Missão da Igreja: ser instrumento da graça para promover crescimento integral
““Nem todos que me chamam: ‘Senhor! Senhor!’ entrarão no reino dos céus, mas apenas aqueles que, de fato, fazem a vontade de meu Pai, que está no céu. “Quem ouve minhas palavras e as pratica é tão sábio como a pessoa que constrói sua casa sobre uma rocha firme. Quando vierem as chuvas e as inundações, e os ventos castigarem a casa, ela não cairá, pois foi construída sobre rocha firme. Mateus 7:21, 24-25
A espera do tempo do Pentecostes, do avivamento, a Igreja tem a responsabilidade de, crendo contra toda esperança, trazer à existência toda promessa de Deus, como nos revela o evangelista São Lucas: “Portanto, se vocês que são pecadores sabem como dar bons presentes a seus filhos, quanto mais seu Pai no céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem!” (Lc 11,:13).
Esse é o tempo da Igreja, o kairós – o tempo oportuno – pois onde “o pecado abundou, superabundou a graça” (Rm 5,20); o tempo da Igreja é o momento da exaltação de Cristo à destra do Pai que se estende até sua segunda e derradeira volta gloriosa! É o tempo que se implanta o Reino de Deus, que se constrói a Igreja Corpo de Cristo, a qual continua no mundo a obra salvífica de Jesus e prolonga sua encarnação. É o tempo que as pessoas são chamadas a entrar na Igreja pelo arrependimento e mediante o Batismo, e a crescer nela por meio da graça de Deus e o esforço pessoal até alcançar a “plena estatura de Cristo”, o estado de adultos na fé.
É, portanto, nosso tempo; o momento em cada um de nós deve construir seu destino eterno, o tempo que nos foi dado para nos realizar.
Jesus descreve essa missão com a imagem da construção de uma casa. A imagem, porém, coloca logo em evidência a ambiguidade e o risco desta tarefa: há quem constrói sobre a rocha e quem constrói sobre a areia.
A imagem de Jesus é nítida, direta, e por isso muito eficaz. Aquelas duas casas … Pareceu-me vê-las surgir, lutando contra o vento e a chuva e, enfim, uma reduz-se a um monte de escombros e a outra permanece em pé depois da tempestade.
Jesus deu-nos, dessa forma, primeiro a explicação e depois a parábola. Disse-nos antes quem constrói sobre a rocha e quem constrói sobre a areia. Os construtores têm muito em comum: ambos são pessoas que conheceram Cristo e ouviram sua Palavra. A única diferença é que um coloca em prática as palavras de Jesus, o outro não. Um faz a vontade do Pai, o outro se contenta em exclamar: “Senhor, Senhor!”, e exige direitos somente porque falou em nome de Jesus.
O evangelho que meditamos hoje é o da concretude e da coerência cristã: a harmonia entre as palavras e os fatos, entre a profissão de fé e a prática da vida. Jesus, com estas palavras, não deixa muitas ilusões a ninguém.
Os espertos, aqueles que na terra conseguem abrir todas as portas com seu poder de argumentação, com sua lábia, não tem aqui probabilidades de escapar ilesos. A porta atrás da qual se encontra ele, o Senhor, aquela do Reino dos Céus, abre-se somente para quem faz a vontade do Pai: “Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus”. Não quem “diz” somente, mas quem “faz”. Este último constrói sobre a rocha. A rocha é precisamente a vontade de Deus. Isto nos é recordado pelo salmista: “O Senhor é a minha rocha, minha fortaleza, o meu libertador; meu Deus é meu rochedo! Pois quem é Deus senão o Senhor? Quem é rocha firme, senão o nosso Deus?” (Sl 18:2,31).
A existência de quem constrói sobre esta rocha é uma bela casa, robusta e acolhedora, na qual, contrariamente a quanto se pode pensar, não se sente tanto a fadiga do trabalho, mas a alegria, porque nela vem morar o Deus de toda a consolação, como prometeu Jesus no seu Evangelho: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos morada (Jo 14,23). Ventos, chuvas, intempéries, quer dizer, tentações, dificuldades, contrariedades e sofrimentos não estarão ausentes da vida de tal cristão; poderão, até, por um instante também submergi-lo, mas passada a prova ele está ainda lá, de pé, como a casa sobre a rocha no turbilhão das águas.
Um alicerce forte e sólido pode servir também de apoio para outras edificações mais fracas. A nossa vida interior, impregnada de oração e de realidades, pode servir de ajuda a muitas outras pessoas, que encontrarão em nós a fortaleza necessária quando as suas forças fraquejarem. Começaremos a perceber que a retidão da nossa conduta, a serenidade das nossas atitudes, a paciência perseverante e acolhedora do nosso trato, despertam nos outros o desejo de desabafarem conosco as suas mágoas, de nos pedirem conselho, e assim teremos ocasião de falar-lhes de Cristo, que é o alicerce das nossas vidas e o segredo da nossa paz.
A Sagrada Escritura mostra-nos como Deus ama e abençoa os que procuram identificar-se em tudo com o querer divino: “Achei Davi, filho de Jessé, é um homem segundo o meu coração, o qual fará tudo que for da minha vontade” (At 13,22). E o apóstolo João escreve: “O mundo passa, como também as suas concupiscências; mas quem cumpre a vontade de Deus permanece para sempre” (1Jo 2,17). E o próprio Jesus declara que o seu alimento é fazer a vontade do Pai e realizar a sua obra (cf Jo 4,34). É isso que importa, é nisso que consiste a santidade: em fazer da Vontade divina a nossa vontade.
O caminho que conduz ao Céu e à felicidade aqui na terra, diz Santo Hilário de Poitiers (séc. IV – bispo e doutor da Igreja – o martelo dos Arianos), “é a obediência à vontade divina, não a repetição de seu nome”. A oração deve fazer-se acompanhar do desejo de realizar o querer de Deus que se manifesta de formas tão variadas. Que frustração do Espírito Santo se quisesse levar-nos por um caminho e nós empenhássemos em seguir por outro!
Não gostaria de merecer que te chamassem <<aquele que ama a vontade de Deus?>> Será preciso empregar os meios necessários, dia após dia, para fazer a vontade de Deus.
Lembremos do crescimento do Senhor Jesus! São Lucas nos deixa o Menino oculto em Nazaré, por mais dezoito anos, a partir dos doze. Poderá ocorrer-nos perguntar por que Jesus Cristo «desperdiçou» tantos anos da sua vida na humilde obscuridade de Nazaré. Dos doze aos trinta anos, o Evangelho não nos diz absolutamente nada de Jesus, exceto que crescia em estatura, em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens.
Depois, ao considerá-lo mais devagar, vemos que Jesus, com esses anos ocultos em Nazaré, nos ensina uma das lições mais importantes de que o ser humano pode necessitar.
Deixando transcorrer tranquilamente ano após ano, o que Ele fez foi ensinar-nos que, diante de Deus, não existe pessoa alguma sem importância nem trabalho algum que seja trivial. «Durante a maior parte de sua vida, Jesus compartilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida cotidiana sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica submetida à Lei de Deus, vida na comunidade. De todo este período é-nos revelado que Jesus era “submisso” a seus pais (Lc 2, 52). […]
A vida oculta de Nazaré permite a todo homem estar unido a Jesus nos caminhos mais cotidianos da vida: “Nazaré é a escola na qual se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho…
Primeiramente, uma lição de silêncio. Que nasça em nós a estima do silêncio, esta admirável e indispensável condição do espírito…
Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza austera e simples, seu caráter sagrado e inviolável…
Uma lição de trabalho. Nazaré, ó casa do ‘Filho do Carpinteiro’, é aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei severa e redentora do trabalho humano…; assim como gostaríamos finalmente de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu irmão divino” (Paulo VI, Discurso, 5.01.1964, em Nazaré)».
Deus não nos mede pela importância do nosso trabalho, mas pela fidelidade com que procuramos cumprir o que pôs em nossas mãos, pela sinceridade com que nos dedicamos a fazer nossa a sua Vontade.
Com efeito, os silenciosos anos que Jesus passou em Nazaré são tão redentores como os três de vida ativa com que concluiu o seu ministério. Quando cravava pregos na oficina de José, Jesus redimia-nos tão realmente como no Calvário, quando outros lhe atravessaram as mãos com eles.
«Redimir» significa recuperar algo perdido, vendido ou oferecido. Pelo pecado, o homem tinha perdido – lançado fora – o seu direito de herança à união eterna com Deus, à felicidade perene no céu. O Filho de Deus feito homem assumiu a tarefa de recuperar esse direito para nós. Por isso o chamamos Redentor e, à tarefa que realizou, Redenção.
E do mesmo modo que a traição do homem a si mesmo se realiza pela recusa em dar o seu amor a Deus (recusa manifestada pelo ato de desobediência que é o pecado), assim a tarefa redentora de Cristo assumiu a forma de um ato de amor infinitamente perfeito, expresso no ato de obediência infinitamente perfeita que abrangeu toda a sua vida na terra. A morte de Cristo na Cruz foi a culminância do seu ato de obediência; mas o que precedeu o Calvário e o que a ele se seguiu é também parte do seu Sacrifício.
Tudo o que Deus faz tem valor infinito. Por ser Deus, o menor dos sofrimentos de Cristo era suficiente para pagar o repúdio de Deus pelos homens. O mais leve calafrio que o Menino Jesus sofresse na gruta de Belém bastaria para reparar todos os pecados que os homens pudessem empilhar no outro prato da balança.
Mas, no plano de Deus, isso não era o bastante. O Filho de Deus levaria o seu ato de obediência infinitamente perfeita ao extremo de «aniquilar-se» totalmente e morrer no Calvário. O Calvário – ou Gólgota, que significa «Lugar da Caveira» – foi o ápice, a culminância do ato redentor. Tanto Nazaré como Belém fazem parte do caminho que a ele conduz. Ao superarem de forma inaudita o preço realmente necessário para satisfazer pelo pecado, a paixão e a morte de Cristo tornaram patente de um modo inesquecível as duas lições paralelas da infinita maldade do pecado e do infinito amor que Deus nos tem.
Quando Jesus tinha trinta anos de idade, empreendeu a fase da sua missão que conhecemos comumente por vida pública. Teve começo com o primeiro milagre público nas bodas de Caná, e desenvolveu-se nos três anos seguintes. Durante esses anos, Jesus viajou de norte a sul e de leste a oeste pelo território palestino, pregando ao povo, ensinando as verdades que todos deviam conhecer e as virtudes que deviam praticar se quisessem beneficiar-se da sua Redenção.
Ainda que os sofrimentos de Cristo bastem para pagar por todos os pecados de todos os homens, isto não quer dizer que cada um de nós fique automaticamente liberado do pecado. Ainda é necessário que cada qual, individualmente, aplique a si os méritos do sacrifício redentor de Cristo pelo Batismo.
Enquanto viajava e pregava, operou inúmeros milagres, não só movido pela sua infinita compaixão, mas também (e principalmente) para provar o seu direito de falar tal como o fazia. Pedir aos seus ouvintes que cressem nEle como Filho de Deus era pedir muito. Por isso, ao fazer com que O vissem curar os leprosos, devolver a vista aos cegos e ressuscitar mortos, não lhes deixava lugar a dúvidas sinceras.
Jesus acompanha suas palavras com numerosos “milagres, prodígios e sinais” (At 2, 22) que manifestam que o Reino está presente nele. Atestam que Jesus é o Messias anunciado.
Os sinais operados por Jesus testemunham que o Pai o enviou. Convidam a crer nele. Aos que a Ele se dirigem com fé, concede o que pedem. Assim, os milagres fortificam a fé naquele que realiza as obras de seu Pai: testemunham que Ele é o Filho de Deus. Eles podem também ser “ocasião de escândalo” (Mt 11, 6). Não se destinam a satisfazer a curiosidade e os desejos mágicos. Apesar de seus milagres tão evidentes, Jesus é rejeitado por alguns; acusam-no até de agir por intermédio dos demônios.
Além disso, durante esses três anos, Jesus lembrava-lhes continuamente que o Reino de Deus estava próximo. Este reino de Deus na terra – que nós denominamos Igreja – seria a preparação do homem para o reino eterno do céu. A velha religião judaica, estabelecida por Deus para preparar a vinda de Cristo, ia terminar. A velha lei do temor ia ser substituída pela nova lei do amor.
Muito no começo da sua vida pública, Jesus escolheu os doze homens que iriam ser os primeiros a reger o seu reino, os primeiros sacerdotes da sua Igreja. Durante três anos, instruiu e preparou os seus doze Apóstolos para a tarefa de que os ia incumbir: estabelecer solidamente o reino que Ele estava fundando.
Dissemos que a rocha sobre a qual se deve construir é a vontade de Deus. Mas isto ainda é vago. Depois da encarnação não existe mais a vontade de Deus em abstrato; existe a vontade de Deus “feita carne” e, por assim dizer, materializada: existe Cristo Jesus. Por isso São Paulo nos diz: “Portanto, vocês já não são estranhos e forasteiros, mas concidadãos do povo santo e membros da família de Deus. Juntos, somos sua casa, edificados sobre os alicerces dos apóstolos e dos profetas. E a pedra angular é o próprio Cristo Jesus.” (Ef 2:19-20). Também São Pedro fala de Jesus como a “pedra angular”, o bloco de rocha sobre o qual os batizados se apoiam como tantas pedras (cf 1Pe 2,5-6). Construir sobre a rocha significa, portanto, construir a própria vida sobre Jesus, sobre sua Palavra, sobre sua Pessoa. É o único modo para valorizá-la; é a única certeza que não vacila nem sequer diante da morte.
Hoje concluamos com um pensamento de comunidade cristã. Também Jesus durante a vida terrena construiu uma casa: a casa para a família de Deus que é a Igreja, e a construiu sobre a rocha. Um dia, diante das rochas de Cesareia de Filipe, olhou para Pedro e disse: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mt 16,18). É bom lembrar essa promessa num momento em que ao redor do edifício da Igreja está acontecendo uma tempestade e sopra o vento da contradição. Jesus nos diz hoje para construir nossa existência sobre a rocha. Construiremos sobre a rocha se construirmos, dia após dia, nossa vida sobre Jesus e na Igreja.
A parábola da Escritura nos adverte: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem (Sl 127,1). Dirijamos, pois, a ele nossa oração para que, por meio do Espírito Santo, nos ensine a colocar em prática a sua Palavra e construa conosco sua casa.