Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem. Estavam atônitos e se admiravam, dizendo: — Vejam! Não são galileus todos esses que aí estão falando? Então como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes. Como os ouvimos falar sobre as grandezas de Deus em nossas próprias línguas? Atos 2,1-4, 7-8, 11

“Do teu Espírito, Senhor, a terra está cheia!”. Todas as criaturas que os nossos olhos podem contemplar, são obra das mãos de Deus e a sua existência depende do sopro do divino. É o Espírito do Senhor que lhes dá vida e se este Espírito falta tudo volta ao pó, tudo morre (cf Sl 104,30). Viver segundo o Espírito é a única garantia para que a vida não se extinga. Em Pentecostes somos colocados diante da onipresença misteriosa do Espírito que nos convida a descobrir-lhe o significado.

O que é o Espírito Santo para a Igreja? O Espírito é uma “pessoa”. Esta certeza trazida por Jesus deve ser posta acima de qualquer reflexão; ele é um dos três “no” qual cremos: é o termo, não só o objeto, de nossa fé: “Creio no Espírito Santo …”. Ele é, portanto, o doador. Mas é também o dom: o dom de Deus Pai e do Cristo ressuscitado para a Igreja: “Soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo”. É este dom para nós que queremos descobrir.

Agora se abre o reino da interioridade cristã; e não apenas no indivíduo, mas também em toda a comunidade eclesial. E nele está Jesus, vivo e ativo, como fundamento de uma nova existência para o crente, na qual o próprio Jesus permeia tudo, dando forma a essa nova personalidade, e dirigindo sua ação e seu destino.

Jesus está no interior do homem e o atrai para si. O homem participa da existência de Cristo; e, reciprocamente, Cristo é a vida de sua vida. E tudo isso pela ação do Espírito Santo. A raiz dessa nova existência é o acontecimento de Pentecostes; ela surge dele, e, por seu impulso, durará até o fim dos tempos. Mas isso não significa exclusivamente que o homem pense em Cristo, ou que guarde a sua imagem no coração, mas trata-se de uma autêntica realidade. Ora, é possível que uma pessoa esteja em outra? Faz sentido dizer uma frase como “este homem está em mim”?

Existe o desejo de participar daquilo que o outro é, de compartilhar com ele sua vida e seu destino. Mas mesmo a união mais íntima e profunda se deparará necessariamente com uma barreira: o fato de que o outro “é ele” e não eu. O amor está ciente disso. O amor sabe que nunca poderá tornar realidade – e talvez nem mesmo querer seriamente – o seu ideal supremo, que consiste na plena identificação com a pessoa amada. No mundo humano não há “nós” que possa suprimir as barreiras do “eu”. Com efeito, a dignidade e a glória do homem se fundamentam precisamente em sua capacidade de afirmar – embora com certas reservas – que “eu sou eu mesmo”. O seu fundamento é o seu próprio eu; sua atividade nasce de si mesmo, e ele é o único responsável por ela. Naturalmente, aí se fundamentam também as suas limitações, pois ele terá que ser sempre ele mesmo, suportar a si mesmo, e bastar-se a si mesmo. Esse “ser ele mesmo” o isola, necessária e inevitavelmente, em relação ao outro: “eu, e não você”; “seu, e não meu”; pois cada um é uma entidade concreta, com seus próprios recursos e seu próprio destino, diferente e impenetrável em relação a todos os outros.

Mas em Cristo não é assim. A percepção de Cristo, e, com ela, a de todo o Novo Testamento, fundamenta-se na realidade de um Deus vivo e único; mas, ao mesmo tempo, não pode ignorar o fato de que essa unidade e essa unicidade encerram um significado específico, uma forma de ser que vai além da nossa capacidade de compreensão. É como se a unidade de Deus se refratasse em múltiplos aspectos. Por exemplo, diz-se que Deus é “Pai”. E não apenas porque Ele nos ama a nós, suas criaturas, com um amor paternal – um sentimento totalmente incapaz de esgotar a profundidade do seu próprio ser – mas, porque Ele tem um Filho igual a si mesmo. A capacidade generativa de Deus se realiza dentro de sua própria essência, gerando a si mesmo em um “Tu” divino; sua infinita plenitude de ser se expressa em uma Palavra substancial, que se dirige a ele mesmo … 

Diz-se também que Ele é “Filho”. Mas não porque Ele se tornou Filho do Homem, tomando forma a partir do coração e da vida de um ser humano – realidade que não esgotaria a insondabilidade do seu próprio ser – mas Deus é “Filho” porque é imagem viva e substancial de um Pai que o gerou. Nele se revela o mistério de Deus Pai, como imagem de quem ele se apresenta. Ele é a Palavra pronunciada pelo criador; uma Palavra que, em infinita plenitude de complacência, se dirige, por sua vez, àquele que a pronuncia … Dois aspectos, duas faces de um só Deus; duas pessoas, real e verdadeiramente distintas, mas que, apesar de sua inexorável diferença, são um só Deus. 

Entre essas duas realidades divinas é preciso que haja algo que não existe entre os homens, algo que torne possível que sejam duas existências, mas uma única natureza, uma única vida, uma abertura recíproca infinita que só pode ser encontrada aqui. Ao mesmo tempo, entre essas duas realidades divinas deve faltar algo que é intrínseco à criatura: a exclusividade do indivíduo. E isso precisa estar relacionado a algo que o ser humano não possui: a perfeição absoluta da pessoa. Nenhuma criatura é completamente ela mesma. Essas duas entidades divinas estão totalmente abertas uma para a outra, de modo tão pleno que não existe senão uma única vida na qual ambas participam; simplesmente, uma vive na outra, e não há pulsação, nem respiração, nem centelha de uma que seja estranha à outra. E essa é precisamente a razão pela qual cada uma delas vive em plenitude o seu próprio ser e se pertence a si mesma.

Tudo isso significa que Deus é espírito. Como já observamos, o termo “espírito” não se refere aqui à razão, nem à lógica, nem à vontade, mas ao pneuma, ao “Espírito Santo”. E penuma é, precisamente, simples abertura do ser e, ao mesmo tempo, segura liberdade da pessoa, capaz de um amor consumado, isto é, de uma perfeita união sem reservas, na mais pura personalidade do eu e do tu. Ora, essa realidade, o fato de que Deus é “Espírito Santo” faz com que Deus viva na clareza de uma diferença e, ao mesmo tempo, na mais profunda intimidade de uma comunhão de vida. Nessa terceira entidade, no Espírito, o Pai e o Filho estão totalmente abertos um para o outro e, ao mesmo tempo, em plena posse de seu próprio ser. No Espírito, o Pai gera um rosto tão límpido que nele contempla a sua própria imagem com absoluta “complacência”. No Espírito, o Filho é Senhor da verdade divina e a reflete no Pai. No Espírito, o Pai derrama a plenitude de seu ser na emissão de uma Palavra que merece toda a sua confiança. No Espírito, o Filho recebe do Pai seu ser e seu sentido; é Palavra, mas ao mesmo tempo conserva o seu próprio ser pessoal.

Mas o Espírito, essa pessoa que, por sua vez, é um ser individual, é também um aspecto, um rosto, uma pessoa. O Espírito torna possível que o Pai e o Filho tenham tudo em comum, em perfeita reciprocidade; torna literalmente possível que cada um seja ele mesmo, pela ação do outro; e Ele é ele mesmo, precisamente pelo fato de agir assim. A Escritura expressa essa realidade por meio de imagens peculiares: apresenta-o como uma pomba que, enviada pelo Pai, desce sobre o Filho; como um vento que sopra onde quer; como um ruído estrondoso vindo do céu como uma poderosa tempestade; e como chamas de fogo que parecem línguas (Jo 1,32; 3,8; At 2,2-3).

Porque em Deus as coisas são assim, mas também porque Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, o ser humano anseia por realçar sua própria individualidade pessoal, mas sem ser diluído no outro ou em toda a humanidade. O homem deseja ser ele mesmo e, ao mesmo tempo, uma realidade coletiva, mas nunca conseguirá alcançar isso por suas próprias forças.    

São Paulo (1Coríntios 12,3b-7;12-13) nos diz que o Espírito Santo é princípio de coesão e de unidade da Igreja. Unidade ou continuidade, antes de tudo, da Igreja com Cristo:  

Irmãos: Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo. De fato, há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.

Unidade da fé, mas também de vida: Cristo e a Igreja formam um único corpo. O mesmo Espírito que estava em Jesus de Nazaré durante sua vida e que guiava suas escolhas, agora na Igreja a guia; por isso, entre eles há uma unidade como entre a videira e os ramos.

Em segundo lugar, princípio de unidade entre nós: “fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo”. E é ele que nos faz tão solidários e fraternos, porque é o Espírito que nos torna filhos de Deus e nos coloca na boca o linguajar dos filhos: “Pai nosso que estais nos céus”, faz que também nos reconheçamos como filhos. Quando nos saudamos no abraço da paz é isto que atestamos. Alguns de nós pode ter vínculos de parentesco, mas na Igreja não é a voz do sangue que nos identifica, mas a voz do Espírito.

É uma unidade profunda esta, que deve ser preservada acima das divergências de opinião, de escolhas políticas e eleitorais. Ninguém pode romper esta unidade – a comunhão eclesial – pondo em jogo os valores que o apóstolo Paulo defende: uma só esperança, uma só fé, um só batismo, um só Senhor, um só Espírito, um só Deus e pai de todos (cf Ef 4,4ss).

Na revelação contida no texto de Atos como acima descrevemos – a narração de Pentecostes – nos permite descobrir outro grande princípio que o Espírito representa para a Igreja: ele é o princípio de esperança da Igreja, a força que alimenta a missão.

Jesus veio e se pôs no meio deles, dizendo: — Que a paz esteja com vocês! E, dizendo isso, lhes mostrou as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram ao ver o Senhor. E Jesus lhes disse outra vez: — Que a paz esteja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês. E, havendo dito isso, soprou sobre eles e disse-lhes: —Recebam o Espírito Santo.  Se de alguns vocês perdoarem os pecados, são-lhes perdoados; mas, se os retiverem, são retidos. João 20,19b-23

Poucos dias antes, o Evangelho nos apresentou também os onze apóstolos no Cenáculo. Estão ainda escondidos “por medo dos judeus”. Talvez pensassem que tudo que se lhes pedia era cultivar a recordação do mestre no círculo do pequeno grupo, vivendo separados do mundo. Mas eis que naquele mesmo lugar irrompe o Espírito, escancara as portas e os impele para fora rumo aos povos. E eles pregam aos partos, aos medos, aos elamitas, aos gregos, aos estrangeiros de Roma, aos hebreus e aos gentios: todos os compreendem; alguns são batizados, nasce assim a Igreja. Não ficam, portanto, no cenáculo aberto, na espera de que as pessoas os procurem ali; são eles que vão aos pagãos. Dali a pouco, o primeiro pagão, Cornélio, será introduzido na Igreja sob a evidente ação do Espírito Santo (cf At 10,44-48). Ir ao encontro dos pagãos significava colocar em discussão as próprias certezas religiosas (Moisés, a Lei, a circuncisão, a eleição); significava arriscar-se a ser contaminados. E, com efeito, quanta dificuldade, quantas resistências houve! (cf At 15). Mas o Espírito Santo que estava neles os encorajava, os tornava mais fortes diante do mundo que deviam converter; convertendo-se aos pagãos acabaram convertendo os pagãos a Cristo. O Espírito Santo impediu que a Igreja ficasse sinagoga, isto é, fechado para eleitos; realizou aquela universalidade que Jesus tinha prometido: A todos os povos […]; a todas as criaturas […]; até os confins da terra.

Como nós, cristãos de hoje, devemos nos recordar desta lição! Aquela Igreja, impelida para fora do cenáculo, é sempre tentada a voltar, e novamente fechar-se lá dentro. Especialmente quando – como agora – lá fora sopra um vento de contradição. E então eis que reaparecem os sinais do medo; o pequeno rebanho, em vez de se lançar também entre os lobos, se necessário, foge. Levantam-se cercas de defesa, sem se dar conta que fora não pressionam apenas para derrubar, mas também para entrar. Só o Espírito pode dar coragem em cada mudança da história e da sociedade para definir-se por novas metas para o Reino de Deus e para o homem. Também hoje, como dizia João no Apocalipse, quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz à Igreja.

Princípio de coesão e princípio de difusão, portanto. Mas o Espírito é também outra coisa para a Igreja: é o princípio da identidade, isto é, da distinção do mundo. Ai de nós se, absorvidos pela ideia de ir ao mundo, nos esquecermos disso! É assim, com efeito, que o evangelho de João nos apresenta o Espírito Santo: E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito […] o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber (Jo 14,16-17).

Mas quem é aqui o mundo? É o mundo colocado sob o “maligno”, o mundo que não reconheceu e não acolheu Jesus e que agora rejeita sua Igreja. Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós (Jo 15,18). Não, portanto, os homens do mundo que são nossos irmãos, ou que podem sê-lo. Identificar-se com aquele mundo, sob o pretexto de torná-lo amigo, significa não mais ser de Jesus; significa ser “do” mundo, isto é, perder a própria identidade.

Na luta irreconciliável que se estabelecerá, depois da morte de Jesus, entre este mundo e os discípulos, o Espírito Santo estará ao lado destes, como memória e testemunha de Jesus. Será, antes de tudo, a memória viva de Cristo (cf Jo 14,25ss): ele, portanto, assegura a fidelidade da Igreja a Cristo. Faz que nossa causa com o mundo seja e permaneça de verdade “a causa de Jesus” (“a verdade!”) e não se torne uma causa diferente; ou seja, não se torne nossa causa, a defesa de nossos interesses e de nossos privilégios, que nos faria perder nossos direitos diante do mundo.

O Espírito Santo será também advogado, a testemunha e o juiz na luta entre Jesus e o mundo: Quando vier o Paráclito, que enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim (Jo 15,26); e, quando ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16,8). O processo do mundo acabará, portanto, com a vitória de Jesus, graças à presença na Igreja do Espírito.

Quando e onde será esta vitória? Agora, dentro de nós! Se nós ficarmos aqui a ouvir a Palavra de Jesus e a professar nossa fé nele é porque Cristo venceu uma vez mais o mundo em nós; ele venceu os apelos e as razões do mundo que nos diziam para não crer, para não investir nossa própria vida nele, para orientar-nos antes para outros objetivos mais imediatos, mais certos: Aquele que crê em Jesus é alguém que já venceu o mundo (cf 1Jo 5,5). A batalha e o processo não estão ainda concluídos, mas o testemunho interior do Espírito nos diz que o mundo é perdedor na causa que promoveu contra Jesus e nos dá a coragem de permanecer a seu lado também na cruz.

Dissemos que o Espírito é a testemunha de Jesus e a sua memória. A memória mais forte de Jesus, porém, é aquela que o Espírito Santo opera agora, quando faz que os dons oferecidos se tornem “o corpo e o sangue de Jesus Cristo”. Agora é o momento em que todos nos saciamos do mesmo Espírito e que, participando do Corpo e do Sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo.

Após a ascensão de Jesus ao céu, o Espírito Santo cria no homem uma abertura, um espaço interior, no qual o Senhor transfigurado pode penetrar. Agora, no Espírito Santo, ele está em nós, e nós nele. Em Cristo, como participantes de sua graça, podemos amar o Pai como ele o ama. Nele nos apresentamos diante do Pai como conhecidos e conhecedores, cheios de sua palavra e capazes de devolvê-la a Ele.

Amor cristão não significa que, por meio de uma fusão na natureza, ou de uma atitude de desprendimento pessoal, seja unido o que separa o “eu” do “tu”, mas uma disponibilidade recíproca que não invalida a individualidade, uma intimidade e dignidade que procedem do Espírito Santo.