Uma cosmovisão bíblica muda tudo o que fazemos – inclusive nosso relacionamento familiar

Ter uma cosmovisão bíblica significa interpretar todos os aspectos de nossas vidas — incluindo nossos relacionamentos com as crianças — dentro do contexto da história de Deus. No centro dessa história está um ato singular: em Jesus Cristo, Deus interveio pessoalmente na história humana e redimiu a humanidade em um momento e lugar específicos.

No entanto, esse ato central de redenção não está isolado. Ele é cercado pela criação e pela queda da humanidade no pecado de um lado e pela consumação do Reino de Deus do outro.

Essa história de criação, queda e lei, redenção e consumação é a história que os cristãos têm repetido uns aos outros e ao mundo desde que Jesus ascendeu aos céus e enviou seu Espírito para habitar na vida de seus primeiros seguidores. Essa linha narrativa antiga deve moldar todos os aspectos de nossas vidas, incluindo a maneira como educamos nossos filhos.

Em cada movimento da história de Deus, fica claro que as crianças não são nem fardos a serem evitados nem subprodutos do pecado humano. Cada criança é uma bênção e um presente (Sl. 127.3-5). Mesmo antes da queda da humanidade no pecado, Deus projetou a criação e o cuidado das crianças como um meio de multiplicar a Sua glória manifesta ao redor do mundo (Gn. 1.26-28). Algumas mordidas do fruto proibido, a criação de Caim e Abel e um culto que terminou em assassinato impactaram profundamente essa primeira família — mas Deus Se recusou a desistir de Seu propósito original de transformar a família em um meio de revelar Sua glória. Ele prometeu que, através da descendência de Eva, enviaria um Redentor para cumprir o Seu plano (Gn. 3.15; 4.1, 25). A família, então, se torna um caminho tanto para trazer o Messias ao mundo quanto para passar Sua mensagem de uma geração para a outra.

Após a queda, homens e mulheres ainda exercem o domínio ordenado por Deus sobre a criação ao criar filhos (Gn. 1.26-28; 8.17; 9.1-7; Mc. 10.5-9). O que mudou após a queda é que as crianças passaram a ser não apenas presentes a serem nutridos, mas também pecadores que precisam ser direcionados. E, ainda assim, a família permanece um meio no plano de Deus, nunca o objetivo e nunca a fonte ou o centro de nossa identidade.

Em uma cosmovisão bíblica, o discipulado de crianças é uma responsabilidade primária dos pais: eles precisam não apenas suprir as necessidades de seus filhos, mas também ensiná-los a refletir a glória de Deus. Isso não libera a comunidade de fé mais ampla da responsabilidade de moldar as almas das crianças. A Grande Comissão para “fazer discípulos” foi dada a todo o povo de Deus e inclui todas as faixas etárias (Mt. 28.19). 

No Antigo Testamento, Moisés ordenou aos pais que ensinassem seus filhos nos caminhos do Senhor. Ele esperava que as crianças perguntassem aos seus pais sobre as práticas espirituais da família, e ele os preparou para responder de maneiras que destacassem as obras poderosas de Deus (Êx. 12.25-28; Dt. 6.20-25). Essas expectativas persistiram ao longo das canções e da história primitiva de Israel (Js. 4.6; Sl. 78.1-7). Isso tudo prefigurava a vinda de Jesus e reconhecia explicitamente a primazia dos pais no treinamento de seus filhos.

Paulo reiterou esse ponto no Novo Testamento quando lembrou aos pais de nutrir seus filhos no “treinamento e instrução do Senhor” (Ef. 6.4). O apóstolo parece ter derivado essa frase de Deuteronômio 11.2, onde “disciplina do Senhor” precede uma descrição de como Deus disciplinou Seu povo para lembrá-lo de Sua aliança com eles. Em outras cartas, Paulo aplicou esses mesmos dois termos — treinamento e instrução — a padrões que caracterizavam os relacionamentos de formação de discípulos entre irmãos e irmãs cristãos. Treinamento implicava disciplina (2Tm. 3.16) e instrução incluía advertências para evitar comportamentos imprudentes e ensinamentos ímpios (1Co. 10.11; Tt. 3.10). Esses textos sugerem fortemente que Paulo estava chamando os pais a fazerem muito mais do que apenas gerenciar o comportamento de seus filhos e suprir suas necessidades, mas que os ensinassem os caminhos de Deus.

Em uma cosmovisão bíblica, o discipulado dos filhos é um treinamento de cosmovisão. Ele inclui muito mais do que apenas aumentar o conhecimento bíblico das crianças ou envolvê-las em uma comunidade de fé. Moisés ordenou aos israelitas que ensinassem seus filhos a ver tudo o que faziam e tudo o que escolhiam, bem como como viviam em casa e como conduziam seus negócios, dentro do contexto abrangente de uma cosmovisão centrada em Deus (Dt. 6.8-9). A sabedoria em Provérbios foi transmitida de pai para filho e incluía não apenas o conhecimento sobre Deus, mas também habilidades práticas para se envolver com o mundo à luz da Sua verdade. Habilidades em artesanato, liderança e uma ampla gama de outros campos caíam sob o título de sabedoria, que começa com “o temor do Senhor” (Êx. 31.3, 6; Dt. 34.9; Pv. 1.7). Pessoas fora da comunidade de fé podem possuir essas habilidades, mas apenas o crente as vê como Deus as planejou, como sinais que apontam para a ordem e glória de Deus. Não há base bíblica para separar o treinamento de crianças em categorias “secular” e “sagrada”, com uma sendo tratada pelo mundo e a outra supervisionada pelos pais. Deus é Senhor sobre toda a nossa vida.

Visto da perspectiva da criação e da queda, as crianças são tanto presentes a serem valorizados quanto pecadores a serem ensinados. No entanto, nenhum treinamento pode jamais elevar uma criança ao nível da justiça perfeita de Deus. Mesmo o melhor discipulado pode não resultar na perseverança de uma criança na fé.

Toda a ordem da criação, incluindo a educação dos nossos filhos, foi sujeita à frustração com a lacuna entre a glória da criação de Deus e a queda da humanidade (Rm. 8.20-22). A resposta final para essa lacuna não é uma boa educação, mas um substituto perfeito — e isso é precisamente o que Deus providenciou em Jesus Cristo. Através de Cristo, o próprio Deus preencheu o espaço entre Sua perfeição e a imperfeição da humanidade (2Co. 5.21). A morte de Jesus possibilitou a redenção no presente; Sua ressurreição garantiu a consumação do Reino de Deus no futuro.

Essa verdade introduz uma nova dimensão radical na forma como vemos as crianças. Abraçar a redenção de Deus é ser adotado em Jesus Cristo como herdeiro de Deus, ganhando uma nova identidade que transcende todo status terreno (Rm. 8.15-17; Gl. 3.28-29; 4.3-7; Ef. 1.5; 2.13-22).

O que isso significa para os seguidores de Jesus é que toda criança é muito mais do que uma criança. Cada criança é um potencial ou real irmão ou irmã em Cristo; cada uma é uma alma eterna cujos dias durarão muito além da ascensão e queda de todos os reinos da terra. Elas e seus filhos e os filhos de seus filhos passarão brevemente por esta terra antes de serem levados para a eternidade (Tg. 4.14).

Quaisquer que sejam as crianças que estão ao nosso lado na glória eterna, não estarão ao nosso lado como nossos filhos ou como nossos alunos. Elas estarão ao nosso lado porque e somente porque se tornaram nossos irmãos e irmãs, “herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo” (Rm. 8.17; Gl. 4.7; Hb. 2.11; Tg. 2.5; 1Pe. 3.7). Se essas crianças se tornarem nossos irmãos e irmãs em Cristo, seus dias sobre esta terra são preparatórios para uma glória que nunca terá fim (Dn. 12.3; 2Co. 4.17-5.4; 2Pe. 1.10-11).

É por isso que nosso objetivo principal para as crianças que educamos em nossas igrejas e lares não deve ser tão pequeno e miserável como o sucesso terreno. Nosso propósito deve ser usar suas vidas para fazer avançar o Reino de Deus, para que toda tribo, toda nação e todo grupo de pessoas tenham a oportunidade de responder em fé ao legítimo Rei dos reis.