Então Pedro se levantou, junto com os onze, e, erguendo a voz, dirigiu-se à multidão nestes termos:

— Portanto, toda a casa de Israel esteja absolutamente certa de que a este Jesus, que vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo.

Com muitas outras palavras deu testemunho e exortava-os, dizendo:

— Salvem-se desta geração perversa.

Atos 2,14a,36,40

Trata-se do discurso de Pedro no dia de Pentecostes. Ele se dirige à multidão dos judeus que não se tinham ainda convertido. Trata-se do mesmo Pedro que conhecemos nos Evangelhos? Não. Coragem e ousadia seriam as palavras para descrever o novo Pedro que surge da experiência do Pentecostes. Fala com autoridade. Como os antigos profetas, assume o papel de líder do novo povo de Deus, que acaba de nascer, e suas palavras abrem o tempo do testemunho que tem de percorrer o mundo. Sua mensagem é de denúncia e esperança. Mostra que se está cumprindo o que os profetas anunciaram para o final dos tempos: “derramarei o meu Espírito sobre toda a humanidade. Os filhos e as filhas de vocês profetizarão, os seus jovens terão visões, e os seus velhos sonharão” (v.17) e “todo o que invocar o nome do Senhor será salvo (v.21). 

A seguir apresenta o que abriu as portas à presença e o poder do Espírito: Jesus de Nazaré, a quem “vocês mataram, crucificando-o (…). Mas Deus o ressuscitou” (v.23s), e “exaltado à direita de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vocês estão vendo e ouvindo” (v.33). “Deus o constituiu Senhor e Cristo” (v.36). Essa é a confissão essencial da fé cristã que não deixará de se anunciar até o fim dos tempos. 

O efeito do testemunho de Pedro foi imediato: “Que devemos fazer irmãos?” (v.37), exclamaram muitos dos ali presentes. Essa é a pergunta que nos devemos fazer todos nós ouvintes do Evangelho. A essa interrogação universal respondem as palavras do apóstolo que apresentam as exigências do evangelho válidas para todos os tempos: “— Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados, e vocês receberão o dom do Espírito Santo. Porque a promessa é para vocês e para os seus filhos, e para todos os que ainda estão longe, isto é, para todos aqueles que o Senhor, nosso Deus, chamar” (v.38), isto é, uma nova vida, a de filho e filha de Deus. 

Lucas termina seu relato dizendo que naquele dia converteram-se cerca de três mil pessoas. Mais que o número o evangelista quer pôr em destaque a força irresistível do evangelho e a presença atuante do Espírito. A Igreja, como novo povo de Deus, havia começado naquele dia de Pentecostes sua caminhada histórica. Os protagonistas do livro dos Atos dos Apóstolos foram apresentados: O Espírito Santo, a Palavra de Deus levada pelas testemunhas missionárias a todos os povos e a comunidade que nascia da Palavra e do Espírito como o novo povo de Deus.

Se, entretanto, quando praticam o bem, vocês são igualmente afligidos e o suportam com paciência, isto é agradável a Deus. Porque para isto mesmo vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando exemplo para que vocês sigam os seus passos (1Pe 2,20b-21).

Nessa epístola é ainda o apóstolo Pedro que fala. Mas há uma progressão: ele agora fala à comunidade cristã, isto é, aos cristãos que vivem há tempo na Igreja. Pedro não lhes pede apenas a fé em Cristo, mas a imitação: 

“Pois ele, quando insultado, não revidava com insultos; quando maltratado, não fazia ameaças, mas se entregava àquele que julga retamente, carregando ele mesmo, em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Pelas feridas dele vocês foram sarados. Porque vocês estavam desgarrados como ovelhas; agora, porém, se converteram ao Pastor e Bispo da alma de vocês” (vss 23-25).

Pedro tem conhecimento e se preocupa com os cristãos esparramados pelas cinco províncias da Ásia como “estrangeiros e peregrinos” (v.11) no meio de uma sociedade pagã que os observa com olhos críticos, difama-os e os tem como malfeitores, isto é, os típicos preconceitos de sempre contra os pobres e marginalizados. O discípulo anima seus ouvintes para que “silenciem a ignorância dos insensatos” (v.15) com a força do testemunho de sua vida cristã. O exemplo que dão na vida social é fundamental, não só como proteção contra possíveis represálias, mas como testemunho evangélico: “observando as boas obras que vocês praticam, glorifiquem a Deus no dia da visitação” (v.12). Um bom cristão será sempre um bom cidadão

O apóstolo dá normas claras de conduta cidadã, apelando para a motivação superior que deve presidir todo o comportamento do crente: “por amor do Senhor” (v.13), “esta é a vontade de Deus” (v.15), com o pensamento posto em Deus (cf 19), mas, sobretudo, como homens e mulheres livres (v.16), conscientes de que antes de tudo somos servidores de Deus (v.16), pois nisto consiste sua liberdade. Baixando a detalhes completos, exorta a todos que respeitem as autoridades legítimas, e os empregados respeitem sem patrões, mesmo que tenham “caráter difícil” (v.18).

“— Eu sou o bom pastor.  O bom pastor dá a vida pelas ovelhas” João 10,11).

  • Finalmente ouvimos a palavra do próprio Cristo que nos fala em primeira pessoa: Eu sou o bom pastor, Eu sou a porta. Digo que nos falou em primeira pessoa porque também a Pedro, de Paulo, de Isaías, que ouvimos antes, é palavra de Cristo, o qual é, por sua vez, a única e total Palavra de Deus. Pedro fala às multidões? É Cristo que fala por meio dele; Paulo escreve às igrejas? É Cristo que exorta por meio dele. Eles são ministros de Cristo e dispensadores de seus mistérios, isto é, porta-vozes (1Co 4,1). Neste sentido, tudo o que ouvimos até agora é Palavra de Deus e como tal devemos acolher.
  • Para acolhê-la de verdade devemos, porém, cada vez superar uma dificuldade. O trecho do evangelho em destaque começa dizendo: “Naquele tempo Jesus disse …”. Naquele tempo: portanto, Jesus falou sim, mas naquele tempo, isto é, séculos atrás, a uma quantidade de pessoas pertencentes a um povo muito diferente de nós por mentalidade e problemas. Eis aí: devemos anular essa distância, ultrapassar a fórmula narrativa do Evangelho “naquele tempo disse Jesus”. O que encontramos logo depois dessa expressão? Encontramos a Ele que fala hoje, não mais naquele tempo; que fala a nós, não mais às multidões dos judeus. Em verdade, em verdade lhes digo […]. 

Pois bem, agora estamos de verdade na atitude correta: Jesus está falando a nós discípulos de hoje. Viemos à igreja, como as multidões que depois da multiplicação dos pães o seguiam na outra margem do lago de Tiberíades porque se tinham saciado uma vez com seu pão e continuavam ainda famintas. Chegamos aqui transtornados, levando conosco no coração humilhação, medo e, talvez, raiva pela semana de violências que vivemos. Pois bem, é precisamente a nós nestas circunstâncias, com estes problemas, que Jesus tem algo a dizer. O que?

As palavras de Jesus descrevem uma situação tão antiga quanto o mundo, que pode ter, por isso, infinitas aplicações, exatamente porque tal situação está sempre em ato na história. A humanidade é um rebanho de ovelhas (a comparação não tem nada, como se sabe, de negativo ou ofensivo na Bíblia, mas é antes carregada de grande ternura pelas pessoas). Um rebanho que é objeto de disputa e de conquista por forças opostas, sempre sujeito a diversos apelos.

Entre as inúmeras aplicações da página evangélica, nós queremos captar a que nos diz respeito hoje. “Em verdade, em verdade lhes digo que eu sou a porta das ovelhas. Todos os que vieram antes de mim foram ladrões e salteadores […] Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo; tanto entrará como sairá e encontrará pastagem […]. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,7-10).

Também hoje se repete a situação de sempre. Muitos vêm às pessoas; vem à porta do redil e batem. Querem se insinuar no coração do homem, pedem sua confiança. Sendo, porém, que são muitos e cada qual tem uma proposta pessoal, apresenta uma pastagem diferente, o rebanho fica dividido e desorientado. Cada um destes pseudopastores diz: “Ouçam-me, vinde após mim”. Entre eles há os que prometem a justiça e outros a abundância. São as ideologias e os partidos que as professam e as transmitem às massas. O mundo está povoado de pastores deste tipo. Mas o que querem realmente? Na maioria das vezes, consciente ou inconscientemente, querem se fazer apascentar pelas ovelhas e não apascentar; engordar-se à custa delas e tornar-se fortes com seu número. São ladrões e assaltantes, ou ao menos mercenários aos quais não interessa o verdadeiro bem-estar das ovelhas, sua fome e sua segurança, uma vez que surgindo o perigo há sempre um jeito de fugir. 

É verdade que nem todos são assim. Há os que reúnem ovelhas a seu redor, formam uma rede, ou grupo ou um partido, porque acreditam que têm algo a dizer e a dar a suas ovelhas. Merecem todo o nosso respeito. Mas se pensam poder guiar as ovelhas apenas com sua voz e lhes dar comida com o que têm, se pensam, em outras palavras, ser eles os salvadores, são uns iludidos. Todos os que vieram (antes de mim) foram ladrões e assaltantes, diz o Senhor, isto é, são ovelhas que querem passar por pastores. Eles não dão a vida; muitas vezes até semeiam a destruição. São cegos e guia de cegos, como dizia Jesus aos chefes fariseus (Mt 15,14).

Contra todos estes falsos pastores, Cristo reivindica seu papel: Eu sou o bom Pastor, diz o Senhor, conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem a mim. Por que bom Pastor? Porque Ele é o caminho, a verdade e a vida. Não se trata de seguir o partido de Cristo ou da Igreja, mas o próprio Cristo. Nós cristãos devemos saber distinguir entre mil vozes que perpassam os ares a voz que, como diz o Senhor, as ovelhas reconhecem. Acima das ideologias e das explicações partidárias, distinguir a voz de Jesus. Ele ressoa ainda hoje na voz dos pastores que ele mesmo escolheu para apascentar, com sua voz, suas ovelhas.

Eram como ovelhas desgarradas – escreve o apóstolo Pedro – mas agora retornaram ao Pastor e guarda das ovelhas. Portanto, todas as ovelhas desgarradas. Este regresso se deve repetir hoje também. Nós estamos agora desgarrados; a comunidade cristã, em certos aspectos está de novo em situação de diáspora, isto é, dispersão. Há uma crise de identidade, como se diz, e alguns aproveitam, iludindo-se de poder dissolver o rebanho de Cristo e não ter assim opositores ao próprio modelo de sociedade secular e ateia. Repete-se, em certo sentido, o episódio da captura de Jesus: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho serão dispersadas (Mt 26,31).

Devemos por isso voltar de verdade àquele que Pedro chamou “o pastor das nossas almas”. Devemos descobrir como vê e julga Jesus as coisas e os acontecimentos deste mundo; descobrir a “sua” verdade, porque somente ela nos tornará livres. Tendo feito sair todas as que são suas, caminha à frente delas e as ovelhas o seguem, pois conhecem a sua voz: é o êxodo atrás do bom Pastor começado no batismo que deve continuar ao longo de nossa vida.

Como peregrinos vivemos por essa fé; essa fé pede-nos que nos apressemos, porque é grande a necessidade de justiça que existe no mundo. Os bens da terra, repartidos entre poucos; os bens da cultura encerrados em cenáculos. E, lá fora, fome de pão e de sabedoria; vidas humanas – que são santas, porque vêm de Deus – tratadas como simples coisas, como números de uma estatística. Compreendo e partilho dessa impaciência, levantando os olhos para Cristo, que continua a convidar-nos a pôr em prática o mandamento novo do amor.

Justo, no sentido pleno da palavra, é aquele que vai semeando à sua passagem amor e alegria, e que não transige com a injustiça onde quer que a encontre, geralmente no âmbito em que sua vida se desenvolve: na família, na sua empresa, na cidade em que mora … Se nos examinarmos seriamente, é possível que descubramos na nossa vida injustiças que teremos de remediar: juízos precipitados contra pessoas e instituições, pouco rendimento no trabalho, injustiça no modo de tratar e remunerar os outros …

A grande força que move o homem justo é o seu amor a Cristo; quanto mais fiéis formos ao Senhor, mais justos seremos, mais comprometidos estaremos com a verdadeira justiça. A prática da justiça nos leva a um constante encontro com Cristo.

Jesus, porta das ovelhas. Entre Jesus e os seus agora existem novas relações; tendo saído da escravidão, as ovelhas agora devem entrar pela porta que é Jesus. O evangelista passa do plano histórico para o plano espiritual. Não só se chega à salvação através de Jesus; indica-se também que todos os bens estão nEle. Não é só o caminho de acesso ou de entrada; constitui também o novo aprisco, o novo templo, o lugar da verdadeira comunhão. 

Quem entra pela porta encontrará pastagem. Esta pastagem é Ele, sua palavra e o Espírito Santo. Jesus é deveras aquele que nos pode “conduzir para fora”: fora desta situação incômoda, incerta, tenebrosa e injusta, fora da crise. Jesus é o bom Pastor porque dá a vida, através de Seu Corpo – a Igreja, movida pelo Espírito, por suas ovelhas desgarradas e instaura com elas relações novas de reconhecimento mútuo.

Se alguém entrar por mim, encontrará pastagem, disse Jesus. Esta pastagem é ele mesmo, sua Palavra que acabamos de ouvir, é seu corpo que nos nutri pela comunhão dos santos e é o Espírito Santo que ilumina, convence do pecado, da justiça e do juízo, que nos consola e confirma o caminho que nos conduz a vida eterna.

O sacerdócio santo, que é chamado a oferecer sacrifícios agradáveis a Deus por meio da verdadeira justiça que é Cristo em nós, está impregnado de amor. Cristo, nas nossas relações com o próximo, quer muito mais de nós. Temos que pedir-lhe que nos conceda um coração puro, bondoso, capaz de se compadecer das dificuldades do próximo, capaz de compreender que, para remediar os tormentos que acompanham e não poucas vezes angustiam as almas neste mundo, o verdadeiro batismo é o amor pelo serviço.