Bem aventurados – O caminho é a fé que abençoa o mundo
“Vocês são o sal da terra; vocês são a luz do mundo” (Mt 5,13-16). Assim falou Jesus a seus discípulos, e assim repete a nós, seus discípulos hoje. Em que sentido os discípulos de Jesus são o sal e luz? Certamente não por si mesmos, mas na medida em que participam da luz que é Cristo. Por nós mesmos somos apenas trevas. Somente Ele é sal e luz.
Jesus é o sal da terra. Sem Ele o mundo é insípido, não tem sabor de eternidade; sem Ele, o mundo se corrompe moralmente, como se decompõe mais facilmente os alimentos sem sal. O sal é sua divindade, seu Espírito que foi como que introduzido no mundo com sua encarnação e com sua ressurreição. O que quer que ouça ou leia – dizia São Bernardo – tudo me é insípido se não encontro o nome de Jesus.
Em que sentido Jesus atribui, então, aos discípulos esta prerrogativa de ser sal e luz? Na medida em que, iluminados pela sua Palavra, eles podem e devem refletir tal luz sobre os outros, um pouco como a Lua, que reflete a luz do Sol depois que ele desceu. E ainda, na medida em que, feitos participantes de sua divindade e de seu Espírito, devem manifestar o perfume de Cristo no meio dos irmãos.
No Batismo, nós recebemos o Espírito de Cristo, por isso nos tornamos, como Ele, sal da terra. Acendamos nossa pequena lâmpada em sua grande luz. Paulo apóstolo agora pode dizer: Pois antigamente vocês estavam mergulhados na escuridão, mas agora têm a luz no Senhor (Efésios 5,8). “No Senhor”: não em nós mesmos. Na realidade, não se trata de uma entrega, ou de uma incumbência, que nos é confiada uma tarefa da qual, de resto, seríamos incapazes; é antes Jesus que vêm a nós e nos faz seu templo. Nossa tarefa, portanto, é outra: fazer transparecer esta presença luminosa de Cristo, presente no interior de seu templo. Diminuir a espessura opaca de nossa natureza corrompida e egoísta, para que Ele possa, mediante nossa pessoa, manifestar-se aos outros e lhes transmitir sua luz e seu amor. O essencial é, portanto, permitir que Jesus seja ainda sal da terra por nossa mediação. Em outras palavras, ser suas testemunhas diante dos homens, como nos pediu Ele mesmo (cf At 1,8).
Isto nos ajuda a compreender também “como”, concretamente, nós devemos ser, para os outros, luz e sal. Vivendo intensamente nossa experiência cristã, comunicando aos outros a luz, a alegria, a capacidade de amar que a presença de Jesus nos dá; agindo de tal forma que os irmãos que ainda não descobriram Jesus percebam como Ele somente pode dar realmente sentido à existência, coragem de viver, força para recomeçar a cada instante.
Mateus não tem apenas a preocupação de apresentar as palavras de Jesus, ele tem diante de si uma comunidade cristã, a quem quer apresentar Jesus e a força das suas palavras: “Vocês são o sal”, “vocês são a luz”. Este “vocês”, propositadamente plural, é dirigido aqueles que se reúnem em nome de Jesus e que, pela fé, se apresentam ao mundo como a comunidade dos seus discípulos.
O sal e a luz são imagens que Jesus utiliza para classificar a vida e as obras dos seus discípulos, enquanto membros de uma comunidade. O sal não pode perder o sabor e a luz não deve esconder-se, bem como a cidade não pode ocultar-se. Do mesmo modo, os discípulos de Jesus não podem ser pessoas insonsas, sem obras, porque seriam inúteis, nem podem esconder-se do mundo porque é o lugar onde são chamados a iluminar, para que os homens, “vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus”.
Definitivamente, para Jesus, o sal e a luz são as boas obras e Mateus chama a atenção para isso. As obras de cada um dos discípulos de ontem e de hoje, assim como as obras da comunidade, que não existe para estar reunida, mas reúne-se para salgar o mundo, devem levar os homens a dar glória a Deus.
Isaías (58, 7-10) descreve as boas obras que estão em causa e que, sendo vistas pelos homens, podem levar a que todos louvem o Senhor. Mateus vai fazer referência a estas obras no capítulo 25, a propósito do Juízo final.
As boas obras são: “Reparte o teu pão com o faminto, dá pousada aos pobres sem abrigo, leva roupa ao que não tem que vestir e não voltes as costas ao teu semelhante… Se tirares do meio de ti a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente”. São obras concretas que o salmo 112 também menciona “o homem que se compadece e empresta e dispõe das suas coisas com justiça… compartilha com generosidade com os pobres”.
Isaías fala para os Israelitas regressados de Babilônia, que assumiram uma postura de falsidade, querendo que Deus se mostre favorável por causa dos seus jejuns rituais, quando depois exploram os pobres e não respeitam ninguém na busca do lucro fácil, a fim de enriquecerem rapidamente.
Um olhar à nossa volta é suficiente para vermos que, hoje em dia, é como se os homens houvessem perdido o sal e a luz de Cristo. “A vida civil encontra-se marcada pelas consequências das ideologias secularizadas, que vão da negação de Deus ou da limitação da liberdade religiosa à preponderante importância atribuída ao êxito econômico em detrimento dos valores humanos do trabalho e da produção; do materialismo e do hedonismo – que atacam os valores da família numerosa e unida, os da vida recém-recebida e os da tutela moral da juventude – a um <<niilismo>> (ideia de não haver nada ou nenhuma certeza que possa servir como base o conhecimento) que desarma a vontade perante problemas cruciais (como os dos novos pobres, dos emigrantes, das minorias étnicas religiosas, do terrorismo” (João Paulo II).
Cristo deixou-nos a sua doutrina e a sua vida, enviou-nos Seu Espírito, para que as pessoas encontrassem o sentido da sua existência e achassem a felicidade e a salvação. E para isso é necessário, em primeiro lugar, o exemplo de uma vida reta, a pureza da conduta, o exercício das virtudes humanas (prudência, justiça, fortaleza e temperança) e cristãs (fé, esperança e amor) na vida simples de todos os dias. A luz, o bom exemplo, deve abrir caminho.
As obras que Jesus exige aos seus discípulos, não são atitudes pontuais, mas um estilo de vida que pensa nos outros ao ponto de cuidar, com gestos e palavras, aqueles que se encontram em situação desfavorável. Uma atitude como a de Paulo quando revela aos coríntios (1Co 2,1-5), que não se apresentou diante deles “com palavras eloquentes”, para os convencer e dominar pela sabedoria, mas “em fraqueza, atemorizado e trêmulo” para lhes revelar o poder de Deus.
Isaías (58, 7-10) fala também de retirar de nosso meio a opressão, o apontar o dedo e o falar violento. São coisas que mais do que qualquer outra mancham e ofuscam, nestes tempos, nossa convivência e a tornam tão turbulenta. Seria precioso que nós cristãos começássemos a praticá-la, demonstrando-nos assim verdadeiros filhos e discípulos da luz. Deixar de portar-se com arrogância, de apontar sempre desdenhosamente o dedo acusador para os outros.
Enfim, para quem devemos ser luz? “Do mundo”, ou “da terra”, diz o Evangelho. Sim, mas não nos iludamos: o mundo é antes de tudo aquele que nos cerca, nosso pequeno mundo cotidiano – a família, o ambiente de trabalho. Esquecê-lo é viver numa contínua desculpa ilusória. Jesus fala que a lâmpada material deve ser posta sobre o candelabro, “para que ilumine aqueles que estão em casa”. Falava-se, por exemplo, de opressão, de falar violento; não se deveria esquecer que há muita arrogância, uma prepotência que deve ser eliminada nas relações familiares, entre esposa e marido, entre pais e filhos, entre jovens e anciãos, antes mesmo das relações sociais e de trabalho. Deveríamos, portanto, interpretar literalmente esta orientação de Jesus de ser luz “para as pessoas de casa”. Ser testemunhas de Cristo, de sua lei entre os próprios familiares. Não ter vergonha de introduzir na família algum gesto de testemunho e de reconhecimento recíproco na fé. A passividade é aquela janela que, o mais das vezes, mantém prisioneira a luz e a impede de se manifestar.
Perante a onda de Materialismo e de sensualidade que afoga as pessoas, o Senhor “quer que das nossas almas saia outra onda – branca e poderosa, como a destra do Senhor – que afogue com a sua pureza a podridão de todo o materialismo e neutralize a corrupção que inundou a orbe: é para isso que vêm – e para mais – os filhos(as) de Deus” (Josemaria Escrivá); para levar Cristo a tantos que convivem conosco, para que Deus não seja um estranho na sociedade.
Transformaremos verdadeiramente o mundo – a começar por essa pequena comunidade em que se desenvolve a nossa atividade – na medida em que o ensinamento começar com o testemunho da nossa própria vida. Se formos exemplares, competentes e honrados no trabalho profissional; se dedicarmos à família o tempo que os filhos ou os pais necessitam; se os que nos rodeiam virem que estamos alegres, mesmo no meio das contrariedades e da dor; se formos cordiais …, então “crerão nas nossas obras mais do que em qualquer outro discurso” (São João Crisóstomo) e sentir-se-ão atraídos pelo ideal de vida que as nossas ações lhes revelam.
O exemplo prepara a terra em que a palavra frutificará. Podemos mostrar ao mundo o que significa seguir verdadeiramente o Senhor na tarefa cotidiana, tal como fizeram os primeiros cristãos. São Paulo instava com os fiéis de Éfeso: Eu exorto vocês para que vivam de modo digno do chamado que receberam (Efésios 4,1).
Devemos ser conhecidos como pessoas leais, simples, verazes, alegres, trabalhadores, otimistas; devemos comportar-nos como quem cumpre retamente os seus deveres e que sabem atuar a todo momento como filhos(as) de Deus, que não se deixam arrastar por qualquer vento. A vida do cristão continuará então um sinal claro da presença do espírito de Cristo na sociedade.
Por isso devemos perguntar-nos com frequência na nossa oração pessoal se os nossos colegas de trabalho, os nossos familiares e amigos se veem levados a glorificar a Deus quando presenciam as nossas ações, porque veem nelas a luz de Cristo. Seria um bom sinal de que em nós há luz e não escuridão, amor a Deus e não tibieza.
Certamente, esta missão de ser portadores da luz não é fácil. Significa dar lugar a Jesus em nós, esvaziando-nos de nós mesmos. Por isso, Jesus previu também o lado negativo: a luz que se apaga, o sal que se torna insípido. Não é uma hipótese abstrata, mas uma realidade cotidiana. O cristão insípido é aquele cuja vida não é mais informada pelo Evangelho. Então esse se torna “o mais miserável de todos os homens”, repreendido justamente e desprezado pelos homens pela sua incoerência. Quantos agem assim! Como tinha razão Jesus: o mundo não sabe o que fazer destas luzes apagadas e destas áreas de sal insípido.
Manter viva a chama que foi acesa por nós no Batismo é, portanto, uma conquista diária; é um reacender nossa pequena luz a cada vez que se apaga, e esta é a ocasião de acendê-la na grande chama que é Cristo. Ele renova e reacende em nós o prodígio do Batismo; consagra-nos de novo a sermos luz do mundo e sal da terra e, o que é mais consolador, dá-nos também a força para isso.
Reflita comigo: A Palavra dessa meditação desperta alguns sentimentos que podem fazer-nos reagir interiormente. A palavra mexe mesmo com a nossa vida, as nossas atitudes e sentimentos, as opções que fazemos perante a realidade humana que nos rodeia e as circunstâncias concretas em que temos necessariamente que tomar uma posição.
O que move as nossas atitudes e decisões? Somos movidos pelos nossos interesses ou pela preocupação em relação aos mais desprotegidos e abandonados? Move-nos o sentimento de misericórdia, caridade e compaixão ou o egoísmo de quem nunca está disponível para responder às necessidades dos outros?
Isaías denuncia aqueles que cumpriam a lei, praticavam os jejuns prescritos e participavam no culto, mas depois, engavam o pobre e exploravam os humildes e os indigentes. Isaías denuncia estas atitudes frequentes entre os judeus regressados de Babilônia e incita-os a repartir com os pobres. É que eles, queixavam-se de o Senhor não atender as suas orações nem prestar atenção aos seus jejuns.
As palavras de Isaías são claras, “reparte o teu pão com o faminto, dá pousada aos pobres sem abrigo, leva roupa ao que não tem que vestir e não voltes as costas ao teu semelhante” e ainda “se tirares do meio de ti a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente” a tua sorte mudará porque “se chamares, o Senhor responderá, se O invocares, dir-te-á: ‘Aqui estou’”. São as escolhas egoístas que impedem que a oração e os jejuns cheguem à presença de Deus.
É esta, a mesma razão pela qual Jesus fala aos discípulos desafiando-os a ser Sal e Luz no mundo. As imagens usadas são muito fortes. O sal não pode nunca deixar de salgar, mas um discípulo de Jesus pode tornar-se inútil. Uma cidade situada no cimo de um monte não pode esconder-se, mas a comunidade dos discípulos de Jesus pode tornar-se invisível. A luz deve colocar-se em lugar que possa iluminar todos os que estão em casa e um discípulo de Jesus pode estar na comunidade em atitude que provoca sombras e trevas à sua volta.
O que é que faz com que os discípulos sejam como o sal e como a luz? As suas obras. Se elas são boas eles são sal e luz, os homens que veem essas boas obras percebem-nas como obras que vêm de Deus e não apenas dos homens e dão glória a Deus. Desta forma cumpre-se a vida do discípulo que é viver de modo que Deus seja louvado.
Se o discípulo não pratica boas obras ou até realiza obras que põem em causa o nome de Deus, então torna-se trevas, perde o sabor e o seu destino é “ser lançado fora e pisado pelos homens”.
Dizemos muitas vezes e ouvimos dizer: “Eu faço o bem sempre que posso”, este sempre significa quando? Muitas vezes nem nos lembramos quando foi a última vez em que fizemos o bem e, “sempre que posso”, pode significar que nunca posso e torna-se uma desculpa ridícula. Ouvimos e dizemos também, “eu faço o bem a toda a gente”. “Toda a gente”, quem é? Quem foi a última pessoa a quem conscientemente fiz o bem? Também dizemos e ouvimos dizer “não faço mal a ninguém”. Será mesmo verdade que podemos dizer com toda a certeza que não prejudicamos nunca ninguém?
Afirmamo-nos com muita facilidade “boas pessoas”, mas não é possível ser boa pessoa sem obras. Os tempos em que vivemos é mesmo um tempo de aparências como o tempo de Isaías, em que queremos apresentar-nos diante de Deus como bons, mas nem sempre agimos como discípulos de Jesus nas nossas relações humanas, familiares, profissionais e civis. Fugimos facilmente aos nossos compromissos e esquecemos rapidamente as imagens de pobreza e abandono que nos comovem. Queremos ser boas pessoas sem obras.
Jesus desafia-nos, hoje, a repensar a vida, de modo que ela manifeste o poder de Deus por palavras e obras, para que todos, contemplando a Deus em nós, desejem também dar glória a Deus. Então, se o chamarmos ele responderá, se o invocarmos ele dirá: “estou aqui”.