A dignidade do corpo humano e sua importância no cumprimento de nossa vocação
“Ele não é Deus de mortos, mas de vivos, pois para ele todos vivem”. Lucas 20,38
Hoje quero convidá-lo através do evangelho em destaque a aprofundar nossa fé na ressurreição dos mortos. É uma das verdades fundamentais; desde o início a igreja proclama essa verdade através do Credo com as palavras: “E espero a ressurreição dos mortos”.
Mas essa fé não nasce do improviso, do nada; tem raízes em toda a precedente revelação bíblica, da qual representa a conclusão esperada, e por assim dizer, o fruto mais maduro. Sobretudo duas certezas conduziram a esse desfecho: a certeza da onipotência de Deus e da insuficiência e da injustiça da retribuição terrena. O poder criador e salvador de Deus é tal que acompanha o homem também depois da morte; a morte marca o limite extremo do homem, mas não do poder de Deus como vemos em 1º Samuel 2,6: “O Senhor é quem tira a vida e quem a dá; ele faz descer à sepultura e faz subir”. Por outro lado, aparecia sempre mais evidente, especialmente depois da experiência de Jó, que a sorte dos bons neste mundo é tal que, sem a esperança de uma retribuição diferente depois da morte, seria impossível não cair no desespero: nesta vida, tudo acontece da mesma maneira ao justo e ao ímpio, seja a felicidade, seja a desventura.
O episódio evangélico em destaque, no seu contexto, nos documenta sobre o estado desta crença nos tempos do Novo Testamento e nos faz conhecer a esse respeito o pensamento, para nós decisivo, de Jesus. Trata-se de um trecho reproduzido, com poucas diferenças, por todos os três sinóticos, sinal que desde o início sua importância não passou despercebida pela Igreja. A iniciativa, desta vez, é dos saduceus, que eram os representantes da aristocracia sacerdotal de Jerusalém. Atendo-se, por princípio, à revelação bíblica mais antiga, “a mosaica”, eles não tinham aceitado a doutrina da ressurreição dos mortos, que consideravam uma novidade. O que dizem a Jesus não contém um pedido de explicação, mas um desafio. Retomando a lei mosaica de Deuteronômio 25 sobre o levirato (a mulher que fica viúva sem filhos homens é desposada pelo cunhado, que suscita assim uma prole ao irmão, permitindo manter a propriedade dentro da família do falecido), eles lançam a hipótese do caso-limite de uma mulher que passou, deste modo, por sete maridos, para depois perguntar em tom de triunfo, seguros de ter demonstrado o absurdo da ressurreição: “Esta mulher, na ressurreição, de quem será mulher?”.
A resposta de Jesus é extraordinária; sem fugir do termo escolhido pelos adversários que era a lei mosaica, com poucas palavras, ele primeiro mostra onde está o erro dos saduceus e o corrige, depois dá à fé na ressurreição a sua fundamentação mais profunda e mais convincente. Compreende-se a exclamação de admiração que sai da boca de alguns dos presentes: “Mestre, falaste bem!”.
Jesus, portanto, pronuncia-se sobre dois pontos: sobre o “modo” e sobre o “fato” da ressurreição. O erro dos saduceus é que leem mal as Escrituras; as leem como racionalistas e assim não sabem ler a coisa mais importante, que é “o poder de Deus” (cf Mc 12,24). Este poder de Deus, que no início criou o homem do nada, no fim fará que ressuscite da morte; a ressurreição não é obra da natureza, mas da onipotência divina: “Tudo é possível a Deus!”. Talvez os saduceus tivessem assimilado sobre este ponto as ideias do mundo culto da época, e a fé bíblica da ressurreição dos mortos opunham a fé helenística da imortalidade da alma. O homem sobrevive, sim, depois da morte, não, porém, pelo poder de Deus que o ressuscita, mas porque sua alma é naturalmente imortal e só precisa libertar-se do corpo para viver eternamente. A caricatura que eles formam da vida dos ressuscitados serviria, neste caso, para combater não tanto a ideia de que haja uma vida depois da morte quanto a ideia de que esta vida seja alcançada mediante uma ressurreição que envolve também o corpo.
Jesus lhes responde afirmando com grande vigor a condição espiritual dos ressuscitados: mas os que são considerados dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos não casam, nem se dão em casamento. Pois não podem mais morrer, porque são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição (Lc 20:35,36). O casamento está ligado à presente condição de mortalidade do homem; onde não há mais morte, não mais necessidade de nascimentos e, portanto, de se casar. Não é que desapareça a união que existiu entre as pessoas durante a vida num vínculo santo; tudo o que há de positivo no mundo não é destruído na ressurreição, mas sublimado e espiritualizado. Em outras palavras, a vida de ressuscitados não é como a vida de antes, é diferente, assemelha-se, de certo modo, à vida dos anjos e participa da mesma vida de Deus (são filhos de Deus). Lembrando, naturalmente, a este ponto, o que diz o evangelista João: Amados, agora somos filhos de Deus, mas ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é (1Jo 3:2).
O maior peso da resposta de Jesus não está sobre o modo, mas sobre o fato, isto é, não sobre o “como” será a ressurreição, mas sobre o “fato de que” haverá ressurreição. Jesus se refere também a Moisés; precisamente ao episódio da sarça ardente onde Deus se proclama Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó e conclui: Deus não é Deus de mortos, mas sim de vivos; todos com efeito, vivem para ele. Se Deus faz essa proclamação num momento em que esses personagens estão mortos há muitas gerações, e se Deus é Deus de vivos, então quer dizer que Abraão, Isaac e Jacó estão vivos! A passagem sugere a única consideração que, mais do que todas as outras, confirma o cristianismo moderno na sua fé numa vida além da morte; para ele, com efeito, esta esperança está baseada não em provas platônicas referentes à natureza da alma, mas na experiência de comunhão com Deus.
Jesus, como se vê, põe uma alternativa radical: ou fé na ressurreição dos mortos ou ateísmo! As duas coisas ou ficam em pé ou caem juntas; não se pode crer num Deus que colocou em movimento céu e terra para o homem, que para ele sonhou uma grandiosa história de salvação, se depois o próprio homem fosse destinado a acabar no pó da sepultura. Deus acabaria, no fim, reinando sobre um imenso cemitério; seria um Deus dos mortos e, consequentemente, um Deus morto ele mesmo. Toda a vida não passaria de uma brincadeira cruel, um fazer-nos entrever e desejar a luz, a alegria, a vida, mas só para nos dizer que não são feitas para nós. Basta formular um pensamento desta natureza para ver-lhe o absurdo e afastar-se dele com horror. Uma vez que se acreditou em Deus, precisa-se de mais esforço para não crer na ressurreição dos mortos do que para crer nela. Compreende-se por que Jesus conclui sua discussão com os saduceus com uma inusitada força e quase com desprezo: Vocês estão completamente enganados (Mc 12,27).
Bem, deste quadro que estamos traçando sobre a fé bíblica na ressurreição dos mortos, nesse contexto falta o elemento mais importante de todos: a ressurreição de Cristo! Para ela somos encaminhados oportunamente para o evangelista João: Eu sou a ressurreição e a vida, diz o Senhor; quem crê em mim ainda que morra viverá (Jo 11,25). Nós não podemos desenvolver aqui toda a argumentação de Paulo no capítulo 15 da primeira carta aos Coríntios; devemos, porém, lembrar a afirmação central: Ora, se o que se prega é que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como alguns de vocês afirmam que não há ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, então Cristo não ressuscitou (1Co 15:12-13). Para o Novo Testamento, a ressurreição de Jesus não é um evento isolado, mas representa o início e a antecipação da ressurreição geral dos mortos; Jesus é o primeiro dos ressuscitados; é “as primícias” (1Co 15,20), mas não há primícias a não ser em relação a uma inteira colheita. Provavelmente, o apóstolo encontrou pessoas que eram influenciadas, como os saduceus, pelo pensamento grego, que admitia a imortalidade da alma, mas não a ressurreição do homem inteiro, ou – se o admitiam – pensavam que ela já tinha acontecido no batismo, quando tinham recebido o Espírito Santo e a vida nova (cf 2Tm 2,18).
Esta, portanto, a fé na ressurreição dos mortos. Certamente tal fé compreende a fé no “juízo”, porque todos ressurgirão no último dia, mas nem todos para a vida eterna; a ideia da ressurreição geral da morte não anula a outra verdade claríssima, também se um tanto difícil para nós, do castigo eterno dos ímpios (cf Mt 25,46).
Mas hoje detenhamo-nos no aspecto positivo e consolador de tal fé. Se nós hesitamos em abrir a ela toda a alma, não é porque nos parece absurda, mas porque nos parece por demais linda, correspondendo demais ao desejo mais íntimo de nosso coração. Nós – conforme diz Paulo – não queremos ser despojados de nosso corpo, mas revestidos, isto é, não queremos sobreviver com uma parte somente de nosso ser – a alma – mas com todo o nosso eu, alma e corpo; por isso, não desejamos que nosso corpo mortal seja destruído, mas que seja absorvido pela vida e se vista, ele também, da imortalidade (cf 2Co 5:1-5; 1Co 15:51-53). Queremos ficar felizes com nosso corpo, não às custas dele. Quase todas as religiões com sua fé, acolhendo o indelével anelo do homem à vida, pregaram uma vida depois da morte; a novidade da Bíblia é que esta vida depois da morte não é concebida como uma repetição em cadeia da mesma vida de antes (como acontece na doutrina da “reencarnação”, própria do hinduísmo e de outras religiões orientais), nem como vida parcial, isto é, limitada ao único elemento espiritual do homem, mas como “vida eterna” e “vida plena”. Todo homem criado por Deus é destinado a viver na comunhão com Deus!
Que garantias temos para dizer que esta nossa inaudita espera será, um dia, realidade? Nenhuma, se por garantias entendemos somente as concedidas pela natureza ou por alguma lei; ao nascimento do homem há a garantia certa de que ele vai morrer, mas em sua morte não há uma garantia análoga de que ressuscitará. Há somente a garantia dada pela fé e que se baseia na promessa de Deus; somente que esta promessa já começou a ser cumprida, porque Jesus foi ressuscitado da morte! Portanto, é uma esperança que não pode enganar.
Como acolheu o mundo a revelação bíblica sobre a ressurreição dos mortos? O discurso de Paulo no Areópago é disso a melhor ilustração: com um sorriso de compaixão! A respeito disso te ouviremos outra vez (At 17,32). Se a fé na ressurreição fosse realmente um “mito” e um produto da mentalidade “não científica” dos antigos, como se diz por vezes, ela teria sido acolhida sem dificuldade; ao invés, provocou escândalo então como o provoca hoje. Somente que o motivo do escândalo de então, é diferente do de hoje, e até o oposto. Por que os gregos acharam ingênuo o dogma da ressurreição do corpo? Porque ele, a seus olhos, supervalorizava a importância deste mundo e deste corpo, prometendo também para eles uma salvação. Para eles a verdadeira salvação era a libertação “saindo do corpo”, não a salvação “do” corpo; a salvação era libertar-se da prisão deste mundo caótico e transitório e voltar ao estado de seres imateriais. Recusavam a ressurreição pelo mesmo motivo pelo qual recusavam a Encarnação do Filho do Homem.
Por que acham ingênua a fé na ressurreição dos mortos os não crentes de hoje, especialmente os marxistas? Porque, em seu modo de ver, ela não toma suficientemente a sério este mundo e sua história; em vez de empenhar o homem na luta para mudar a sociedade e, aqui na terra, instaurar uma condição de liberdade e de felicidade, os crentes compelem o homem a sonhar a felicidade além, fruto da ilusão e da alienação. Quem pensa assim desvirtua completamente o sentido da fé cristã na ressurreição do corpo. Primeiro, porque tal fé não nasce pelo desgosto pela vida, mas da paixão pela vida (“Tu és digno de continuar a viver … é tão doce viver e a luz é tão linda”, diziam os carrascos a um mártir do terceiro século, chamado Piônio; mas ele respondia: “Sim, sei que é bonito viver, mas nós estamos à procura de uma vida melhor. A luz é linda, mas nós desejamos a verdadeira luz; eu sei que a terra é linda, é obra de Deus. Se nós renunciamos a ela não é por desgosto, nem por desprezo, mas porque conhecemos bens melhores”). Segundo, porque a fé na ressurreição não priva o crente de seu empenho moral na história, mas o incentiva, o impulsiona: “A esperança da ressurreição” – escreveu um Pai da Igreja – “é a raiz de toda boa ação; a espera da retribuição fortalece a alma para o cumprimento do bem. Todo operário está pronto a suportar a fadiga se prevê a recompensa […] Cada alma que crê na ressurreição tem cuidado de si mesma, a que não crê na ressurreição abandona-se à ruína. Quem crê que o corpo permanece para a ressurreição cuida desta veste da alma e não a suja com fornicação. Quem, ao invés, não crê na ressurreição abandona-se à impureza, abusando do próprio corpo como de algo que não lhe pertence. A fé na ressurreição dos mortos é, portanto, um grande ensinamento e advertência da Igreja Cristã, grande e necessário, negado por muitos, embora provado pela verdade. Os gregos o combatem e os hereges o derrubam: a contradição tem várias faces, enquanto a verdade só tem uma” (São Cirilo – bispo séc. IV).
O homem não somente possui uma alma livre, belíssima entre as obras de Deus, feita à imagem e semelhança do Criador, e imortal porque assim Deus o quis, mas também um corpo que ressuscitará e que, se estiver em graça, é templo do Espírito Santo. São Paulo recordava frequentemente esta verdade aos primeiros cristãos: Será que vocês não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo, que está em vocês e que vocês receberam de Deus, e que vocês não pertencem a vocês mesmos? (1Co 6:19).
Os nossos corpos não são uma espécie de prisão que a alma abandona quando parte deste mundo, mas as primícias de eternidade confiadas aos nossos cuidados. A alma e o corpo pertencem-se mutuamente de maneira natural, e Deus criou-os um para o outro. “Respeita-o – exortava São Cirilo de Jerusalém – já que tem a grande sorte de ser templo do Espírito Santo. Não manches a tua carne […], e, se atreveste a fazê-lo, purifica-a agora com o arrependimento. Limpa-a enquanto tens tempo”.
Ensina São Tomás de Aquino que a nossa filiação divina, iniciada pela ação da graça na alma, “será consumada pela glorificação do corpo […], de forma que, assim como a nossa alma foi redimida do pecado, assim o nosso corpo será redimido da corrupção da morte”. E a seguir cita as palavras do apóstolo Paulo aos Filipenses (3,21): o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas. O Senhor transformará o nosso corpo débil e sujeito à doença, à morte e à corrupção, num corpo glorioso. Não temos o direito de desprezá-lo, como também não temos o direito de exaltá-lo como se fosse a única realidade no homem. Devemos dominá-lo mediante a mortificação porque, em consequência da desordem produzida pelo pecado original, tende sempre a atraiçoar-nos.
Assim, ao lermos atentamente o Evangelho, percebemos que uma das verdades que Cristo nos lembra, de diversas maneiras, é que nós somos responsáveis pela realização da nossa vida. Certamente, a vida cristã depende essencialmente da graça de Deus. A própria vida humana, o fato de existirmos, já é um grande dom de Deus. E, muito mais ainda, o é a graça do Espírito Santo, que inicia, inspira, fortalece e orienta toda a realidade sobrenatural do cristão (guiando-o até a meta, que é a santificação: cf Rm 8:14-17).
Mas lembremo-nos que o dom da graça divina não é dado a uma pedra nem a uma planta, mas a seres humanos, inteligentes e livres, que pensam e decidem, que podem dizer “sim” e dizer “não”. Precisamos, por isso, de corresponder livremente, voluntariamente, aos dons recebidos. Depende de nós fazê-los frutificar ou desperdiçá-los. Várias vezes, o Senhor Jesus compara o nosso desenvolvimento cristão ao das sementes de trigo, que são um “dom” que o semeador lança à terra. Podem crescer, secar, deixar-se levar pelos pássaros ou ser sufocadas pelo mato …; ou podem germinar e ir se desenvolvendo até o fruto pleno. Depende de nós sermos terra limpa, acolhedora e fecunda (cf Mt 13,4 ss).
Desde Aristóteles sabemos que nossas escolhas geram vícios e virtudes; são nada mais do que atitudes criadas pelo homem, e como tal podem ser modificadas por ele. A virtude provoca o prazer, e o vício, a dor; sendo assim, escolher um ou outro cabe a nós e a nossa inteligência. As Virtudes são a Prudência, a Fortaleza, a Temperança, a Justiça, próprias do homem natural saudável; o homem espiritual recebe em complemento virtudes como a Fé, o Amor e a Esperança. Os Vícios são a Estultícia, a Inconstância, a Ira, a Injustiça, a Infidelidade, a Inveja e o Desespero.
O homem natural possui a inteligência e a vontade que norteiam nossas escolhas. Na medida que o Espírito Santo gera e desenvolve o homem espiritual Sua graça oferece-nos a fé, a esperança e o amor. Tendo a Palavra de Deus como “luz para nosso caminho” precisamos bem utilizar esses meios da graça de Deus. A primeira virtude e mãe das outras é a Prudência. Ela torna-nos responsáveis e previdentes; então, haveremos de preparar com tempo os trabalhos, os deveres e a distribuição do tempo; que pensa, pondera, ora e pede conselho antes de tomar uma decisão importante; que age na hora certa; que emprega os meios para formar retamente a sua consciência sobre o certo e o errado …
- Podemos dizer que as virtudes humanas são comparáveis às estacas (na construção civil são fundações profundas executadas por equipamentos ou ferramentas e têm elevada resistência à tração e compressão, não fissuram, não trincam e não quebram), e as virtudes espirituais podem ser comparadas aos pilares (colunas); infundidas por Deus, elas se firmam bem no cristão quando encontram apoio sólido nas virtudes humanas (como os pilares sobre as estacas). As virtudes regulam nossos atos, ordenando as nossas paixões e guiando-nos segundo a razão e a fé.