“Dá a teu servo um coração compreensivo, para que eu possa governar bem o teu povo e saber a diferença entre o certo e o errado. Pois quem é capaz de governar sozinho este teu grande povo? O Senhor se agradou do pedido de Salomão. Por isso, Deus respondeu: “Uma vez que você pediu sabedoria para governar meu povo com justiça, e não vida longa, nem riqueza, nem a morte de seus inimigos, atenderei a seu pedido. Eu lhe darei um coração sábio e compassivo, como ninguém teve nem jamais terá.” 1Reis 3,9-12

A primeira leitura desta reflexão apresenta-nos o jovem rei Salomão, que, no início do seu reinado, se dirige a Deus numa humilde oração. Ele sabe que governar um povo é uma tarefa de grande responsabilidade; sabe também que, dada a sua juventude, ainda lhe falta a experiência necessária para o desempenho das funções de que foi incumbido por seu pai Davi. Por isso, dirige-se a Deus e implora o suplemento de sabedoria de que precisa para governar esse povo, com justiça e equidade. Para isso, pede a Deus «um coração inteligente» que o faça saber «distinguir o bem do mal». E o texto acrescentava, como ouvimos, que Deus ouviu a sua humilde oração e lhe deu «um coração sábio e esclarecido». E dizia-nos ainda as razões pelas quais Deus atendeu o pedido de Salomão. É que Ele não pediu «longa vida, nem riqueza, nem vitórias sobre os seus inimigos» mas pediu, simplesmente, «sabedoria para praticar a justiça», ou seja, para ser perfeito na administração do reino que lhe foi confiado.

Salomão sabia orar; e tinha a noção daquilo que era capaz de fazer e daquilo que somente conseguiria realizar se tivesse a ajuda de Deus. Cumpria-se, nele, a palavra do apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos:

“E sabemos que Deus faz todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que o amam e que são chamados de acordo com seu propósito. Pois Deus conheceu de antemão os seus e os predestinou para se tornarem semelhantes à imagem de seu Filho, a fim de que ele fosse o primeiro entre muitos irmãos. Depois de predestiná-los ele os chamou, e depois de chamá-los, os declarou justos, e depois de declará-los justos, lhes deu sua glória.” Romanos 8,28-30

São Paulo nos revela uma garantia: que «Deus concorre em tudo para o bem dos que o amam». Salomão amava a Deus e sabia-se amado por Ele. Por isso recorria ao Senhor, com toda a confiança, pedindo-lhe o que era essencial para ser fiel no desempenho da missão que lhe estava confiada; e Deus cooperou em tudo para o seu bem e para o bem da sua vocação.

“O reino dos céus é como um tesouro escondido que um homem descobriu num campo. Em seu entusiasmo, ele o escondeu novamente, vendeu tudo que tinha e, com o dinheiro da venda, comprou aquele campo.” Mateus 13,44

Jesus nos fala ainda de seu Reino por meio de suas parábolas. Mas enquanto na parábola do “trigo e joio” (cf vss 36-43) Ele apresenta em primeiro plano a composição do reino e sua função é apresentada na parábola do “fermento” (cf v.33); e em seu crescimento pela parábola do “grão de mostarda” (cf vss 31,32), a do negociante à procura de pérolas (cf vss 45,46) e a do agricultor  que encontra um tesouro (v.44) – falam, em primeiro lugar, da atitude do homem diante do Reino.

Lembremos as duas situações descritas por Jesus. Um agricultor, trabalhando a terra, descobre um tesouro escondido. O caso não devia ser tão estranho para os antigos, visto que tinham o costume de sepultar com os mortos todas as suas joias. Também hoje, na Palestina, se descobrem sepulcros antigos com tais tesouros. Cheio de alegria, o agricultor vai para casa, vende tudo o que tem e compra aquele terreno para entrar, assim, na posse dele. A conduta daquele homem não é tão correta moralmente, mas Jesus não fundamenta sua comparação sobre essa constatação. Todo o ensinamento da parábola está sintetizado na decisão do agricultor de se desfazer de tudo (e quem sabe de quantas pequenas coisas de estimação estavam compreendidas em tudo aquilo que ele vendeu!), para poder adquirir o tesouro. É a mesma decisão do negociante à procura de pérolas. Este – faz-nos compreender Jesus – comprava pérolas preciosas com as quais conseguira reunir uma rica coleção. Um dia, porém, em que descobre uma superior a todas as outras, vende toda a coleção, à qual certamente estava muito apegado, e adquire a pérola preciosa. Em ambos os casos, encontramo-nos diante de uma escolha: a escolha da coisa melhor, mesmo que exija o sacrifício de todo o resto.

Jesus propõe às pessoas, num plano infinitamente mais decisivo, a mesma escolha da “coisa melhor”. O que quer nos dizer com essas parábolas? Ele veio trazer sobre a terra o Reino dos Céus, isto é, aquela verdade misteriosa que é a vida mesma de Deus oferecida aos homens; realidade que tem também um rosto visível e concreto que é a Igreja por Ele instituída; realidade, enfim, que sobre esta terra cresce na fé, na esperança e no amor. À espera de ser, por assim dizer, transplantada no céu, na posse da vida e da felicidade eternas.

O Reino dos céus é um tesouro, aliás, o único tesouro, o único bem realmente importante. Tanto que uma pessoa que a possui tem tudo, mesmo que não tenha mais nada; enquanto quem não o possui não tem nada, mesmo que possua o mundo inteiro: “Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida?  – diz Jesus; isto é, se não toma posse do Reino dos Céus?” (Mt 16,26).

Para ganhar tão grande tesouro, vale a pena que o homem não só renuncie a todas as coisas, mas também, como diz Jesus, que renuncie à sua própria vida, porque quem perde sua vida para o Reino dos Céus a encontrará; enquanto quem a quer salvar a perderá (cf Mt 10,39). Vale a pena que renuncie a seu olho ou a seu braço, se for preciso, porque é melhor entrar no Reino dos Céus com um só olho e com um só braço do que com ambos ser excluído e ser jogado na geena (cf Mt 5,29).

O Reino dos Céus é, portanto, este tesouro único, incomparável, porque é só nele que o homem encontra a salvação, realiza seu destino de vida e de bem-aventurança eterna. Quando tiverem passado o céu e a terra, ou, antes mesmo daquele evento distante, quando cada um de nós passar deste mundo e tudo tiver acabado, ficará somente o Reino dos Céus aberto ou fechado diante dele, de acordo com as escolhas que ele tiver feito durante a vida.

O Reino dos Céus, portanto, é realmente um tesouro, o único tesouro verdadeiro.

Mas este, como diz a parábola, é um tesouro escondido, um tesouro difícil de ser descoberto. Basta pensar em todos aqueles que ainda não conhecem o Evangelho e a Igreja, depois de 2 mil anos que tal tesouro foi revelado. Mas, sem ir longe e pensar naqueles que vivem desconhecendo o Evangelho, o Reino dos Céus é um tesouro escondido também para os cristãos; escondido porque sempre por descobrir, escondido porque difícil de ser descoberto.

É um tesouro muito especial; não ofusca com seu esplendor como o ouro, chegando a ponto de provocar a ânsia de possuí-lo; não promete prestígio e poder a quem o possui. Aliás, é um tesouro que, em quem o possui, exige sacrifício, renúncia, exige que se venda todo o resto, no dia a dia, para conservá-lo, também se o resto a que se renunciou se vai encontrá-lo, muitas vezes nesta mesma vida, ao cêntuplo, em bens e alegrias de outra ordem. Seu valor está no coração e na esperança do momento quando se vai ouvir aquele decisivo “Vinde a mim, benditos de meu Pai, tomem posse do Reino”.

O que fazer para enxergar o “tesouro escondido”?

Por que é que, não obstante a grande alegria com que vivemos o começo de nossa conversão, com o tempo tudo parece “enjoar”? Decepções, frustrações, fracassos … Será que erramos ao optar por Deus e pela vocação que Ele nos deu? Como podemos recuperar a alegria do “primeiro amor”?

Com o tempo o amor vai arrefecendo e, quando nos damos conta, estamos nos arrastando sob o peso de um fardo custoso e praticamente insuportável. Orar, estar em comunhão com a igreja, servir a família e comunidade em amor … tudo parece não ter mais o mesmo sabor e a mesma “graça”. (E assim também acontece com os casamentos.)

Mas por que as coisas são assim? Será que erramos ao optar por Deus e pela vocação que Ele nos deu? Como podemos recuperar a alegria do “primeiro amor” — tanto na vida de oração quanto na vida de serviço aos nossos irmãos?

“E estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o que existe hoje nem o que virá no futuro, nem poderes, nem altura nem profundidade, nada, em toda a criação, jamais poderá nos separar do amor de Deus revelado em Cristo Jesus, nosso Senhor.” Romanos 8,38-39

Tudo o que é precioso, é precioso porque nós pagamos o preço! Pagar o preço! O que é você teve de perder por amor a Cristo? Poderá responder: desde minha conversão tenho perdido – de muitas amizades abri mão, na minha família houve conflitos e aceitei humilhação, perdi até meu emprego ou oportunidades melhores de negócio … tudo isso fiz alegremente, só que agora está pesado. Por que? Eu reconheço essa parábola; no início havia muita disposição, alegria, empenho, mas agora não. Será então que não é ilusão também o que nos propõe a Igreja?

Por que você “vendeu tudo” a uns tempos atrás, e agora cambaleia pesadamente? Por que hoje segue a Cristo com um fardo que parece tão pesado? Primeiro porque você viu o tesouro. Assim acontece no casamento; primeiro vêm a paixão pela pessoa encontrada que o (a) encanta – decide tomar a decisão de casar-se porque tudo vale a pena. Problema: dificilmente paramos para pensar como funciona a alma humana. Quando se vê o tesouro escondido que é aquela pessoa, se apaixona por ela(e) e tem uma experiência totalizante através da imaginação; vê aquela pessoa com um olhar diferente; imagina um ideal que o completa, que atende seus anseios; mas a alma guarda momentos precisos da história de nossa vida, e não tudo aquilo que você enxergou no primeiro amor. 

Então a rotina e desafios da vida vão “apagando” as imagens, abstrações de memórias felizes que tiveram. Assim, com o passar do tempo, as memórias boas são contaminadas com lembranças ruins, os defeitos do cônjuge, do próximo, vão ficando em evidência e de repente, cadê aquela pessoa que alegremente se casou, se relacionou? As virtudes ficam cada vez mais escondidas e o casamento, relacionamento, cada vez mais pesado: social, profissional e ministerial também. A memória que você tem com essa pessoa é só uma lembrança abstrata, não é real, não é a pessoa em si mesma. A memória tem importância na relação, com seus significados, representações, ensinos e vivências; são experiências de encontros bons e ruins. Porém aquela visão arrebatadora, marcante precisa ser resgatada – será necessário trazer à memória o que te dá esperança (cf Lm 3,21), “examinarmos nossos caminhos e voltarmos para o Senhor” (cf Lm 3,40). 

Pela oração podemos restituir essa visão – um dia, lá no passado, Jesus foi uma Pessoa viva com a qual nos encontramos! Agora Ele é apenas uma memória abstrata, morta; que nós precisamos trazer à vida outra vez na ORAÇÃO!

Mas e os defeitos que deformaram meu cônjuge, filho, parente, irmão em Cristo? A pessoa não é o defeito, pois Jesus morreu na Cruz por ela. Todos nós somos preciosos aos olhos de Cristo porque fomos redimidos, justificados, perdoados, e o sangue de Jesus – sempre que você ora por ti e pelo próximo, nos purifica de todo pecado! Deus olha hoje para nós e lembra-se do preço que pagou para nos libertar, adotar e acolher e sabe que valeu a pena. Importante: somente Deus é capaz de olhar para cada vida resgatada e ver como ela é; então, quando não andamos no Espírito tornamo-nos “míopes” e nossa mente fica obscurecida. Quanto mais nos afastamos de Deus mais dificuldades teremos de enxergar aquele tesouro que um dia descobrimos naquela pessoa que amamos. Deus nos vê por inteiro, e sabe que somos Sua imagem e semelhança, e por isso nos ama continuamente. 

A única vez que vemos o Senhor Jesus na Bíblia, cantando alegremente, foi quando Ele saiu após a Ceia para enfrentar Sua Paixão e Morte por nós! Ao subir ao Getsêmani Ele sabia que entraria em agonia chorando lágrimas de sangue, sabia que seria preso injustamente, escarnecido, açoitado, e levaria aquela pesada Cruz, onde foi pregado e mesmo assim, nos amou até o fim (cf Jo 13,1).

Que exercício estamos fazendo com essa meditação? Pela Palavra de Deus, rever os atos de Jesus e começar a enxergar os feitos notáveis da Cruz, do Evangelho, do amor que um dia foi derramado em seu coração; enxergar novamente o tesouro escondido pelo pecado, seu e do próximo. Jesus olha para você com alegria! Como você se enxerga, triste, mal-humorado, desolado? E o próximo como o vê? Ressentido, entediado, decepcionado? Se você não vê o amor escondido de Jesus numa pessoa, você não a conhece. Jesus olha para você e para teu irmão sempre com alegria. Assim, ao ouvirmos a Deus através dessa reflexão, ao ouvirmos o Espírito Santo ministrar acerca da Pessoa do Cristo, começamos a enxergar o tesouro escondido. Note que esse exercício já é uma ORAÇÃO pois estamos ouvindo Sua voz pela Palavra de Deus aqui apresentada. 

Portanto, somente quando “nEle vivemos, nos movemos e existimos” (cf At 17,28) valerá a pena ser filho de Deus, cônjuge, pai/mãe, servo de Deus, cidadão … porque enxergamos do mesmo modo como Ele nos vê: um filho(a) muito amado!

Essa reflexão nos coloca diante das escolhas possíveis que somos chamados a fazer na nossa vida e no desempenho das missões que nos foram confiadas. Para o conseguirmos, precisamos de saber usar as nossas faculdades (inteligência, vontade, imaginação) e conhecimentos; mas precisamos também de fazer tudo com o acerto que somente Deus, pela ORAÇÃO, nos poderá ajudar a ter. E as parábolas dizem-nos que, diante dum tesouro, valem pouco os campos que possuímos; diante de uma pérola preciosa, valem pouco as preciosidades que julgamos possuir; perante a rede de pesca que arrasta espécies muito variadas de pescado e de lixo, precisamos de saber discernir o que é preciso recolher e o que importa descartar.

Para termos esta sabedoria, essa visão, necessitamos de recorrer a Deus como Salomão, para afinarmos, com os critérios divinos, as «agulhas» do nosso viver e do nosso agir. Somente Deus nos pode conceder o «suplemento» que precisamos para vivermos segundo o seu desígnio do amor de Cristo. “Abandona tudo e segue-me”. O tesouro escondido, pelo qual é preciso vender tudo, é, sim, o Reino dos Céus (cf Rm 14,17), isto é, uma realidade, mas é também em primeiro lugar uma pessoa: é o próprio Jesus. Segui-Lo, continuamente, significa ter feito a escolha certa, a única que assegura o genuíno tesouro.