O poder da oração do Cristão
Propôs Jesus uma parábola para mostrar que é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo. O evangelho que meditamos hoje (Lc 18:1-8) nos convida a refletir sobre a vida no Espírito. Associamos o ensino de Jesus a oração solene e dramática de Moisés (Ex 17:8-13a) que ora na montanha de braços erguidos enquanto o povo, na planície, combate uma batalha de vida ou morte.
Devemos, portanto, falar de oração, ou melhor, deixar-nos ensinar por Deus a respeito do andar no Espírito. “A oração” – escreveu um Pai da Igreja (período patrístico) – “é um diálogo íntimo com Deus e é um bem supremo. É, com efeito, uma comunhão íntima com Deus. Com os olhos do corpo vendo a luz ficam esclarecidos, assim também a alma que é atraída por Deus é iluminada pela luz inefável da oração, quando esta não é feita por hábito, mas procede do coração” (São João Crisóstomo, Homília VI sobre oração). A oração é, portanto, a luz da alma. Na oração, somos já aquilo que seremos na vida eterna: face a face com Deus (cf 1Co 13,12).
Quando vocês orarem digam: “Pai nosso!” (Lc 11,2). Com essas duas simples palavras Jesus já definiu o que é a oração e qual deve ser a atitude de fundo do discípulo quando ora. Orar, na sua forma mais simples, é dirigir-se a Deus como filhos; é dizer Abbá! Jesus não somente ensinou este novo modo de orar (novo porque nenhum hebreu tinha ousado dirigir-se a Deus com aquele título tão familiar), mas o viveu. O apóstolo Paulo estava fascinado com esta oração de Jesus; foi ele que respigou da tradição oral a palavra aramaica Abbá, e a transmitiu sem traduzi-la aos convertidos do paganismo, evitando que se perdesse sua lembrança.
Como a espiritualidade pode gerar essa comunhão íntima com Deus? Ouve-se dizer, frequentemente, que a oração autêntica não pode ser premeditada ou ordenada, mas deve brotar espontaneamente do interior do espírito, como a água brota da nascente. Assim, quando o coração não impulsiona a oração, é preferível abster-se dela, para que não se torne inautêntica e artificial. À primeira vista, isto parece convincente, mas quem conhece com mais profundidade o homem e seus hábitos espirituais não pode deixar de suspeitar que, quem fala desse modo, talvez nunca tenha levado totalmente a sério a vida de oração.
Há, sem dúvida, uma oração que brota espontaneamente do interior. É o caso, por exemplo, de um homem que, ao viver uma boa experiência, volta-se para Deus e exclama: “Obrigado Senhor!”; ou quando, oprimido por uma grande necessidade, se dirige Àquele que sempre busca o nosso verdadeiro bem e tem o poder de nos auxiliar.
Por vezes, o homem sente de uma maneira tão viva a proximidade de Deus que dialoga espontaneamente com Ele. Outras vezes, percebe em seu íntimo a amável mão de Deus que dirige seu destino, e permanece silencioso diante Dele. Tudo isso pode acontecer dessas formas, mas nada garante que será assim. A expectativa desse destino também pode se interpor como uma obscura barreira entre Deus e o homem. O sentimento da presença divina pode desaparecer tão completamente que o homem pense que nunca o experimentou. A alegria pode fazer com que o homem esqueça-se de Deus, e a adversidade pode fazer com que o espírito se feche em si mesmo. Costuma-se dizer que a necessidade nos ensina a orar, mas essa expressão é apenas meia-verdade, pois é igualmente verdade que a desgraça também faz com que o homem se esqueça de orar.
A oração que brota espontaneamente de um impulso interior é uma exceção na vida espiritual. Quem quiser edificar unicamente sobre ela a sua espiritualidade, provavelmente abandonará a oração. Seria semelhante a um homem que pretendesse fazer todas as coisas por intuição e inspiração, e deixasse de lado a ordem, a disciplina e o trabalho. Uma vida assim estaria entregue ao acaso e se tornaria frívola, arbitrária e fantasiosa; desapareceria dela tudo quanto verdadeiramente significa seriedade e firmeza.
O mesmo aconteceria a uma oração que pretendesse se abandonar unicamente à originalidade interior. Quem quiser se relacionar com Deus compreenderá logo que a oração não é apenas uma expressão espontânea do interior, mas também, principalmente, um serviço que se deve ser prestado com fidelidade e com obediência. Dessa forma, percebe-se que a oração deve ser desejada e praticada.
Na vida sobrenatural, há ações que se realizam uma só vez: receber o Batismo por exemplo; outras têm de se realizadas muitas vezes: perdoar, compreender, sorrir, confiar … Mas há ações e atitudes que devem ser contínuas e que por isso requerem que se vença o cansaço, a rotina, o desânimo. Entre essas encontra-se a oração, manifestação de fé e de confiança em nosso Deus-Pai, mesmo quando parece que permanece em silêncio.
Santo Agostinho, ao comentar essa passagem do evangelho que meditamos, ressalta a relação que existe entre a fé e a oração confiante: “Se a fé fraqueja, a oração perece”, ensina; pois “a fé é a fonte da oração”, e “o rio não pode fluir se o manancial está seco”. A nossa oração – estamos tão necessitados – tem de ser contínua e confiada, como a de Jesus, nosso Modelo: Pai, eu sei que sempre me ouve (Jo 11:42). Ele nos escute sempre. Esse homem de Deus ainda nos exorta: “A oração não serve para informar a Deus mas para formar o coração segundo a vontade de Deus”.
O texto de Êxodo (17:8-13a) nos propõe a figura de Moisés em oração no cume de um monte, enquanto Josué enfrenta os amalecitas em Rafidim. Quando, em atitude de súplica, Moisés tinha as mãos levantadas, Israel vencia, mas, se abaixava um pouco, Amalec levava vantagem. E para que Moisés continuasse a orar, Arão e Hur sustentavam-lhe os braços, um de cada lado. Assim lhe mantiveram os braços erguidos até ao pôr do sol. E Josué pôs em fuga Amalec e a sua gente.
Não devemos nos cansar de orar. E se alguma vez o desalento e a fadiga começam a atingir-nos, temos que pedir aos que estão ao nosso lado que nos ajudem a continuar a orar, sabendo que já nesse momento o Senhor está nos concedendo muitas outras graças, talvez mais necessárias do que os dons que lhe pedimos. Até agora vocês não pediram nada em meu nome; peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa (Jo 16,24). Precisamos orar como Moisés: perseverantes no cansaço, com a ajuda dos outros quando for necessário. Quantas coisas estão em jogo! A batalha é dura.
Examinemos hoje se a nossa oração é perseverante, confiada, insistente. “Persevera na oração, como aconselha o Mestre. Este ponto de partida será a origem da tua paz, da tua alegria, da tua serenidade e, portanto, da tua eficácia sobrenatural e humana” (Josemaria Escrivá). Não há nada que uma oração perseverante não alcance.
LEVANTO OS MEUS OLHOS para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra (121:1,2), oramos no Salmo.
A parábola que lemos no Evangelho põe em contraste dois personagens. Por um lado está o juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens: lhe faltavam as duas características básicas para se viver a justiça. No Antigo Testamento, o profeta Isaías fala dos que não fazem justiça aos órfãos e a quem não chega o pleito da viúva (Is 1,23b), dos que absolvem os ímpios por suborno e tiram ao justo o seu direito (Is 5,23). Jeremias refere-se aos que não julgaram a causa do órfão nem fizeram justiça aos pobres (Jr 5,28).
Ao juiz, o Senhor contrapõe uma viúva, símbolo da pessoa indefesa e desamparada. E à sua insistência perseverante em pedir justiça, a resistência do juiz em atendê-la. O final inesperado acontece depois de um contínuo ir e vir da viúva e das reiteradas negativas do juiz. Este acaba por ceder, e a parte mais fraca obtém o que desejava. Mas a razão desta vitória não está em que o coração do administrador da justiça mudou: a única arma que conseguiu a vitória foi a oração incessante, a insistência da mulher. E o Senhor conclui com uma reviravolta: E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que lhe clamam dia e noite, e tardará em socorrer? Jesus faz ver que o centro da parábola não é o juiz iníquo, mas Deus, cheio de misericórdia, paciente e imensamente zeloso pelos seus.
Até o fim dos tempos, a Igreja – dia e noite – dirigirá um clamor suplicante a Deus Pai, através de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo, porque são muitos os perigos e necessidades dos seus filhos. É o primeiro ofício da Igreja, o primeiro dever dos seus ministros, os sacerdotes. É a coisa mais importante que temos de fazer, nós os discípulos, porque estamos indefesos e nada temos, mas podemos tudo com a oração.
O Senhor explica nessa parábola que são três as razões pelas quais nossas orações são sempre ouvidas: primeiro, a bondade e a misericórdia de Deus, que distam tanto das disposições do juiz ímpio; depois, o amor de Deus por cada um dos seus filhos; e, por fim, o interesse que nós mostramos perseverando na oração.
Ao terminar a parábola, Jesus acrescenta: Mas quando vier o Filho do homem, julgais vós que encontrará fé sobre a terra? Porventura encontrará uma fé semelhante à da viúva? Trata-se de uma fé concreta: a de filhos de Deus na bondade e no poder do seu Pai do Céu. O homem pode fechar-se a Deus, não sentir necessidade dEle, procurar por outros caminhos a solução para as suas deficiências, e então jamais encontrará os bens que necessita: Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos (Lc 1,53), anunciou a Virgem no Magnificat.
Além de lançarmos mão dos meios humanos que cada situação requer, temos de recorrer ao Senhor como filhos necessitados. Somente a misericórdia divina pode socorrer-nos em tantas ocasiões.
A fé nos diz que Deus depositou em nossa vida natural – o homem velho – uma nova vida, que é como uma semente que deve ser desenvolvida, e, portanto, é, a princípio, frágil e insegura, como toda vida incipiente. A vida natural, que, por assim dizer, está sobreposta a esta semente, pesa sobre ela, oprime-a, coage-a e obstrui seu desenvolvimento. A vida que preenche todo o âmbito da nossa consciência e da nossa percepção imediata é a vida do homem natural, com suas necessidades corporais e psíquicas, que se impõe sem a menor dificuldade ocupa com facilidade um lugar exclusivo na totalidade humana. A outra vida, pelo contrário, está escondida e raramente é experimentada. Ela não é palpável. É preciso acreditar nela e rodeá-la de cuidados, pois existe o grave perigo de não nos preocuparmos com ela e deixarmos que seja sufocada pela vida natural.
Enquanto a respiração natural se realiza com energia, o alento escondido que provém do Espírito Santo pode tornar-se fraco até que deixe de existir. A vida nova é colocada por Deus em nossas mãos tal como a vida frágil de uma criança nas mãos de sua mãe, ou como a vida de um homem doente nas mãos de seu médico. Devemos perguntar-nos então, qual será o valor que essa vida tem para nós e tirar daí as conclusões. Teremos de fazer o que for necessário para conservá-la e desenvolvê-la. Não nos deixemos iludir com o que se diz sobre autenticidade, espontaneidade ou sinceridade espiritual, antes façamos o que a verdade – a verdade da palavra de Deus – e a experiência humana, esclarecida e fortalecida por ela, nos revelem.
Para levarmos a oração a sério, devemos primeiramente preparar-nos para ela, assim como fazemos com relação às obrigações sociais. Quem tem de realizar um trabalho sério, não o faz de qualquer forma; mas primeiro reflete sobre as exigências dessa tarefa.
A oração é um ato de fé. Por isso, o que nela deve ser despertado não é somente a faculdade do pensamento e da ação, mas, sobretudo, a interioridade do espírito, ou mais precisamente, o aspecto da vida do espírito que corresponderá a misteriosa santidade de Deus. Geralmente, o espírito é soterrado pela vida cotidiana, ou no máximo ilumina tenuamente o homem. De resto, o homem vive, em todas as coisas, no terreno puramente humano da existência e das suas forças naturais. Por isso, se quisermos que a nossa oração seja autêntica, devemos destacar e fortalecer o espírito, orientando-o à santidade.
O significado desta preparação e a maneira como deve ser feita pode ser visto através de prismas diferentes, mas, fundamentalmente, esta preparação consiste no recolhimento. Recolher-se significa, em primeiro lugar, acalmar-se. Habitualmente, o ser humano é arrastado de um lado para outro por uma multiplicidade de coisas, excitado por impressões agradáveis ou desagradáveis, assediado pelas ambições e pelo temor, pelas preocupações e pela paixão. Esforça-se constantemente por alcançar alguma coisa ou defender-se dela, por adquirir ou rejeitar, por edificar ou destruir. O homem quer sempre alguma coisa, e querer significa encaminhar-se para um fim ou afastar-se de um perigo.
O homem contemporâneo gosta de ser considerado ativo, lutador e criativo. Porém, esses atributos refletem apenas uma parte dele. Muito mais exato e verdadeiro seria que o homem se reconhecesse com um ser inquieto, incapaz de viver serenamente e de observar a si mesmo; um consumidor insaciável de pessoas, de coisas, pensamentos e palavras, e, apesar disso, que continua sempre insatisfeito, pois perdeu de vista a conexão com o seu centro e com as coisas essenciais, e, com todo seu conhecimento e o seu poder, encontra-se entregue ao acaso. Este homem deve orar. Porém, ele saberá como orar? Sim, mas só quando sair da agitação e adquirir serenidade.
Recolher-se significa superar essa ilusão causada pela inquietação e acalmar-se, libertar-se de tudo quanto agora não interessa e estar à disposição daquele que é mais importante para nós: Deus.
O recolhimento é o primeiro passo para a oração; o segundo é dar-se conta da presença de Deus e da nossa condição de criatura; o terceiro é a procura da sua santa Face. É desse mistério de amor que vive a oração. Eis o que importa compreender quando se diz que o homem deve procurar “a face de Deus”. É por isso que a verdadeira preparação e a firme e constante retificação da oração residem no esforço em conseguir transformar o discurso em conversa, o monólogo em diálogo.
“Para mim, a oração é um impulso do coração, um simples olhar dirigido para o céu, um grito de agradecimento e de amor, tanto do meio do sofrimento como do meio da alegria. Em uma palavra, é algo grande, algo sobrenatural que me dilata a alma e me une a Jesus.”
– Teresa de Lisieux