Jesus encontra-se em Cesareia de Filipe, nos confins do território judeu. Subitamente, pergunta aos seus discípulos: Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?

A pergunta era para todos os que ouviram seus ensinamentos, viram os milagres e foram agraciados até mesmo com o poder de operar milagres em outrem. Essa Câmara Alta não tinha resposta — em parte porque não concordavam entre si; em cinco minutos estariam discutindo. Judas duvidava da sagacidade financeira de Jesus; Filipe duvidava de suas relações com o Pai dos Céus; e todos, mais ou menos, esperavam por algum libertador secular que poria fim às águias ruidosas de Roma no território deles. Então, sem pedir ou sem o consentimento dos outros, Pedro adiantou-se e deu a resposta correta e final:

Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! (São Mateus 16,16)

Pedro confessou que Cristo era o verdadeiro Messias, enviado por Deus para revelar Sua vontade aos homens e cumprir todas as profecias e a lei. Era o Filho de Deus, gerado desde toda a eternidade, mas também o Filho do Homem gerado no tempo — verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Nosso Senhor revelou a Pedro que ele não sabia disso por si mesmo: nenhum estudo ou discernimento natural jamais poderia revelar essa grande verdade.

Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus.

São Mateus 16,17

Também hoje há opiniões discordantes e errôneas a respeito de Jesus, pois é grande a ignorância acerca da sua Pessoa e missão. Apesar de vinte séculos de pregação e de apostolado da Igreja, muitas mentes não descobriram a verdadeira identidade de Jesus, que vive no meio de nós e nos pergunta: E vocês, quem dizem que eu sou? Nós, ajudados pela graça de Deus, que nunca falta, temos de proclamar com firmeza sobrenatural da fé: Tu és o meu Deus e o meu Rei, perfeito Deus e Homem perfeito, “centro do Cosmos e da história”, centro da minha vida e razão de ser de todas as minhas obras.

Depois de prometer que as portas do Inferno, o erro, o mal, nunca dominariam Sua Igreja (Mt 16:18,19), Nosso Senhor fez a primeira de Suas confissões mais explícitas a respeito de Sua morte iminente. Já tinha dado muitas pistas veladas a respeito disso, mas os apóstolos foram lentos em reconhecer que o Messias sofreria como previra Isaías. Deixaram escapar por completo a consequência daquilo que Ele sugerira ao purificar o templo: que Ele era o templo de Deus e que o templo seria destruído. Esqueceram-se de seu ensinamento sobre a serpente erguida como uma profecia de como o Filho do Homem seria erguido na cruz. Após essa revelação, mostrou-lhes abertamente que o caminho da glória, tanto para Si como para eles, levava-os ao sofrimento e à morte.

Desde então, Jesus começou a manifestar a seus discípulos que precisava ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas; seria morto e ressuscitaria ao terceiro dia.

São Mateus 16,21

Nosso Senhor não Se manifestou abertamente a respeito de Sua morte enquanto os apóstolos acreditavam que Ele era somente um homem, mas, uma vez que fora reconhecido como Deus, falou de maneira franca sobre a morte. Isso aconteceu para que Sua morte pudesse ser vista à luz apropriada, como um sacrifício em favor dos pecadores.

Mais uma vez, surgiu o misterioso “dever” que regeu Sua vida. Era a amarra forte que o unia e era feita de uma urdidura e de uma trama; por um lado, a obediência ao Pai e, por outro, o amor aos homens. Porque podia salvar, deveria morrer. O “dever” não era simplesmente uma morte, posto que imediatamente mencionou a Ressurreição no terceiro dia.

Houve uma conexão intrínseca entre a afirmação da divindade de Cristo e Sua morte e Ressurreição. No exato momento em que Cristo recebeu o mais sublime de todos os títulos e foi feita a confissão de sua mais excelsa dignidade, Ele profetizou sua maior humilhação. Ambas as naturezas de Cristo, a humana e a divina, estavam envoltas nessa predição, a saber, a do Filho do Homem que aparecera diante deles e a do Filho do Deus Vivo que acabara de ser reconhecido.

Que Deus não permita isto, Senhor! Isto não te acontecerá!

São Mateus 16:22

Pedro podia aceitar a divindade de Cristo; o sofrimento, não. A pedra tornara-se pedra de tropeço; Pedro teria, por ora, um meio Cristo, o Cristo divino, mas não o Cristo redentor. Entretanto, meio Cristo não era Cristo algum. Teria o Cristo cuja glória foi anunciada em Belém, mas não o Cristo em pleno orbe, que seria um sacrifício pelos pecados na Cruz. Pedro pensou: se ele era o Filho de Deus, por que deveria sofrer? Satanás no monte da tentação tentou-O a fugir da Cruz prometendo popularidade por intermédio da oferta do pão, da realização de maravilhas científicas ou de tornar-se um ditador. Satanás não confessou a divindade de Cristo, já que prefaciou cada tentação com um “se” “Se és o Filho de Deus”. Crédito seja dado a Pedro, pois confessou a divindade. Entretanto, juntamente com essa diferença, havia uma semelhança: ambos, Pedro e Satanás, tentaram Cristo a fugir de Sua Cruz e, portanto, da redenção. Não redimir estava no pensamento de Satanás; ter a coroa sem a Cruz era o espírito de Satã. Também era, contudo, o espírito de Pedro. Assim, Nosso Senhor chamou-o de Satanás:

Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um escândalo; teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!

São Mateus 16,23

Em um momento desprotegido, Pedro deixou Satanás entrar em seu coração, tornando-se uma pedra de tropeço no caminho do Calvário. Pedro acreditava ser indigno que Cristo sofresse, mas, para Nosso Senhor, tais pensamentos eram humanos, carnais e até mesmo satânicos. Somente pela iluminação divina, Pedro ou qualquer outro O reconheceriam como Filho de Deus; mas seria necessária outra iluminação divina para Pedro ou outro qualquer reconhecê-Lo como redentor. Pedro o teria tomado como mestre de ética humanitária — mas Satanás, igualmente. Pedro nunca esqueceu essa reprimenda. Anos depois, ainda tendo em mente a ideia da pedra de tropeço, escreveu sobre os que se recusam a aceitar o sofrimento de Cristo como ele o fizera em Cesareia de Filipe:

Mas, para os incrédulos, a pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a pedra angular, uma pedra de tropeço, uma pedra de escândalo.

1 São Pedro 2,7

Está evidente que os apóstolos tiveram um porta-voz eloquente em Pedro e que estavam igualmente estarrecidos com o sofrimento do mestre, visto que, depois de repreender Pedro, falou a todos os discípulos e ordenou, até à multidão, que guardassem suas palavras. Aos que, algum dia, professassem ser seus seguidores, enumerou três condições:

Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.

São Marcos 8,34

A Cruz foi o motivo de Sua vinda; agora, Ele a tornou o destino de seus seguidores. Não tornou o cristianismo fácil, pois sugeriu não só que deve existir uma renúncia voluntária de tudo o que dificulta assemelharem-se a Ele, mas também deve haver sofrimento, vergonha e morte na cruz. Não têm de alardear uma trilha de sacrifícios, mas apenas de seguir com zelo a trilha do Homem das Dores (cf Is 53). Nenhum discípulo é chamado para uma tarefa não experimentada. Ele tomou a cruz primeiro. Somente os dispostos a ser crucificados com Ele podem ser salvos pelos méritos de Sua morte e somente os que suportam a cruz podem realmente compreendê-Lo. Não se questionou se os homens teriam ou não o sacrifício em suas vidas; foi apenas uma questão de que vida deveriam sacrificar, a vida superior ou a inferior!

Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem sacrificar a sua vida por amor de mim, salvá-la-á.

São Lucas 9,24

Se a vida física, natural, biológica fosse salva pelo prazer, então a vida superior do espírito estaria perdida; mas, se a vida superior do espírito fosse a escolhida para a salvação, então a vida inferior ou física tinha de ser submetida à cruz e à autodisciplina. Deve haver algumas virtudes naturais sem a cruz, mas, sem ela, nunca haverá crescimento em virtude.

Carregar a cruz, explicou então, tinha por base a permuta. Permutar indica algo que a pessoa pode passar bem sem ter. Um homem pode passar bem sem um real, mas não pode passar bem sem o pão que os centavos podem comprar; então troca um pelo outro. Sacrifício não significa “desistir” de alguma coisa como se fosse uma perda; antes, é uma permuta: uma troca de valores inferiores por alegrias superiores. Nada, todavia, em todo o mundo vale uma alma.

Pois que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua vida? Ou que dará o homem em troca da sua vida?

São Marcos 8,36-37

Nesse exato momento, os apóstolos envergonharam-se Dele porque falava de Sua derrota e morte. Advertiu a respeito de qualquer um que tivesse vergonha Dele, de suas palavras ou que O negasse em tempos de perseguição. Se fosse só um mestre, teria sido absurdo da parte Dele reivindicar que todos os homens deveriam, aberta e desavergonhadamente, confessá-Lo como Senhor e Salvador. Teria sido suficiente se declamassem um ou outro de Seus ensinamentos. Entretanto, aqui, faz disso a condição para ser salvo; que os homens, com coragem, confessem que Ele, o Filho de Deus, foi crucificado.

Porque, se nesta geração adúltera e pecadora

alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras,

também o Filho do homem se envergonhará dele,

quando vier na glória de seu Pai com os seus santos anjos.

São Marcos 8,38

Depois de tanto tempo, Jesus continua a ser para muitos, que ainda não possuem o dom sobrenatural da fé ou não vivem no Espírito porque estão apoltronados na tibieza, uma figura evanescente, inconcreta.

Somente o dom divino nos permite proclamar, unidos ao credo Niceno-Constantinopolitano (381 d.C.), entregue pelo Espírito Santo ao iluminar os bispos reunidos no Concílio de Constantinopla que:

“Cremos em Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Filho de Deus. Ele é o Verbo eterno nascido do Pai antes de todos os séculos: Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E, por nós, homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus: e encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as escrituras; E subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim.”

Jesus é também homem perfeito. Nasce na maior indigência, aclamado pelos anjos do céu; passa fome e sede; cansa-se e às vezes tem de reclinar-se sobre uma pedra ou sentar-se à beira de um poço; sente-se tão esgotado que dorme enquanto navega com uns pescadores; chora junto do sepulcro do amigo Lázaro; tem medo e pavor da morte, antes de sofrer os ultrajes da crucificação.

E essa Santíssima Humanidade de Jesus, igual à nossa menos no pecado, fez-se caminho para o Pai. Ele vive hoje – Por que procurais entre os mortos aquele que vive? (Lc 24:5) e continua a ser o mesmo. Quanto gosto de recordá-lo: Jesus Cristo, o mesmo que foi ontem para os apóstolos e para as multidões que o procuravam, vive hoje para nós e viverá pelos séculos. Somos nós, os homens quem às vezes não consegue descobrir o Seu rosto, perenemente atual, porque olhamos com olhos cansados e turvos, com um olhar pouco penetrante porque nos falta amor.