“Busquem o Senhor enquanto podem achá-lo; invoquem-no agora, enquanto ele está perto. Que os perversos mudem de conduta e deixem de lado até mesmo a ideia de fazer o mal. Que se voltem para o Senhor, para que ele tenha misericórdia deles; sim, voltem-se para nosso Deus, pois ele os perdoará generosamente” Isaías 55,6-7

Abrimos nossa reflexão de hoje com as palavras solenes do profeta Isaías. Encontramo-nos de imediato frente a frente com Deus que nos fala em primeira pessoa: “Meus pensamentos são muito diferentes dos seus”, diz o Senhor, “e meus caminhos vão muito além de seus caminhos” (v.8)

O salmista reforça: “Grande é o Senhor! Ele é digno de muito louvor! É impossível medir sua grandeza” (Sl 145,3). Deus é grande, compassivo e cheio de bondade. A sua justiça leva-o a aproximar-se dos homens que o invocam de todo o coração.

Grande, justo, bom, santo. Assim também Jesus orava e louvava o Pai. Agora, porém, podemos compreender o que visa essa meditação com uma preparação tão nobre: sensibilizar a mente (inteligência) e o coração (vontade) para compreender as Palavras de Jesus: “Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (Mateus 20,16). Trata-se de uma introdução ao Evangelho! O contexto do evangelho em destaque (Mt 20,1-16) nos faz ver, com efeito, exatamente isto; que nossos caminhos não são os caminhos de Deus, nem nossos pensamentos, seus pensamentos.

Esta é uma das parábolas mais discutidas no Evangelho. Vamos retomá-la brevemente para esclarecer alguns detalhes concretos que a inspiravam. A cena é muito familiar, tanto para Jesus como para seus ouvintes. É o tempo da vindima. Há necessidade de muita mão de obra; o proprietário de um grande parreiral vai à praça da cidade, certo de lá encontrar pessoas desempregadas. O primeiro grupo foi convocado ao amanhecer, o último às cinco da tarde. 

Com os primeiros combina um denário, com os outros “o que é justo” – isto é, como os interessados terão pensado – menos de um denário. Mas eis a surpresa: ao entardecer, os últimos recebem também eles um denário como os primeiros. Estes, indignados, organizam uma delegação e vão protestar contra o patrão, arrastando consigo também os últimos chegados que não tinham nenhum motivo para protestar. O patrão se justifica com calma e conclui dizendo ao mais alvoroçado de todos: “você, talvez, fica magoado por eu ser bom?”.

Jesus toma um episódio da vida diária e o transforma em Palavra de Deus: imaginação em uma revelação. Dissemos que hoje o tema central da reflexão é o seguinte: os pensamentos de Deus não são os pensamentos do homem. Pois bem, onde se situa o pensamento de Deus nesta parábola? No momento em que o dono faz o pagamento igual para todos! Mas, injustamente, porque o que Jesus quer sublinhar é algo diferente: a grande recompensa para os últimos! É por esse lado que se deve procurar a resposta. Por que age assim?

A resposta está no fim: “Porque eu sou bom!”.

Há uma vinha onde cada um pode chegar à hora que entender e começar a trabalhar. É uma vinha onde todos têm lugar. Uma vinha onde todos têm trabalho e salário. Uma vinha onde todos são bem-vindos.

Há uma vinha que precisa de braços para trabalhar. O proprietário desta vinha chama cada um pelo seu nome e paga generosamente.

Há uma vinha onde eu posso entrar e trabalhar porque o proprietário é generoso.

A justiça paga conforme o merecido, a bondade olha a necessidade. Os últimos contratados são culpáveis por ficarem na praça ociosos esperando o patrão para contratá-los, em vez de eles o procurarem. Porém, o patrão, mais que vigiar sua culpa, olha para sua necessidade. O salário de uma hora – um quinto ou menos de um denário – não é suficiente para a manutenção de uma família; seus filhos ficarão com fome quando o pai voltar para casa de mãos vazias. O dono se compadece de sua pobreza e por isso manda pagar uma diária inteira. A parábola não descreve um ato arbitrário, mas um gesto de uma pessoa cheia de bondade, generosa e de fina sensibilidade para com os pobres. Deus é assim! – quis dizer Jesus; é tão bom que faz participar de seu Reino também os publicanos e pecadores.

Para Jesus, Deus é como um proprietário que sai continuamente para contratar trabalhadores para a vinha. Contrata todos os que encontra, independentemente da hora e da situação de cada um. Contrata até os que ninguém quer e a todos dá o mesmo salário, a sua graça, a sua misericórdia, o seu amor, que são tudo o que cada homem precisa para viver cada dia.

Mas eis que logo aparecem os pensamentos do homem. Eles constituem o segundo ponto mais evidenciado pela parábola e se manifestam pela murmuração dos primeiros contratados. Jesus refere-se aos fariseus que se escandalizavam pela sua atitude em se dirigir a pessoas à margem da religião ou fora dela: os publicanos e pecadores. O meu modo de agir – quer dizer Jesus – copia o de Deus; ele é bom e por isso eu também o sou. Bem-aventurado aquele para quem eu não for ocasião de queda! (Mt 11,6).

Esses homens têm inveja da bondade de Deus; gostariam que fosse prerrogativa só sua e se escandalizam de que Deus (e Jesus Cristo) se mostre tão generoso com quem, segundo eles, não o merece. A parábola evangélica que refletimos nasceu desta situação que se criou ao redor de Jesus de Nazaré: justificar a Boa-Nova do Reino das contínuas acusações dos adversários. Agindo assim, quanta luz de revelação irradiou a parábola – luz de como é Deus, luz para saber quem é Jesus Cristo, luz sobre como são feitos os homens.

Agora uma pergunta que da Sagrada Escritura nos deve levar diretamente para a vida, do tempo de Jesus ao nosso tempo. Um dia os apóstolos pediram a Jesus: Senhor, esta parábola é só para nós ou também para todos? (Lc 12,41); o mesmo nos perguntamos nós agora: para quem é dirigida esta parábola?

A resposta nos dá implicitamente o evangelista Mateus e a Igreja primitiva. Eles aplicaram a si o que Jesus dissera um dia aos fariseus. 

Infeliz daquele que se escandaliza da ação de Deus! A tentação se apresentou à Igreja primitiva sob outra forma: aquele Jesus que outrora se dirigia aos publicanos e pecadores agora impelia seus discípulos a ir aos incircuncisos e aos pagãos. Os convidados da última hora agora se tornavam, de repente, herdeiros do Reino com os mesmos direitos do antigo povo eleito (cf Ef 3,6s). Os Atos dos Apóstolos nos narram a dificuldade da Igreja judeu-cristã de superar este obstáculo, tendo à frente o apóstolo São Paulo.

Se a Igreja primitiva aplicou a si com tanta coragem a parábola que Jesus tinha contado aos fariseus, quer dizer que também nós devemos aplicá-la à nossa Igreja de hoje. A pedra de escândalo – recordemos – foi a atitude de Jesus (e, portanto, de Deus!) para com os “outros”, os assim chamados inimigos da religião. Aqui os pensamentos de Deus divergem dos pensamentos dos homens. Ele não permite que se crie inimigos: não aceita, absolutamente, que alguém ponha limites à sua bondade e decide quem está com Ele e quem está contra Ele.

Os protetores da religião não podem pretender ser também protetores de Deus, como certos ministros poderosos entre nós que decidem sozinhos a quem admitir ou proibir o acesso junto ao seu superior.

Quem não vê parta onde nos leva esse raciocínio? Nós, os assim chamados homens de Deus, ou mesmo simplesmente cristãos “praticantes”, estamos envolvidos na tentação de sempre e é tão bonito perceber que a palavra de Cristo é ainda tão “viva e eficaz” a ponto de no-lo fazer compreender e de induzir-nos à autocrítica. Hoje, “os outros”, os últimos, aqueles que passam o dia na praça no ócio (ou esbravejando) têm outros nomes; sem nos aperceber, acabamos por considerá-los, às vezes, inimigos de Deus e irrecuperáveis para Ele, somente porque nos parecem incorrigíveis segundo nosso modo de pensar. Que tristeza ouvir seguidamente a divisão dos cristãos em católicos, ortodoxos e protestantes, ou pior, ouvi-los nomear “os cristãos” e compreender que com eles se entendem somente os que votam num determinado partido político!

A culpa disso não é certamente toda nossa; talvez seja mais dos “outros”; mas ouvimos como Jesus julga: não pela culpa, mas pela necessidade. E necessidade “do Reino de Deus e sua justiça” estes homens têm tanto quanto nós, para não morrer também eles de miséria, ou de bem-estar. No tempo de Jesus havia quem dividia os homens em “filhos da luz” e “filhos das trevas”! E pregava que se deveria amar os primeiros e odiar os outros (Regra da Comunidade de Qumrân). Mas Jesus infringiu este esquema quando disse: “Vocês ouviram o que foi dito: “Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo.” Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês, para demonstrarem que são filhos do Pai de vocês, que está nos céus” (Mt 5,43s); “e todos vocês são irmãos” (Mt 23,8).

Ao meditarmos nesse tema tão importante para a Igreja – os pensamentos de Deus que revelam Sua vontade – ouvimos a palavra profética por Isaías e o Salmista, o cumprimento dessa nos Evangelhos e agora nos debruçamos na realização, como revela a epístola aos Filipenses: “tendo o mesmo modo de pensar, tendo o mesmo amor e sendo unidos de alma e mente. Não façam nada por interesse pessoal ou vaidade, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo” (Fp 2,1-11)

Se para alguém a vida é um concurso cujo prêmio tem que ganhar ou uma luta por vencer, sobrepujar e conquistar a outros, pensará sempre nos outros como inimigos ou pelo menos como adversários que devem ser eliminados do caminho. O centrar-se em si mesmo implica inevitavelmente eliminar a outros; o objeto da vida já não é ajudar os outros, mas sim afundá-los dentro do possível. Onde há uma ambição egoísta, onde há um desejo de prestígio pessoal, onde cada homem se concentra em seus próprios interesses, ali não pode existir outra coisa senão desunião.

São Paulo coloca a prioridade do evangelho em relação a todas as situações pelas quais o apóstolo ou qualquer cristão tenha que passar. Paulo está preso e percebe que pode mesmo ser condenado à morte. Nesta situação experimenta sentimentos contraditórios a partir de uma certeza. No sofrimento que ele experimenta no corpo, por estar encarcerado, Cristo é glorificado e, portanto, não importa se morre ou se vive. Paulo já chegou à consciência de que “viver é Cristo e morrer é lucro”.

Paulo é um bom exemplo de trabalhador que entrou na vinha, numa determinada hora do dia, e se dedicou percebendo que o fruto a recolher é o evangelho anunciado a todos, incansavelmente. E toda a sua vida vale, enquanto serve o evangelho. Ainda que o seu desejo seja ir ao encontro de Cristo libertando-se das limitações do corpo, a verdade é que o evangelho é mais importante que o seu bem-estar pessoal. Compreender isto é compreender o coração de Deus.

Um discípulo de Jesus não deve nunca considerar alguns amigos e outros inimigos. Ele pode ser considerado inimigo por alguém, mas ele não pode considerar ninguém inimigo. Se insistirmos nessas duas divisões, Jesus nos advertiu claramente nessa reflexão de que lado Ele se coloca: não com os teólogos e homens espirituais, os demasiadamente seguros de si, mas com aqueles que, espiritualmente, representam hoje os cegos, os coxos e os leprosos. Os publicanos e as meretrizes podem nos preceder hoje também no Reino dos Céus!

São os caminhos de Deus. Não se quer dizer com isso que devemos entendê-lo por força; devemos somente adorá-lo e ser-lhe gratos por esses critérios, tão diferentes dos nossos. O apóstolo Paulo exclamava: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão inexplicáveis são os seus juízos, e quão insondáveis são os seus caminhos!” (Rm 11,33)

Aqui a busca da mente se transforma em adoração do coração. No final, tudo ocorre misteriosamente e o homem não pode compreender, mas é um mistério em cujo coração se encontra o amor. Se podemos dizer que todas as coisas provêm de Deus, que todas as coisas têm seu ser em Deus e que todas as coisas terminam em Deus, que mais podemos dizer? Há um certo paradoxo na situação humana. Deus entregou ao homem uma mente, e é um dever do homem usar essa mente, para pensar até o limite do pensamento humano. Mas também é verdade que há certas circunstâncias nas quais a mente só pode alcançar um ponto, e, quando o faz, tudo o que subtração é aceitar e adorar.

Paulo lutou com um problema desanimador, com todos os recursos que lhe proporciona sua mente privilegiada. Não diz que haja resolvido, como alguém poderia resolver categoricamente um problema geométrico; mas o que diz é que, fazendo todo o possível, se contenta em deixar entregue ao amor e ao poder de Deus. Muitas vezes na vida só resta dizer: “Meditei, e não posso ver a razão e o caminho. Não posso captar sua intenção, mas creio em seu amor com todo meu coração. Seja feita Sua vontade!”.

Um convite: que no momento da Eucaristia, durante a Santa Ceia do Senhor, possamos nos reunir ao redor de Jesus agradecidos e humildes como aqueles últimos chegados da parábola que foram receber seu dinheiro e voltaram para casa cheios de alegria devido à generosidade do dono. Aquele dinheiro é o Reino de Deus (cf Rm 14,17) que Jesus traz consigo como presente.