Como adquirir e fazer crescer o amor a Deus?
Pesquisar a essência da lei era uma questão apaixonante para os homens religiosos do tempo de Jesus. Qual é a coisa realmente importante para Deus, no vasto acervo de tantos preceitos? Jesus participou também ele deste esforço de unificação. À pergunta: “Qual o maior dos mandamentos?”, respondeu:
“”Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de toda a sua mente.” Este é o primeiro e o maior mandamento. O segundo é igualmente importante: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. Toda a lei e todas as exigências dos profetas se baseiam nesses dois mandamentos”. Mateus 22,36-40
O primeiro e maior mandamento – o amor de Deus – Jesus o retomou do Antigo Testamento: Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças (Dt 6,4-5). Estas solenes palavras tinham se tornado como o “credo” do povo eleito; todo israelita piedoso repetia como oração vespertina do sábado. Também em tempos recentes, quantos hebreus recitaram o “Shemá Israel” – Ouve Israel – enquanto iam trêmulos para a morte nos campos de extermínio.
Hoje Jesus é abordado por um fariseu, porta-voz do grupo. Queriam surpreender Jesus em alguma contradição e ter motivo para condenar. A pergunta, aliás, foi muito inteligente, apesar da má intenção. De fato havia um acúmulo de leis. Qual seria a lei maior? Jesus deu uma resposta sintética: Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de toda a sua mente.
A grande novidade de Jesus é a segunda parte: “Ame o seu próximo como a si mesmo”. A bem da verdade, também esse fora formulado no Antigo Testamento (Lv 19,18). Com Jesus, “o próximo” adquire uma dimensão universal; Ele dá uma resposta totalmente nova à pergunta: “Quem é o meu próximo?”. Na parábola do samaritano, o “próximo” é alguém que, nos planos étnico e político, é um inimigo e religiosamente um “filho das trevas!”
Deus, portanto, vem ao encontro de nossa fraqueza, fazendo-nos amar um “outro” à medida de nossa condição humana e carnal; alguém que é “outro” diferente de nós “como pessoa”, não “por natureza”. O irmão é um “outro eu mesmo”, isto é, uma criatura como eu, mas diferente de mim. Por isso, Jesus me manda amá-lo “como a mim mesmo” e diz que o segundo mandamento é “semelhante” ao primeiro. Ele, com efeito, é homogêneo, em continuidade, com o primeiro mandamento; não se coloca “ao lado”, mas “dentro” do primeiro. O amor ao próximo é o caminho; o amor a Deus é o termo, a finalidade.
Então, como adquirir e fazer crescer o amor a Deus? Amar a Deus de todo o coração. Quando se diz simplesmente que “temos de amar a Deus”, sem acrescentar nada, a maior parte das pessoas concorda com esse mandamento. Se acrescentarmos um pouquinho mais e dissermos: “Olhe, você tem de amar a Deus sobre todas as coisas, mais do que a todas as outras coisas”, também esse acréscimo dá para aceitar, não é? Ou seja, é uma questão de grau: a pessoa ama a Deus e ama sua esposa, seus filhos, seu corpo, seu carro, sua conta bancária… Mas o pecado seria o quê? Amar mais a conta bancária do que a Deus. Se você põe tudo na balança, e o amor de Deus for maior, está tudo certo. Então, colocando os amores dentro de uma hierarquia, todo o mundo aceita esse mandamento também.
Mas o problema é que Jesus diz mais do que isso. Ele ultrapassa todas as medidas. Ele diz: “Nós temos de amar a Deus de todo o coração”. De todo o coração. Precisamos amar a Deus com nosso coração inteiro. E você vai perguntar: “Mas não sobra nada? Eu vou amar a Deus com todo o coração, e aí?… Quer dizer que eu não posso amar a minha esposa? Não posso amar meus filhos? Não posso amar meu corpo? Não posso amar meu carro, minha conta bancária?”
Para entender isso, recorramos à sabedoria dos santos, que nos ajudam a pôr em prática esse mandamento. Em primeiro lugar, recorda-nos Santo Tomás de Aquino que amar a Deus de todo o coração é amar a Deus como o fim último de todas as coisas. Então, se um homem ama a sua esposa, e com isso se esquece de Deus, ele está pecando; mas se ele ama o seu cônjuge por causa de Deus, está fazendo uma coisa boa e outra mais importante ainda. Se ele ama a sua mulher esquecendo-se de Deus, na verdade não está amando-a, pois não vê nela aquilo que há de mais importante, o fato de que ela é imagem e semelhança de Deus, ela é um “sacramento” de Deus para mim. Então, isso, que está no amor de um marido para com a esposa, podemos transferir em graus variados para as diversas realidades deste mundo.
Podemos amar a nós mesmos por causa de Deus. Mesmo com todos os defeitos e limitações que possuímos, podemos dizer: “Deus me amou e se entregou por mim. Ele morreu na Cruz por mim, derramou o seu sangue por mim. Deus me amou, e, por isso, sou amável. Eu preciso me amar por obediência a Ele, que primeiro me amou”.
E Deus nos ama como suas criaturas — que participam de forma finita da sua obra de bondade infinita — mas também como filhos, chamados a uma bem-aventurança sobrenatural, na qual iremos nos unir a Ele no Céu. E, para que cheguemos a essa união com Ele, precisamos verdadeiramente amar a Deus de todo o coração.
É como diz Santa Teresa d’Ávila: nós temos de nos dar por inteiro Àquele que é o tudo, sem nos dividir em pequenas partes. Ela diz assim no Caminho de Perfeição, cap. 8: “Darnos del todo al Todo sin hacernos partes”. Temos de nos entregar por inteiro, sem ficar divididos em pedacinhos, pois, do contrário, seremos como aquela Marta, dividida: “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas com muitas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte” (Lc 10, 41-42), a única coisa necessária.
É preciso amar Deus em tudo que realizamos. Se você é mecânico e conserta motor de carro, prestando um serviço às pessoas, queira prestar esse serviço amando Jesus, que vai usar aquele carro. Se você trabalha no serviço de limpeza, pense que será Jesus a usar o banheiro da próxima vez. Ao fazer isso, você estará amando a Deus de todo o coração.
Porém, sempre haverá aquele que diz: “Tudo bem, devemos amar a Deus, precisamos orar; mas sem radicalismos… Isso é muito exagerado; não podemos ter extremos assim. Isso é desequilibrado”.
Então, deixe-me explicar: no primeiro mandamento, não há “equilíbrio”, não há limite máximo. O tanto que você conseguir e puder dar, você o tem de dar. Nas outras virtudes, nós temos de ter equilíbrio, mas não no mandamento do amor, porque ele é a finalidade de tudo; e a finalidade ou busca-se por inteiro ou não se busca.
Façamos uma comparação primeiro, antes de explicar a coisa concretamente. Quando um médico quer curar o paciente, ele não quer curá-lo de forma “equilibrada”, como se dissesse: “Vou curar só um pouquinho”. Não, isso não existe! O médico quer curar o paciente por inteiro, radicalmente, totalmente. E o médico quer isso porque essa é a finalidade.
Ora, para alcançar a finalidade, o médico pode querer coisas equilibradas, como, por exemplo, estabilizar a temperatura do corpo. Isso porque a pessoa não pode estar com febre (temperatura alta), mas também não pode estar com hipotermia (temperatura baixa). Da mesma forma, a pressão arterial não precisa nem estar alta nem estar baixa, precisa estar equilibrada. O apetite não tem de ser excessivo nem tem de faltar; mas a finalidade é a saúde.
A finalidade, o médico não a quer pela metade, ele a quer por inteiro; ele não quer um equilíbrio da saúde: “Vamos fazer o seguinte: o paciente vai ficar um pouquinho doente e um pouquinho saudável”. Veja que absurdo seria.
Assim é a nossa vida. A finalidade da nossa vida é amar a Deus e um dia nos unirmos a Ele no Céu. Então, nós temos de tender a essa finalidade.
O primeiro mandamento deve ser obedecido porque nós todos precisamos tender a ele. Santo Tomás de Aquino explica dizendo que todos os seres humanos têm de buscar isso: “Buscai primeiro o reino de Deus”, buscar primeiro esse amor a Deus de todo o coração, de toda a alma, de todo o entendimento e com toda a nossa força. Na vida espiritual, ou você progride ou você regride, ou você busca e avança ou então você está ficando pior.
Essa realidade, nós só iremos alcançá-la plenamente lá no Céu, mas aqui na terra nós precisamos nos esforçar cada vez mais e pedir a Deus essa graça, porque é evidente: ninguém consegue amar a Deus sem a ajuda do próprio Deus. Precisamos sentar-nos na soleira da porta do Senhor e bater, bater, bater à porta e dizer: “Senhor, dá-me a graça para que eu te ame como quer ser amado”. Nós temos de pedir a Ele essa graça.
O primeiro mandamento é vivido na prática quando amamos a Deus em todas as coisas. Aí, nem precisamos explicar o segundo dos dois grandes mandamentos que Nosso Senhor apresentou no Evangelho de hoje. Por quê? Porque já está lá. Quando amamos a Deus nas pessoas, os dois mandamentos estão sendo cumpridos conjuntamente.
Agora, na parte final desta meditação, vamos dar algumas dicas mais concretas de como podemos crescer no amor a Deus.
Para isso, vamos usar a famosa obra de Santo Tomás de Aquino, o seu Comentário aos Dez Mandamentos, onde ele, no prólogo, ensina-nos como fazemos para adquirir o amor e crescer nele. Dois pontos para cada uma das duas coisas.
Muito bem, primeiro: como fazemos para adquirir o amor a Deus? Como acender o fogo do amor que precisa irradiar e “consumir o mundo inteiro”? Sim, o fogo do amor tem de consumir o mundo inteiro. Mas, como obtemos a primeira faísca que dará origem à chama do amor?
Santo Tomás diz que, para você adquirir o amor e ser capaz de amar, é necessária a escuta diligente da Palavra de Deus, ou seja, precisamos verdadeiramente buscar a Deus e meditar a sua Palavra. Esse é o primeiro ponto: ouvir a Palavra de Deus.
Santo Tomás, inclusive, cita alguns versículos: “A palavra do Senhor o incendiou (pôs José à prova)” (Sl 105, 19); e “Não é verdade que nós sentíamos abrasar o coração quando Ele nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras? Não ardia o nosso coração?” (Lc 24, 32). Quando nós ouvimos a Palavra de Deus, ela, aos poucos, vai fazendo arder o nosso coração, e assim, ao percebermos o quanto somos amados, a chama do amor surge em nós.
No fundo, no fundo, o que São Tomás está dizendo aqui é aquilo que São João diz na sua Primeira Carta: “O amor consiste nisto: Deus nos amou por primeiro” (1 Jo 4, 10). Ele nos amou por primeiro, mas precisamos receber a notícia desse amor, e não tem como isso acontecer se não tivermos contato com a Palavra de Deus. É um ato de fé ouvir a Palavra; e tudo começa pela fé: “O justo vive pela fé” (1 Jo 4, 10).
Ora, é necessário que essa fé cresça; e esse é o segundo ponto que coloca Santo Tomás ainda no que se refere a como adquirir a caridade. O segundo ponto é a “cogitação dos bens”, ou seja, olhando para nossa vida, precisamos ver os benefícios de Deus, meditar sobre isso e, aos poucos, nutrir dentro de nós essa convicção do quanto fomos amados e do quanto Ele nos quer bem. Meditar sobre a Paixão de Cristo, meditar sobre os benefícios de Deus, sobre a graça de pertencer à Igreja e de ter acesso aos sacramentos. São inúmeros os benefícios que recebemos.
Então, esses dois pontos para fazer surgir o amor dentro de nós, no fundo, no fundo, resumem-se em um só: ouvir a Palavra e meditar sobre o amor de Deus. Enfim, aqui nós vemos que Santo Tomás está nos falando claramente da vida de oração. Sem a vida de oração, não há amor; ninguém consegue realmente ter um coração abrasado de amor por Deus.
Agora, vem a segunda pergunta: Como fazer crescer a chama do amor a Deus até que ela tome conta de todo o nosso coração? Novamente, Santo Tomás apresenta duas coisas a serem feitas. A primeira é separar o nosso coração das coisas do mundo.
Por quê? Porque, se olhamos para este mundo como sendo a finalidade da nossa vida, jamais conseguiremos buscar a Deus como fim último de tudo que realizamos. Se neste mundo existe felicidade, ela está na graça de Deus, está em receber de Deus o seu amor e caminhar para Ele lá no Céu; a felicidade não está aqui.
No entanto, as pessoas procuram a felicidade no dinheiro, no sexo e nos bens materiais; procuram a felicidade em coisas aparentemente honestas, mas que, uma vez colocadas no lugar de Deus, tornam-se desordenadas. Se você faz da sua família um ídolo, colocando-a no lugar de Deus e amando-a acima de Deus, sua família está atrapalhando você.
Obviamente, você não precisa parar de amar sua família. Mas deve se desapegar, parar de ser dono da sua família e entregá-la a Deus, porque quem entrega tudo a Deus termina reencontrando tudo em Deus. Esse desapego — separar o coração das coisas do mundo, como diz São Tomás — significa livrar-se dessa realidade idolátrica, que nos faz transformar tudo em substituto de Deus.
Então, só há um jeito: entregar tudo para Deus. Entregue sua família para Deus, seus bens, sua saúde, seu corpo, tudo aquilo que você ama.
E, além disso, para aumentar o amor a Deus, o segundo ponto que coloca Santo Tomás de Aquino é ter uma firme paciência nas contrariedades. Quando suportamos coisas difíceis por aquele a quem amamos, o amor não é destruído, mas só aumenta. Como diz o Cântico dos Cânticos (8, 7), lembra Santo Tomás: “As muitas águas não poderiam extinguir o amor”. Por isso os santos que suportaram contrariedades em nome de Deus foram os que mais se firmaram e cresceram no amor a Ele. A paciência, o carregar a cruz por amor a Jesus Cristo, é o caminho da santificação.
Então, vamos resumir o que falamos, para que você possa realmente tirar fruto da meditação deste Evangelho. Primeiro: amar a Deus de todo o coração é amar a Deus como finalidade; portanto, por trás de todas as coisas que amamos, deve estar Deus como fim último. Deus tem de ser a razão pela qual amamos todas as coisas.
Uma vez que entendemos o mandamento, como vamos fazer para, primeiro, adquirir o amor e, depois, fazer com que ele cresça? Como faremos para adquirir e acender a chama do amor de Deus em nosso coração e, segundo, fazer com que essa chama cresça e incendeie tudo?
Para fazer com que o amor apareça, são duas coisas: ouvir a Palavra e meditar sobre os benefícios de Deus. Essas são duas coisas: i) ouvir a Palavra e ii) meditar sobre os benefícios de Deus.
Depois, uma vez que já temos esse amor, para que ele cresça, precisamos fazer duas coisas: i) desapegar-nos daquilo que é idolátrico, que toma o lugar de Deus, mesmo que sejam coisas honestas, mas que estão ali atrapalhando — temos de entregar tudo isso a Deus; ii) e ter paciência nas adversidades. Essas são as duas coisas para aumentar a caridade: o desapego e a paciência.
Portanto, essa é a grande lição de Santo Tomás nesse Evangelho. Que ela verdadeiramente nos ajude a ter um crescimento no amor, nesse amor generoso que Deus espera de nós, um amor ardente que estava no coração de todos os santos e que é a marca essencial do cristão.
Lembre-se sempre: O amor não distingue, abraça!
Distinguir para classificar entre o que se ama e o que se despreza, é uma grande tentação que atravessa a história. Distingue-se entre homens e mulheres, bons e maus, ricos e pobres, amigos e inimigos, numa lista que não termina, carregada de efeitos secundários. O amor não distingue. O amor não tem efeitos secundários. O amor abraça e aproxima. Conhecido pelo amor nada é estranho, ninguém é diferente, todos são amáveis. Aproximar no amor para abraçar e transformar em amigos os que se têm por inimigos. O milagre do amor a Deus transforma em amáveis todos e tudo o que pertence a Deus.
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