A contraposição entre as verdadeiras e as falsas alegrias, vemos de uma forma no violento contraste que encontramos entre a depressão que domina os discípulos depois da morte de Jesus e a sua alegria no momento da Ressurreição.

Os discípulos de Emaús voltavam à sua terra melancólicos e deprimidos. O Senhor encontra-se com eles e pergunta: Por que estão tristes? (Lc 24:17). E depois de eles reconhecerem que estavam tristes pela morte daquele que fizera pensar que refaria o reino de Israel, o Senhor indica-lhes claramente qual a causa dessa desesperança: Homens de pouca fé, duros e tardios de coração (Lc 24:24).

Quando se perde a fé, perde-se a alegria. E o que Jesus faz, à medida que vai falando aos dois discípulos, é precisamente reavivá-la neles, restituir-lhes ânimo e a esperança, e eles vão recuperando pouco a pouco a alegria … O coração – como diz o texto evangélico – começa a arder-lhes no peito, de esperança, de amor e de entusiasmo. E não querendo perder essa alegria, suplicam insistentemente: Fica conosco Senhor, porque o dia vai declinando. E de repente o Senhor lhes dá a conhecer ressuscitado, e é tal o júbilo que se apossa deles que retornam correndo a Jerusalém para se comunicarem com os Apóstolos. E lá acontecera algo de parecido. É uma explosão de alegria e canta a Igreja: <<Ressuscitou verdadeiramente como tinha predito, aleluia!>>

É um grito que sai de dentro da humanidade inteira: se Cristo venceu a morte, nós também a venceremos! A nossa vida, a despeito da precariedade, é uma caminhada para a felicidade eterna! Essa convicção fazia o apóstolo Paulo lançar um desafio: Onde está ó morte, a tua vitória? Onde está ó morte, o teu aguilhão? (1 Co 15:55).

Este é o grito de vitória do cristão.

Um homem só pode viver feliz quando não tem medo da morte. E o medo da morte se supera quando se vive profundamente da fé. É ela que nos diz que a morte é a chave de ouro que nos abre as portas da Casa do Pai e isso, para um filho de Deus, é fonte de uma imensa alegria.

A fé nos faz dizer: o maravilhoso não é somente viver, mas caminhar para a Vida que é Cristo em nós, a esperança da glória! Todo o cristão deveria trazer estampado no seu rosto, no seu olhar, como algo normal, o sinal da ressurreição de Cristo. E este sinal é a alegria.

Nos lembremos das palavras de Kiekegaard: “Caminhamos nessa vida suspirando pela felicidade, e não reparamos que ela anda ao nosso lado como Cristo na estrada de Emaús. Talvez, só no fim da vida, no fim do caminho, como os discípulos de Emaús, venhamos a perceber que poderíamos ter encontrado a felicidade de Deus ao longo dos nossos passos.”

Não esperemos até o fim. Procuremos essa alegria agora. Jesus, que como já dissemos, está mais interessado na nossa felicidade do que nós mesmos, e acompanha-nos na caminhada. Animando a nossa marcha, repete-nos com as palavras que inspirou ao Apóstolo: Alegrai-vos sempre no Senhor; mais uma vez vos digo, alegrai-vos! (Fp 4:4).

O fundamento da nossa alegria

A nossa filiação divina é o nosso fundamento. Quando a nossa fé é profunda e ocupa todos os espaços da nossa vida, então sabemos que somos verdadeiramente filhos de um Pai que nos ama mais do que todos os pais e mães do mundo juntos podem amar um filho único.

Como podemos perder a alegria e a paz, sabendo que somos realmente filhos de um Pai infinitamente bom, infinitamente feliz e infinitamente poderoso, e que, além disso, deseja mais do que nós mesmos a nossa felicidade?

Partindo da fé na providência divina, entendemos muito bem aquelas palavras de São Paulo aos Romanos: Para os que amam a Deus, todas as coisas contribuem para o bem (Rm 8:28). Se é assim, se Ele está ao nosso lado como um Pai amoroso, por que inquietar-nos e entristecer-nos?

Se o fundamento da alegria é a filiação divina, a sua origem é o Amor.

Deus é amor (1 Jo 4:16). Deus é a fonte de todos os amores. Deus criou-nos por amor e criou-nos para amar. O radar da alegria começa a vibrar jubilosamente quando descobrimos a pista que o leva ao grande tesouro do Amor.

É surpreendente que um filósofo como Fichte nos diga que <<a vida é necessariamente feliz – infeliz é a morte – e o centro da vida é o amor. E o amor da vida verdadeira é Deus […] A vida verdadeira vive assim em Deus e ama a Deus; já a vida aparente vive do mundano e tenta amar o mundano.>>

Se este pensador identifica vida e felicidade, felicidade e amor, amor e Deus, nós podemos, com mais precisão, identificar felicidade e santidade, já que a santidade não é senão o amor vivido na sua mais absoluta plenitude.

A santidade e a alegria são diretamente proporcionais: mais santidade, mais alegria; os muito santos são sempre muito felizes. Como ferro, quanto mais perto do fogo, mais quente é o amor. E quando se está dentro dele, torna-se rubro: vermelho vivo e ardente como o fogo.

A exultação do coração humano no fogo do amor de Deus chama-se entusiasmo. É belo compreender que a chamada universal à santidade – ao amor – é a chamada universal à alegria: Deus quer que todos sejam felizes quando diz: Sede perfeitos, como meu Pai celestial é perfeito (Mt 5:48). Em contrapartida, <<só há uma tristeza: a de não sermos santos>> dizia Léon Bloy.

Conseguir a santidade é amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças, e ao próximo como a nós mesmos (cf Lc 22:37). E é isso que nos torna felizes … Que coisa mais entusiasmante poderíamos dizer ao nosso coração – sedento de amor – senão que a felicidade que o espera reside num amor largo e profundo, extenso e dilatado como o mar infinito de Deus?

Mas o amor é como o fogo. Se não aumenta, apaga-se: se não se eleva, avilta-se, se não dilata, autodegrada-se e autodevora-se. O amor sensual da apetência tem de subir até o amor afetivo da complacência, e este elevar-se até o amor oblativo e sacrificado de benevolência, para ainda galgar o último escalão do amor de transcendência – o amor de Deus – que engloba de forma eminente todos os outros e os supera.

E como trilhar esse caminho de felicidade?

O pecado nos separa de Deus impedindo-nos de sermos santos. O que precisamos fazer para vencermos o pecado e desfrutarmos do Seu Amor? Precisamos trilhar a via da Purificação – um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás (Sl 51:17); esse caminho nos leva a via Iluminativa – nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17:28); que culminará na via Unitiva – fui crucificado com Cristo; assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim (Gl 2:20).

A narrativa do Pentecostes é a melhor ilustração de como o Espírito Santo incita à contrição e opera através dela. Surge, desde logo, a tremenda acusação: “Vós matastes Jesus de Nazaré!”. Ao ouvirem estas palavras, aquelas três mil pessoas “sentiram o coração trespassado”, e disseram a Pedro: “Que havemos de fazer, irmãos?” (cf. At 2,23ss).

Que se passou no fundo do seu coração? O Paráclito está “a convencer o mundo do pecado” (cf. Jo 16,8), exatamente conforme Jesus prometera. Sob a ação do Espírito Santo, aqueles homens compreendem que, se Jesus morreu pelos pecados do mundo, e se eles cometeram um pecado, então, eles crucificaram Jesus de Nazaré, mesmo que naquele dia não tenham sido eles a cravar os pregos no Calvário.

A verdadeira contrição não é um simples arrependimento, uma dor por algo que se fez; é infinitamente mais. É começar a ver o pecado no horizonte do amor infinito de Deus Pai e da morte de Cristo na cruz. É fazermos nosso o julgamento de Deus. O auge da oração por misericórdia coincide com o momento em que o salmista, arrependido, diz a Deus: “É justa a tua sentença, reto o teu julgamento” (Sl 51,4b). O homem toma sobre si a responsabilidade pelo mal, declara Deus inocente, restabelece a verdade das coisas que no pecado era considerada “prisioneira da injustiça” (cf. Rm 1,18).

Escreve São Simeão, o Novo Teólogo (949 d.C.; Galácia – Ásia Menor): “Mesmo que alguém tenha um coração mais duro do que o bronze, o ferro ou o diamante, mal nele entra a contrição, fica logo mais maleável do que a cera. A contrição é fogo divino que derrete as montanhas e as rochas, amolece todas as coisas, tudo transforma num paraíso e muda as almas que o acolhem […] O conhecimento de Deus nasce de um caminho de purificação interior, que tem início com a conversão do coração, graças à força da fé e do amor; passa através de um arrependimento profundo e contrição sincera pelos próprios pecados, para chegar à união com Cristo, fonte de alegria e de paz, banhados pela luz da sua presença em nós.”.

Tudo isso é fruto do fogo divino da contrição, juntamente com as lágrimas, ou, melhor dizendo, por meio das lágrimas. À pergunta dos três mil, Pedro respondeu: “Arrependei-vos!” (At 2,38). No arrependimento, realiza-se o encontro misterioso entre a graça e a liberdade. A liberdade toma o partido da graça, e esta corresponde à obra sumamente delicada do Espírito Santo.

“Faz parte do dom do Espírito Santo o fato de te desagradar aquilo que fizeste […]. Ainda estás tu a pedir perdão, por te desagradar o mal que cometeste, e já te encontras unido a Deus, pois o que te desagrada é o que a Deus desagrada. Sois, doravante, dois os que se empenham em vencer a tua febre: tu e o médico” (Santo Agostinho).

O coração humano tem duas chaves: uma está na mão de Deus, a outra na do homem. Nenhum dos dois pode abri-lo sem o outro. Na sua onipotência, Deus tudo pode fazer; só não é capaz de tornar contrito e humilhado um coração. Para isto fazer, de maneira misteriosa, é-Lhe indispensável o arrependimento do homem. Deus não pode “arrepender-se” em vez do homem. É por isso que, ao longo da Bíblia inteira, o “coração contrito e humilhado” nos surge como o lugar de repouso, uma espécie de paraíso terrestre, morada preferida por Deus (cf. Is 66,1-2).

O homem não pode oferecer a Deus sacrifício melhor e mais bem aceito do que o seu coração contrito (cf. Sl 51,119). Como não havemos de arder, pois, em desejo de fazer com que Deus encontre sempre pronto em nós este “quarto” secreto que Ele tanto ama?

Do arrependimento à absolvição e à justificação. Com o arrependimento, termina propriamente a parte do homem e começa a parte que é exclusiva de Deus. Na oração por misericórdia [Sl 51] há um ponto em que o tom da oração muda repentinamente. Se até certa altura só se fala de culpa, de mal, de pecado, desse momento em diante fala-se de coração novo, de Espírito Santo, de alegria pela salvação. Do reino do pecado, passa-se ao Reino da graça. Trata-se de uma nova criação, e o Espírito Santo está no centro dela: é dela o sujeito e o objeto: “Criai em mim, ó Deus, um coração novo”, não é senão o mesmo que “não me prives do teu Espírito Santo”.

Se queremos ter uma profunda alegria de viver, temos ao mesmo tempo de procurar uma profunda vivência do Amor. Os santos são felizes porque trazem Deus em si; a sua alma é um céu de alegria porque Deus nela habita.

O estado de ânimo cristão, que parte do Amor de Deus – o Espírito Santo -, está muito além do simples amor humano; ultrapassa-o e supera-o. É isso o que nos comunica a força para lutar e a alegria de viver, e o que dá sentido e estabilidade aos amores nobres da terra.