“Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo:— Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que tenho ordenado a vocês. E eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos.” Mateus 28:18-20

Era a solene inauguração da Igreja. Jesus ressuscitado acabava seu viver terreno como havia vivido até então, para entrar em outra dimensão: a perspectiva escatológica que ele mesmo inaugurou rompendo o muro da morte. Com a Ascenção começava o tempo da Igreja, tempo compreendido entre dois eventos: a subida de Cristo à destra de Deus Pai, e seu retorno no fim dos tempos: “Esse Jesus que foi levado do meio de vocês para o céu virá do modo como vocês o viram subir (At 1,11).

Nas páginas de Lucas, vemos já esta Igreja delineada em seus traços essenciais e em sua estrutura fundamental: estão presentes os apóstolos, isto é, as testemunhas, o Espírito, testemunha por excelência e intérprete da Palavra de Cristo, os destinatários, que são todos os confins da terra. É a Igreja instituição e carisma, nossa Igreja feita de homens, mas também do Espírito Santo, “vaso de argila” que contém, porém, um grande tesouro.

O Evangelho define este quadro da Igreja nascente e nos faz assistir aos primeiros passos da história. Ele nos transporta ao momento em que Jesus está dando as últimas instruções aos apóstolos antes de deixá-los. É o momento em que lhes confia a instituição fundamental – o Batismo – com a finalidade de gerar a Igreja, como matrimônio gera a família: Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19). Mateus nos apresenta, a este ponto, a mesma visão densa de significado que observamos na narração dos Atos. Jesus sobe à direita do Pai e os apóstolos partem para pregar em todo o mundo. A Igreja nasceu e inicia seu caminho na história. Aquela que nos é apresentada nestes textos é, portanto, a Igreja deste mundo, formada por pessoas, que recebeu o mandato de pregar, de batizar, de ser, afinal, sinal e lugar de salvação para todos os povos.

“Peço ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, que conceda a vocês espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele. Peço que ele ilumine os olhos do coração de vocês, para que saibam qual é a esperança da vocação de vocês, qual é a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual é a suprema grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder. Ele exerceu esse poder em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nas regiões celestiais, acima de todo principado, potestade, poder, domínio e de todo nome que se possa mencionar, não só no presente século, mas também no vindouro. E sujeitou todas as coisas debaixo dos pés de Cristo e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1:17-23).

E agora passamos ao trecho do apóstolo Paulo onde iremos nos encontrar diante da mesma realidade, do mesmo evento, mas de um ponto de vista novo e diferente. O fato da glorificação e da assunção de Jesus à direita do Pai está claramente expresso: ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nas regiões celestiais. Mas a Igreja que nasce desse evento parece ser uma Igreja toda espiritual e interior, sem apóstolos, sem batismo, sem instituições. Ela é o domínio de Cristo sobre todas as coisas, o corpo do Redentor que ficou aqui embaixo, na espera de se realizar plenamente, membro por membro, tornando-se semelhante à cabeça, para ser digno de segui-lo em sua glorificação, até que forme com ele “um corpo e um só espírito”. 

Uma visão grandiosa e cósmica descortina-se diante de nosso olhar de crentes: Cristo que senta no vértice do universo como seu centro de iluminação, para quem tudo é orientado e a quem tudo tende entre gemidos da situação presente. Sim, também isto é a Igreja; é a outra face, a face invisível da Igreja. Este Cristo glorificado que atrai a si o universo é a alma da Igreja; é a Igreja da reunião, porque ali vão reunir-se e fazer corpo todos os “seguidores” da terra.

Há, portanto, desde o dia de seu nascimento, duas Igrejas? Estamos nós irremediavelmente condenados a escolher entre a Igreja visível de Lucas e de Mateus e a Igreja espiritual de Paulo? Entre a Igreja instituição e a Igreja mistério?

A tentação é grande e hoje se põe de modo agudo entre os cristãos. É a tentação de escolher a parte em lugar do todo. Há quem escolha viver na Igreja instituição, não vendo nela outra coisa senão uma sociedade organizada, estruturada hierarquicamente, e há quem, ao invés, só aceita dela a face invisível e espiritual. Mas por esse caminho só se terá um embrião de Igreja, uma Igreja pela metade. A Igreja verdadeira de Jesus Cristo é o resultado vivo de uma e de outra coisa: da Igreja visível e do seu mistério escondido; é o Cristo total, formado pela cabeça, glorificada e pelo corpo que vive neste mundo, a verdadeira Igreja – como Cristo – teândrica, isto é, divina e humana, inseparavelmente. Dela, a sociedade é provida de comunidades locais e o corpo místico de Cristo, a assembleia visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja enriquecida de bens celestes não devem ser considerados duas coisas, mas formam uma só realidade complexa em que se funde o elemento divino e humano.

São Paulo, em outro trecho de sua carta aos Efésios, nos coloca na pista desta síntese; partindo, com efeito, ainda uma vez, do evento da subida de Cristo à direita do Pai, ele delineia esta dupla realidade da Igreja como mistério e como instituição, restituindo a verdadeira imagem da Igreja: Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo – esta é a Igreja mistério. Mas, prossegue Paulo, quando subiu ao alto, levou muitos cativos, cumulou de dons os homens. Estes dons são os ministérios que constituem a Igreja visível: a uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, mestres, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para […] edificação do corpo de Cristo […]. É por Ele que todo corpo – coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria – efetua esse crescimento, visando à sua plena edificação no amor (Ef 4,5-16).

Vivemos rodeados de dons de Deus. Tudo o que temos de bom, as qualidades da alma e do corpo …, são dádivas do Senhor para que sejamos felizes nesta vida e com elas alcancemos o Céu. Como sabemos, a partir do batismo o nosso Deus-Pai nos cumulou de bens incontáveis. Apagou a mancha do pecado original na nossa alma. Enriqueceu-nos com a graça que nos santifica, pela qual nos fez participantes da sua própria vida divina e nos constituiu seus filhos. Fez-nos membros da sua Igreja.

Juntamente com a graça, Deus adornou a nossa alma com as virtudes sobrenaturais (1Co 13,13) e os dons do Espírito Santo. As virtudes dão-nos o poder, a capacidade de agir sobrenaturalmente, de apreciar o mundo e os acontecimentos a partir de um ponto de vista mais alto, o da fé, e de nos comportarmos como verdadeiros filhos de Deus. Permite-nos conhecer intimamente a Deus, amá-lo como Ele se ama, e realizar obras meritórias para a vida eterna. Sob a influência destas virtudes, o nosso trabalho, ainda que humanamente pareça de pouca importância, converte-se num tesouro de méritos para o Céu.

“As virtudes sobrenaturais dão-nos, pois, a capacidade de agir sobrenaturalmente, assim como, analogamente, as pernas nos permitem caminhar e os olhos nos permitem contemplar o mundo à nossa volta. Mas não basta ter pernas para empreender uma viagem, nem olhos para contemplar um quadro. É necessária a cooperação da nossa liberdade, o nosso querer e o nosso esforço para começarmos a caminhar ou para prestarmos atenção à beleza de uma obra de arte. Os dons do Espírito Santo (Is 11,1-5) são um novo presente que Deus faz à alma precisamente para que possa realizar de um modo mais perfeito e como que sem esforço as obras boas através das quais se manifesta o amor a Deus, a santidade” (Cf São Tomás, Suma Teológica, 1-2, q.68, a. 1).

Por esses dons, a alma é revestida de um aumento de forças e aptidão, para mais fácil e prontamente obedecer à voz e ao incitamento do Espírito Santo; possuem além disso tanta eficácia que conduzem a pessoa ao mais alto grau de santidade, e são tão excelentes que permanecem os mesmos no reino celestial, embora mais perfeitos. Graças a estes carismas, a alma sente-se associada e estimulada a empenhar-se em alcançar as bem-aventuranças evangélicas que, quais flores desabrochadas em plena primavera, prenunciam a bem-aventurança eternamente duradoura.

Os dons do Espírito Santo vão modelando a nossa vida segundo as maneiras e modos próprios de um filho de Deus, e dão-nos maior sensibilidade para ouvir e pôr em prática as moções (orientações, movimentos, conselhos) e iluminações do Paráclito, que desse modo vai governando com prontidão e facilidade a nossa vida, guiada agora pelo querer de Deus, e não pelos gostos e caprichos pessoais.

Hoje pedimos ao Espírito Santo que dobre em nós o que é rígido, especialmente a rigidez da soberba; que aqueça em nós o que está frio, a tibieza no relacionamento com Deus; que reconduza o extraviado, porque são muitos os apegos terrenos, o peso dos pecados passados, a fraqueza da vontade, o desconhecimento daquilo que em tantas ocasiões seria mais grato a Deus … Daqui provém os fracassos e debilidades, os cansaços e derrotas. Por isso, pedimos-lhe na nossa oração que nos arranque da alma “o peso morto, resto de todas as impurezas, que a faz prender-se ao chão; para que suba até a Majestade de Deus, a fundir-se na labareda viva de Amor que é Ele.

A luz que recebemos na inteligência faz-nos conhecer e compreender as realidades espirituais; a ajuda que a nossa vontade obtém permite-nos aproveitar com eficácia as oportunidades de realizar o bem que se apresentam todos os dias e de rejeitar tudo aquilo que nos possa afastar de Deus. 

O dom da inteligência mostra-nos com maior clareza as riquezas da fé; o dom da ciência leva-nos a julgar com retidão as coisas criadas e a manter o coração em Deus e nas coisas criadas na medida em que nos conduzem a Ele; o dom da sabedoria faz-nos compreender as maravilhas insondáveis de Deus e incita-nos a procurá-lo sobre todas as coisas e no meio de nossas obrigações; o dom de conselho mostra-nos os caminhos da santidade, o querer de Deus na nossa vida diária, e anima-nos a optar pela solução que mais se harmoniza com a glória de Deus e com o bem dos outros; o dom da piedade inclina-nos a tratar a Deus com a confiança com que um filho trata a seu pai; o dom da fortaleza estimula-nos continuamente e ajuda-nos a vencer as dificuldades que encontramos no nosso caminhar para Deus; o dom do temor induz-nos a fugir das ocasiões de pecado, a evitar o mal que possa entristecer o Espírito Santo, a ter um receio radical de nos separarmos dAquele que amamos e que constitui a nossa razão de ser e viver.

A Ascensão se nos apresenta, assim, não tanto como um evento de partida de Jesus deste mundo quanto como um acontecimento de sua permanência aqui na terra. Ele, com efeito, não deixou este nosso universo. “Não abandonou o céu quando de lá desceu até nós e nem se afastou de nós quando novamente subiu ao céu. Ele é exaltado acima dos céus: todavia, sofre aqui na terra todos os dissabores que nós, seus membros, suportamos. Disto deu testemunho gritando: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’” (Santo Agostinho, Sermo Mai, 98). Cristo está ainda presente e comprometido com este mundo com todo seu corpo que é a Igreja. O Espírito Santo deseja dar-nos os seus dons de uma forma tão abundante que formem um rio impetuoso na nossa vida sobrenatural e produzam em nós os seus frutos admiráveis. Só espera que afastemos os possíveis obstáculos da nossa alma, que lhe peçamos mais desejos de purificação – que virá através de nosso cotidiano, nos desafios e adversidades, se aceitarmos o sofrimento como cruz que mortificará a velha natureza pecaminosa.

Esta Igreja integral, Cabeça e corpo, celebra agora a Eucaristia. É este o momento em que aquela unidade sempre difícil entre instituição e mistério nos é oferecida como experiência de vida. Aqui se torna presente toda a Igreja visível: a assembleia dos fiéis, o sacerdócio, a adoração, a Palavra, os sinais sacramentais. Pois bem, toda esta Igreja entra agora, em nossa celebração, em comunhão de vida, real, com a Igreja oculta que é o Cristo glorioso à direita do Pai e o Espírito que dele procede para santificar os que creem. Por um instante, como em Emaús, ele é reconhecível. Faz-se a unidade da Igreja no sacramento, e nós crentes somos chamados a viver intensamente e em profundidade esta experiência de unidade, para manifestá-la depois em nossa vida e para ser suas testemunhas perante o mundo.