontro. Na comunhão, o acolhemos com as mesmas palavras de João Batista: Eis o Cordeiro de Deus [...]. Que ele nos encha o coração de alegria e de coragem para podermos ser seus precursores no mundo.